Dia Mundial da Criança: como garantir a felicidade e a saúde de meninos e meninas?

No país, qualquer indivíduo com menos de 17 anos é considerado criança e, de acordo com a Constituição (artigo 18º), estas pessoas “têm direito à proteção especial por parte da família, da comunidade e do Estado, particularmente contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração"/Foto: DR

A propósito da celebração da data, o Diligente conversou com pais e especialistas sobre o que é essencial para a formação dos jovens cidadãos, a fim de terem um crescimento saudável.

Celebra-se hoje, dia 1 de junho, o Dia Mundial da Criança, efeméride assinalada, pela primeira vez, em 1950, por iniciativa das Nações Unidas, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que as crianças então enfrentavam.

No entanto, um pouco por todo o mundo, são muitos os jovens cidadãos que veem os seus direitos violados. Timor-Leste não é exceção. Falta de acesso à educação de qualidade, negligência, maus-tratos, abandono escolar, alimentação inadequada e exploração do trabalho infantil são apenas alguns dos problemas que fazem parte da realidade local.

No país, qualquer indivíduo com menos de 17 anos é considerado criança e, de acordo com a Constituição (artigo 18º), “tem direito à proteção especial por parte da família, da comunidade e do Estado, particularmente contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração”.

Para tentar perceber o que os pais e especialistas pensam sobre o que é fundamental para a formação da criança, no sentido de assegurar o crescimento saudável, o Diligente saiu à rua.

“Estão na idade de brincar. Não os obrigo a vender produtos na rua, como vejo tantas crianças. As crianças têm de estudar e fazer o que as deixa felizes e a minha responsabilidade é dar-lhes apoio e orientá-los”

Dionísia da Costa, 34 anos, mãe de duas crianças/Foto: Diligente

“Todos os pais desejam a felicidade para os seus filhos e tentam garantir uma vida saudável para as crianças. Para isso, damos-lhes tempo e oportunidade para brincarem com os amigos. No fim de semana, levamo-los à praia e ao jardim infantil para que desfrutem da natureza e do ar livre.

Estão na idade de brincar. Não os obrigo a vender produtos na rua, como acontece com tantas crianças. As crianças têm de estudar e fazer o que as deixa felizes e a minha responsabilidade é dar-lhes apoio e orientá-los.

Por isso, quando voltam da escola, perguntamos sempre o que aprenderam. Quando têm trabalho de casa, ajudamo-los. Estou sempre atenta à sua saúde e preparo refeições saudáveis para que não fiquem doentes.

Hoje todos festejam o Dia Mundial da Criança, mas fico triste ao ver meninos e meninas que não têm acesso à educação e passam os dias debaixo do sol a vender ovos e pentolang na rua. O Governo precisa de criar condições dignas para que todas as crianças gozem dos seus direitos”.

“Em casa, deixo-os ver vídeos infantis no Youtube para aprenderem o alfabeto. No entanto, limito o tempo de acesso, no máximo, a uma hora por dia”

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Brigiana Francisco Martins Almeida, 34 anos, chefe do Departamento do Centro Arquivo do Comité Orientador 25 e mãe de duas crianças/Foto: Diligente

“Tenho dois filhos e quero que cresçam felizes e saudáveis. Dou-lhes tempo para brincarem, mas também os oriento para que arrumem.

Não costumo deixá-los brincar em casa dos vizinhos, pois tenho receio que adotem maus hábitos e linguagem inapropriada. Nos tempos livres, levamo-los para brincarem em casa dos tios em Comoro e, às vezes, vamos comprar brinquedos.

Em casa, deixo-os ver vídeos infantis no Youtube para aprenderem o alfabeto. No entanto, limito o tempo de acesso, no máximo, a uma hora por dia.

Uma grande parte das crianças timorenses ainda não goza dos seus direitos, porque trabalha. Nas áreas remotas do país, não frequentam a escola, porque fica muito longe de casa. O Ministério da Educação tem de resolver este problema”.

“Temos de investir nos estudos dos nossos filhos, de modo a  garantir um futuro melhor para eles”

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Joanico dos Santos, 36 anos, pai de quatro crianças /Foto: Diligente

“Sinto-me muito feliz por ter quatro filhos e sou responsável por garantir o seu bem-estar, só assim podem ser felizes. Ainda estão na idade em que precisam de brincar, por isso costumo levá-los ao jardim.

Como pai, quero que estudem e brinquem. Acompanho-os e controlo-os para evitar situações indesejadas.

Fico triste ao ver crianças abandonadas na rua, sem controlo dos pais. Perdem a oportunidade de brincar e estudar, uma vez que têm de ajudar os pais. Temos de investir nos estudos dos nossos filhos, de modo a  garantir que tenham um futuro melhor.”

“O amor e carinho dos pais são o mais importante para os filhos.  Não podemos gritar com as crianças, porque vamos deixá-las tristes e assustadas. Como pai, ouço sempre os meus filhos, só assim posso garantir a harmonia familiar”

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Marcelino da Costa Matos, 38 anos, oficial de programa na ONG Esperança/Foto: Diligente

“Para garantir a felicidade das crianças, é preciso haver amor na família. O amor e carinho dos pais são o mais importante para os filhos. Não podemos gritar com as crianças, porque vamos deixá-las tristes e assustadas. Como pai, ouço sempre os meus filhos, só assim posso assegurar a harmonia familiar.

Ao fim de semana, gosto de os levar à praia e ao jardim. Nas férias, visitamos os avós no município. Os meus filhos adoram passar tempo com eles. Quando não vamos, insistem muito até que acabamos por ceder.

Em casa, encorajo-os a ajudar nos trabalhos domésticos, como lavar os pratos e limpar a casa. Não são tarefas pesadas e apenas quero que sejam independentes, no futuro.

Incentivo-os a estudar e apoio-os sempre que precisam. Também tenho muito cuidado com a sua alimentação. Ao acompanhar o seu desenvolvimento e ao dar-lhes o meu tempo, acho que estou a contribuir para a sua felicidade.

No entanto, algumas crianças ficam sem controlo dos seus pais, brincam na rua, mexem no lixo e roubam. Estas situações acontecem, porque a educação familiar em Timor-Leste ainda é fraca. Os pais têm de se responsabilizar pelos filhos e orientá-los de forma positiva para que cresçam felizes e seguros”.

“Celebrar um dia tão importante como este tem como objetivos abordar e sensibilizar para a saúde infantil, educação, nutrição e para a necessidade de proporcionar uma infância saudável a todos os meninos e meninas com vista ao seu pleno desenvolvimento. As crianças são o futuro da nossa sociedade”

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Diana Abrantes, educadora de infância na Escola Portuguesa Ruy Cinatti/Foto: DR

“O Dia Mundial da Criança é sempre celebrado com muita alegria. As atividades para este dia especial são planeadas de maneira a proporcionar um dia cheio de aprendizagens, entretenimento, destacando a importância da infância e dos direitos das crianças.

O departamento do pré-escolar da Escola Portuguesa Ruy Cinatti organizou uma ida ao cinema, atividade que visa celebrar a infância de forma divertida e, ao mesmo tempo, oferecer uma oportunidade educativa e cultural, criando memórias especiais para as crianças.

A educação infantil em Timor-Leste enfrenta vários desafios que dificultam a qualidade e a acessibilidade ao ensino. As escolas carecem de instalações adequadas, equipamentos básicos e falta de condições de higiene. As infraestruturas devem ser melhoradas e é preciso investir na construção e reforma das escolas, garantindo condições básicas de higiene e segurança.

Há escassez de professores qualificados. Implementar programas de formação contínua para professores, focados em métodos pedagógicos modernos, lúdicos e envolventes, tornaria a aprendizagem mais eficaz. Os métodos de ensino vigentes são tradicionais e pouco motivadores. Os recursos didáticos são limitados. Assegurar a distribuição de materiais pedagógicos adequados e promover o uso de recursos locais para criar jogos e atividades é muito importante.

A falta de consciencialização sobre a importância da educação infantil desde o pré-escolar é outro problema. O pré-escolar é uma etapa fundamental na vida das crianças. É preciso incentivar a participação dos pais e da comunidade, e de um ambiente de apoio em casa, pois há um baixo nível de envolvimento da comunidade no processo educativo.

Também é necessário implementar programas de alimentação escolar e de apoio às famílias, integrando serviços de saúde e nutrição nas escolas.

Há uma alta taxa de pobreza, que afeta a capacidade das famílias de enviarem as crianças para a escola. Com base em dados recentes, 48% da população timorense vive na pobreza, e muitas crianças estão sujeitas diariamente a algum tipo de trabalho infantil.

É necessária a implementação de políticas educacionais eficazes. Na escola onde leciono são promovidos diariamente os direitos das crianças, proporcionando um ambiente seguro e saudável : têm uma educação de qualidade, usa-se metodologias ativas e incentiva-se a sua participação. Dá-se voz e oportunidades às crianças, promovendo a inclusão e igualdade, o que permite um bom desenvolvimento social e emocional.

Ao implementar estas práticas, a escola promove o desenvolvimento integral das crianças preparando-as para serem cidadãos ativos e responsáveis.

Espero que Timor-Leste tenha a capacidade de criar condições necessárias para que as crianças tenham garantidos os direitos estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos das Crianças.

Celebrar um dia tão importante como este tem como objetivos abordar e sensibilizar para a saúde infantil, educação, nutrição e para a necessidade de proporcionar uma infância saudável a todos os meninos e meninas com vista ao seu pleno desenvolvimento. As crianças são o futuro da nossa sociedade”.

“Os pais devem estar atentos a sinais de que algo está errado, como crianças que têm medo de falar ou sair do quarto, indicando insegurança ou pressão. Comportamentos agressivos em relação aos colegas também merecem intervenção, pois, naturalmente, as crianças não são violentas”

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Ângelo Aparício, psicólogo /Foto: DR

“A compreensão das famílias e da sociedade sobre a criação de um ambiente saudável para as crianças ainda é limitada. O foco está apenas no desenvolvimento físico das crianças, ignorando a importância do tempo para brincar e conversar com os pais. O acesso excessivo ao telemóvel é um grande desafio ao desenvolvimento psicológico das crianças, pois interfere no desenvolvimento de habilidades sociais e na interação com o meio ambiente.

Além disso, a violência doméstica, muitas vezes presente no seio familiar, faz com que as crianças vivam sob pressão e medo. A sociedade ainda normaliza a violência doméstica e não denuncia às autoridades, contribuindo para a perpetuação dos casos. Crianças que crescem em ambientes violentos tendem a reproduzir as atitudes que presenciam: meninos aprendem a controlar e agredir, enquanto meninas associam amor a controlo e violência.

Criar um ambiente seguro e saudável para as crianças é responsabilidade de todos, especialmente das famílias. Muitos pais não permitem que as crianças expressem suas opiniões e sentimentos, afetando o seu desenvolvimento psicológico e emocional.

Em Timor-Leste, parece não haver um estudo sobre a relação entre a condição económica (pobreza) e o desenvolvimento infantil. Pesquisas em outros países destacam que condições socioeconómicas adversas podem prejudicar a nutrição e o das crianças.

Os pais devem estar atentos a sinais de que algo está errado, como crianças que têm medo de falar ou sair do quarto, indicando insegurança ou pressão. Comportamentos agressivos em relação aos colegas também merecem intervenção, pois, naturalmente, as crianças não são violentas.

Quanto ao trabalho infantil, existem duas categorias: crianças obrigadas pelos pais devido a dificuldades financeiras e aquelas que, ao verem os pais e irmãos a trabalhar, desejam fazer o mesmo.

Crianças que sofreram abuso sexual frequentemente têm dificuldade em confiar. Esses abusos, muitas vezes, ocorrem através de manipulação e sedução, em que o adulto usa doces ou brinquedos para se aproximar da criança.

Para resolver estas questões, é necessário um maior investimento na educação e no apoio às famílias. Aqueles que desejam formar uma família devem obrigatoriamente procurar conhecimento sobre como cuidar adequadamente de crianças.

“Uma criança para crescer de forma saudável necessita de ter exemplos de comportamento ajustados, sendo os pais os seus primeiros modelos, ao nível das atitudes e da transmissão de valores”

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Flor Coelho, psicóloga na Escola Portuguesa Ruy Cinatti/Foto: DR

“Uma infância baseada no amor, na compreensão, na valorização, onde a criança se possa sentir segura e aceite pelos seus pais, amigos e professores, sabendo que terá o apoio devido, quando está triste, e a orientação necessária, quando algo não corre bem é essencial. Assim, poderá construir com alegria um percurso inicial de contacto com o mundo.

Uma infância saudável implica que a criança possa encontrar em casa um espaço de comunicação e conforto e que seja exposta a diversas experiências para desenvolver o seu intelecto e a sua psicomotricidade – desde o simples ato de brincar, como pular e correr, até assistir a espetáculos, envolver-se numa atividade extracurricular e realizar o estudo, de forma organizada.

Uma criança para crescer de forma saudável necessita de ter exemplos de comportamento ajustados, sendo os pais os seus primeiros modelos, ao nível das atitudes e da transmissão de valores.

Para potenciar uma infância saudável também é importante levar a criança a compreender os limites das suas ações. Tal poderá ser veiculado através do contexto familiar, social e escolar – a partir do diálogo, do exemplo e da valorização.

Uma criança pode ter acompanhamento psicológico desde tenra idade, a partir do momento em que o adulto identifique alguns sinais no comportamento da criança que possam sugerir algum tipo de perturbação, ou que se perceba que houve uma mudança nas suas atitudes e nos seus hábitos de rotina diária, de forma prolongada no tempo (por exemplo, não dormir tranquilamente, não controlar os esfíncteres, mostrar ansiedade quando vai para a escola, mostrar-se agressiva, etc.) e que essa condição afeta o seu equilíbrio emocional, a sua concentração e a sua relação com os outros.

Por um lado, podemos falar em intervenção precoce (crianças entre os 0 e os 6 anos), quando uma criança é acompanhada numa lógica de prevenção ou de redução de risco de atraso na socialização ou no desenvolvimento. Neste âmbito, assume-se que o psicólogo possa estar inserido numa equipa interdisciplinar, considerando-se tanto o apoio à criança, quanto à sua família. O que significa que, quanto mais cedo houver um acompanhamento da criança, mais provável será que tenha uma evolução mais promissora e se possam criar desde logo condições contextuais, que favoreçam o seu crescimento.

Por outro lado, uma criança pode necessitar de apoio psicológico decorrente de situações concretas de vida, como por exemplo, o divórcio dos pais, o falecimento de um ente querido, ou mesmo passar por uma situação de bullying, sendo que restabelecer o equilíbrio emocional numa fase crucial da vida, que é a infância, será determinante para fortalecer a estrutura psicoafectiva, numa fase posterior, quando se é jovem e adulto”.

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