É um antibiótico para tratar infeções bacterianas, mas é utilizado em Timor-Leste de forma descontrolada. Médicos alertam para riscos para a saúde.
O tratamento das doenças com antibióticos, como amoxicilina, é uma prática comum entre os timorenses. Com poucos conhecimentos sobre o possível impacto negativo da medicação sem receita, as pessoas costumam comprar remédios para autotratamento . A falta de fiscalização das farmácias e ausência de esclarecimento dos farmacêuticos junto dos clientes, acabam por criar as condições para o uso indiscriminado dos medicamentos.
A utilização sem prescrição, alertam os profissionais de saúde, pode fazer com que as bactérias ganhem resistência ao antibiótico – o que significa que o tratamento com o remédio perca a eficácia após algum tempo. Em Díli, uma caixa com dez comprimidos de amoxicilina pode ser comprada por um dólar.
Amigdalite, faringite, sinusite, otite, pneumonia, tuberculose, bronquite crónica e cistite são algumas das infeções bacterianas mais comuns tratadas com o medicamento.
Numa quarta-feira, à saída de uma farmácia, o Diligente entrevistou quatro pessoas e todas afirmaram que, quando compram antibiótico como amoxicilina, os farmacêuticos não dizem nada, nem informam sobre a dosagem, tampouco o efeito negativo do consumo descontrolado.
Com amoxicilina, paracetamol e mixagrip nas mãos, Natalina da Costa, 32 anos, explicou que estava com dor de cabeça e sintomas de gripe e que, por isso, precisava de se medicar. Natalina sabia que a amoxicilina devia ser tomada durante uma semana inteira e contou que vai parar de consumir os medicamentos logo que sinta melhoras.
Pedro Lopes, 38 anos, contou que toma amoxicilina com Sprite para aliviar as dores no corpo causadas pelo trabalho. Porém, argumenta que isso acontece a cada cinco meses. “Normalmente fico bem”, garantiu. O jovem lembra que, quando morava na Austrália, não conseguia adquirir o antibiótico, “porque era sempre requerida uma receita médica”.
Já Ivo Jerónimo, 29 anos, oficial legal da Autoridade Nacional do Petróleo e Minerais, também recorre à amoxicilina quando sente cansaço. “Quando estou com dores no corpo, não vou ao médico. Compro a amoxicilina para aliviar o que sinto. Eu nunca contei quantos dias consumo este medicamento. Paro de tomar quando me sinto melhor”, afirmou.
Por sua vez, Florinda Benevides, de Aileu, 41 anos, sabe que é preciso receita para adquirir o antibiótico. “Só compro amoxicilina com receita médica, porque quando me sinto doente vou sempre ao hospital e só se não houver lá medicamentos é que vou comprar nas farmácias”.
Das oito farmácias que o Diligente visitou em segredo, nenhuma pediu receita médica para vender amoxicilina e uma delas nem sequer se esforçou para explicar o facto de não a ter pedido.
Questionados sobre a venda livre de amoxicilina, alguns farmacêuticos fugiram à questão e, aparentemente desconfiados, preferiram tentar esclarecer qual era a doença que motivava a compra do antibiótico, há quanto tempo havia sintomas e qual era medicação que estava a ser tomada. “O importante é consumir o medicamento no seu ciclo completo, pelo menos cinco dias, três vezes por dia”, referiram.
Uma farmacêutica (perto de Lafatik) argumentou que os timorenses já se acostumaram ao remédio. “Se pedirmos a receita médica, eles não vão comprar, porque muitos nem sequer vão a um médico”, argumentou.
Também um farmacêutico (em Kampung Alor) disse que era preciso receita médica. “Mas desde que a pessoa saiba o que está a tratar, está tudo bem [em vender o antibiótico sem receita]”.
Além do risco de deixar as bactérias mais resistentes, o consumo de antibióticos de forma descontrolada e sem receita médica causa outros efeitos colaterais. Bonifácio de Jesus, médico no posto de saúde de Maloa, explicou que, “em alguns casos podem surgir sintomas gastrointestinais como náusea e diarreia, problemas renais, do fígado e ou ainda episódios alérgicos”.
O profissional informou que a dosagem da amoxicilina de 500 mg é de três vezes por dia, ou seja, a cada 8 horas, durante uma semana. Em algumas situações, os médicos podem tratar os pacientes com o antibiótico durante duas semanas.
Fiscalização ineficaz
A inspeção às farmácias é da competência da Direção Nacional de Farmácia e Medicamentos (DNFM), que não foi possível ser contactada por o Diretor Delfim da Costa Xavier estar no estrangeiro. O Diligente tentou entrar em contacto com o Ministério de Saúde, mas, até à publicação deste artigo, não obteve resposta.
Já Frederico Bosco, médico e Diretor-Geral do Instituto Nacional de Saúde Pública, informou que o Ministério da Saúde tem uma regra específica para todas as farmácias, de acordo com a qual os medicamentos, como antibióticos e psicotrópicos, devem ser vendidos apenas com receita médica.
“O Ministério da Saúde alerta para o consumo sem regulamento destes medicamentos, porque isso pode pôr em risco a saúde pública”, salientou Bosco. Admitiu, entretanto, que o regulamento ainda não está a ser plenamente aplicado.
O médico explicou ainda que o uso descontrolado de antibióticos, além de tornar as bactérias mais fortes, pode contribuir para que outras pessoas sejam contaminadas – através de uma tosse, por exemplo – por esses microrganismos modificados.
“Outros impactos negativos poderão ser a reação alérgica a algumas substâncias químicas do fármaco com possíveis condições de choque, eventualmente fatais”.
Frederico Bosco sublinhou que os antibióticos servem para combater as bactérias. Por isso, o seu uso para outras doenças causadas por vírus, parasitas ou fungos é ineficiente. “A gripe, por exemplo, causada pelo vírus, não precisa de amoxicilina e pode ser curado com tratamento de apoio como alimentação saudável, descanso e medicação para os sintomas, como paracetamol se tiver febre”, observou.
De acordo com Frederico Bosco, a dosagem depende da consideração dos médicos. O Diretor-Geral recomenda que a população consulte um profissional da saúde antes de tomar qualquer medicação.