Agredida e explorada, a criança com transtornos mentais que diverte redes sociais e promove instituições em Timor-Leste

Menor a ser agredido num dos muitos dos vídeos que circulam nas redes sociais/Foto: DR

Sem proteção nem da família nem do Estado, menino é vítima de bullying, exploração, negligência e agressões aos olhos de todos.

“Mata-o!”, gritavam os jovens, incentivando o indivíduo mais velho a agredir o menino, enquanto registavam a cena para publicarem nas redes sociais. À volta da criança de 13 anos e do jovem, ambos com problemas mentais, as pessoas divertiam-se perante a cena constrangedora.

Os utilizadores das plataformas online incitavam a luta entre os dois e filmavam tudo para as suas contas no Facebook e Tiktok. Neste vídeo, um dos muitos partilhados no fim do ano passado, a multidão estimula o menino a insultar o jovem e chamá-lo para a luta. A criança, por sua vez, agarrada pelo rapaz pela parte de trás da camisola, demonstra nervosismo. Olhos tensos e voltados para o que está à sua volta, grita com as pessoas que o rodeiam e que apenas se riem da situação.

Amplamente divulgados, os vídeos geraram milhares de reações, como emojis de gargalhadas, entre os internautas. “Os encontros destes dois divertem-nos”, afirmou, entre risos, Seles Ribeiro, 33 anos, técnico profissional de Informática do Conselho dos Ministros.

O jovem que aparece em algumas filmagens como “adversário” do menino costuma deambular pelas ruas da capital embriagado e várias vezes foi gravado a ameaçar a criança de morte, incentivado pelos autores dos vídeos.

A situação seria grave mesmo que se tratasse apenas de um menor de idade e de um jovem adulto sem problemas mentais, mas não é o caso. Com problemas cognitivos, os dois necessitam de ajuda e não de serem expostos, o que os deixa ainda mais fragilizados.

Porém, não é essa a opinião de Seles Ribeiro, que considera as palavras ofensivas proferidas nos vídeos como “tempero” para os materiais, porque, na sua lógica, ninguém tem a intenção de lhes fazer mal: estão apenas a brincar. “Sem os dois, não temos conteúdos. São o Tom e Jerry de Timor-Leste”, confessa entre risos, comparando a situação dos cidadãos ao famoso desenho animado norte-americano – em que um personagem sempre é feito de bobo da corte por outro.

Em outros vídeos, o menino costuma aparecer zangado com alguém ou a importunar mulheres, sempre a seguir ordens de pessoas mais velhas, do sexo masculino, que o filmam e depois partilham as imagens na internet.

O técnico de informática, que se diverte com a desgraça alheia, faz parte de um grande grupo de pessoas que tende a normalizar o bullying nas redes sociais e que considera a criança como figura pública.

Neste sentido, são muitos os que usam o menino em proveito próprio, para aumentar o número de visualizações ou para ter lucro à conta da exploração da sua imagem.

Para além de internautas, instituições também tiram proveito da situação

Além de ser normalizado, o bullying ganhou em Timor-Leste outro significado: um trampolim para a fama. Mas à custa de quê? A resposta: um depósito imediato de 500 dólares americanos e outros mensais, de 25 dólares americanos, numa poupança para o menino, até ele completar 17 anos – que é quando o valor poderá ser levantado.

O Banco Nacional do Comércio de Timor-Leste (BNCTL) usou a imagem da criança na campanha publicitária de mobile banking colocada no carro da empresa pública.

“Decidimos usar a imagem da criança, porque é uma figura pública. Quisemos utilizar este lado famoso e cómico. Assinámos um acordo com a família, porque, sendo menor de idade e com transtornos mentais, não pode tomar decisões jurídicas”, informou o membro do Conselho Executivo do BNCTL, Joaquim Martins.

A lei laboral permite que as crianças, a partir de 13 anos, trabalhem, desde que não “se comprometa a sua educação e prejudique a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, moral ou social”. Na avaliação do jurista e professor de Filosofia do Direito no Instituto Superior de Filosofia e Teologia Dom Jaime Garcia Goulart (ISFIT), Armindo Moniz Amaral, “por estar em condição de saúde mental perturbada, o menino é considerado inaplicável para o trabalho por esta lei”.

Perante esta questão, o oficial legal do BNCTL, Rogério dos Reis Araújo, argumentou que “o direito à imagem foi garantido, uma vez que temos o consentimento da família e pagamos à criança”.

No entanto, o Armindo Moniz Amaral considera que “o BNCTL está a pôr em causa o direito à privacidade do menino”, porque, mesmo com autorização da família, as crianças com problemas mentais não podem ser expostas. Pelo contrário, devem ser protegidas.

Por sua vez, o coordenador da Unidade de Monitorização da Violação dos Direitos da Criança no Instituto para a Defesa dos Direitos da Criança (INDDICA), Isaías Carvalho Pereira, defende que “a família e o banco não exploraram o menor de idade, porque apenas se utiliza a sua imagem na publicidade, não é exigido que trabalhe.”

Relativamente ao montante que o BNCTL ofereceu à criança, o membro do Conselho Executivo alega que o valor é sigiloso.

Porém, a família confidenciou ao Diligente que o banco depositou 500 dólares americanos numa conta (“Ha’u nia Futuru”) para o menino e se comprometeu a pagar mensalmente 25 dólares durante cinco anos. Quando puder usar o dinheiro, o menino terá à disposição cerca de 2 mil dólares americanos. Confrontado com esta informação, o BNCTL não admitiu nem negou.

A família informou, no entanto, que, aos 17 anos, o rapaz vai ser internado no Centro de Apoio à Saúde, S. João de Deus (CAS-SJD), em Laclubar. “Se ele ficasse bem agora, queríamos usar este dinheiro para financiar os seus estudos ou outras necessidades. Caso contrário, pensámos em usar a quantia para pagar os estudos das irmãs mais novas”, partilhou a avó da criança, Delfina Martins.

O oficial legal do BNCTL explicou que, quando tiver 17 anos, o indivíduo já não pode ser representado pelos pais. Deve ser ele próprio a decidir como vai usar o dinheiro. “No caso de pessoas com problemas mentais, a família deve abrir um processo no Tribunal para ser nomeado um curador que possa tomar conta dos assuntos legais”, concluiu Rogério Araújo.

Um encontro inesperado e confuso

Numa manhã de fevereiro, a aldeia Bee-dalan teve a visita do menino. As crianças, que já o conhecem, saíram de casa, enquanto gritavam o seu nome, como se se tratasse de um artista. Um jornalista, que estava no local, ouviu a confusão, saiu de casa e convidou-o para a sua moradia com o intuito de o entrevistar.

O menor seguiu o jornalista até ao interior da casa, acompanhado por algumas crianças, enquanto outras esperavam no exterior. O menino parou a observar a casa com olhos agitados.

O jornalista foi buscar o telemóvel para gravar a conversa, mas, quando viu o dispositivo na mão do adulto, o menor mostrou-se desconfortável. Antes disso, já tinha recusado, com uma cara traumatizada, que uma criança lhe tirasse uma fotografia. O jornalista explicou-lhe que não ia gravar vídeos, apenas a sua voz. A criança permaneceu calada.

“Quantos anos tens?”, começou o jornalista. O menino, de pé e inquieto, distraiu-se com a chave da mota do jornalista em cima da mesa, pegou nela e perguntou: “Tens gasolina?”. O profissional ficou espantado e não respondeu. A criança foi até à cozinha à procura de comida, mas ainda não era hora de almoço.

O jornalista ainda tentou colocar outra pergunta, mas o resultado foi o mesmo: palavras sem sentido. Então, pediu-lhe que devolvesse a chave da motorizada, ao que a criança acedeu. Sem comida e sem a chave, o rapaz afastou-se, juntando-se às crianças que o esperavam no portão.

Perante a cena, as mães das crianças vociferaram aos filhos para que não brincassem com ele por ter transtornos mentais, como se fosse algo contagioso. O menino, mais uma vez, é vítima da ignorância e falta de civismo da sociedade.

“É difícil mantê-lo em casa. Distraio-me uns segundos e ele desaparece. Já tentei trancar as portas, mas ele partiu as janelas e fugiu. Sempre que isso acontece, deixo tudo e vou procurá-lo”

Família sem controlo na criança

A família do menino não o quis abandonar, mas sempre teve dificuldade em mantê-lo em casa. Desde os cinco anos que percorre as ruas. A sua mãe era ainda jovem universitária quando engravidou dele e o pai estava desempregado, acabando por abandonar a mulher e os três filhos. Por isso, sempre foi a avó que tomou conta da criança.

Quando ele ainda tinha 7 anos, a avó matriculou-o na escola. Por já ser conhecido entre as crianças e por não conseguir ficar quieto na sala de aula, causando o caos, a família decidiu retirá-lo da escola. Foi deixado em casa, o único lugar onde é acolhido.

Desde então, o menino tem explorado a cidade, andando de um lado para o outro, como se fosse levado pelo vento. A avó não tem como o impedir. “É difícil mantê-lo em casa. Distraio-me uns segundos e ele desaparece. Já tentei trancar as portas, mas ele partiu as janelas e fugiu. Sempre que isso acontece, deixo tudo e vou procurá-lo”, partilhou a avó, Delfina Martins, com a cara lavada em lágrimas.

Para tentar ajudar, um vizinho contactou o Centro de Apoio à Saúde, S. João de Deus (CAS-SJD) de Laclubar. No entanto, depois de uma visita não oficial, os médicos, sem fazerem nenhum diagnóstico, informaram que só podem receber cidadãos maiores de idade e prometeram à família que voltariam para o buscar quando ele atingisse a maioridade.

“Enquanto a família espera por um milagre, o país inteiro assiste aos vídeos e partilha-os como se estivesse a assistir a uma comédia em que o protagonista é uma criança com problemas mentais”

Quando era ainda muito novo, o menino sabia como sair da casa, mas não como voltar. A família contactava sempre a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) para o conseguir encontrar. A criança percorreu não só Díli, mas os municípios também. “Agora com 13 anos já tem outras casas onde dormir e já sabe o caminho para casa. É só deixá-lo na catedral e ele caminha até casa (em Tuana-laran)”, disse a avó.

Delfina Martins contou que um deputado e um comandante são algumas das pessoas que o levam a casa. “Às vezes, alguns jovens levam-no a passear e voltam a trazê-lo para aqui”, disse a avó.

Por isso, quando a criança desapareceu recentemente, a 6 de fevereiro, os familiares ficaram à espera que alguém o trouxesse e ficaram atenta às redes sociais. No dia 8, uma publicação no Facebook deu conta de que o menino estava em Viqueque. A família contactou os familiares de lá para que o trouxessem para a capital, mas o menino não voltou para casa.

A família mostra-se triste pelo facto de o menino ser alvo de bullying e agressões. “Não sabemos mais onde podemos procurar ajuda, além de esperar que o Centro de Apoio de Laclubar o acolha”, lamentou a avó.

Enquanto a família espera por um milagre, o país inteiro assiste aos vídeos e partilha-os como se estivesse a assistir a uma comédia em que o protagonista é uma criança com problemas mentais.

Direito à educação violado

A escola, segundo a avó, também se nega a recebê-lo e o Ministério da Educação, apesar de apregoar ter uma educação inclusiva, não fez nada a respeito.

Quando o menino tinha 7 anos, entrou para a escola. Foi inscrito pela avó no 1º Ciclo nº. 3 de Tuana-Laran. Isabel de Jesus Soares era a professora da turma da criança. “Ele não prestava atenção na sala de aula. Brincava, andava de um lado para o outro, distraía os outros alunos e, às vezes, provocava-os. Esta situação tornou-se caótica e os alunos das outras salas já o conheciam e batiam nas janelas a gritar o seu nome”, explicou a educadora.

A professora confessou que não conseguiu falar com a família, porque, passada uma semana do início das aulas, a criança nunca mais apareceu. Questionada sobre a razão de não ter comunicado a situação ao Ministério da Educação, a docente disse não saber que seria necessário fazê-lo. O Diligente tentou entrevistar o ministério, mas até ao momento da publicação desta reportagem, não obteve resposta.

A avó afirmou ao Diligente que depois dessa primeira semana de aulas, um professor, seu primo, foi a sua casa pedir que o menino não voltasse à escola. “O meu primo disse-me que o meu neto não tinha condições para estudar e que devíamos esperar até que ele tivesse”. O Diligente não pôde falar com o professor, que teve uma doença e não pode comunicar.

Os familiares, sem esperança e sem saberem como agir, nada fizeram e tal como tantos outros responsáveis pelo bem-estar desta criança, hipotecaram o seu futuro.

A criança foi agredida, mas a justiça não foi feita

Em agosto de 2023, um outro vídeo, que mostra a criança a ser vítima de várias agressões por parte de dois jovens dentro de um veículo, tornou-se viral. O menino sofre pancadas, pontapés e insultos.

Os dois agressores foram detidos pela PNTL para serem identificados e voltaram a ser libertados. O caso não avançou, porque a vítima não conseguiu contar o que aconteceu. Com transtornos mentais e envergonhado com a situação, a criança mudou os factos e disse que foi ele que lhes bateu.

Apesar de o vídeo mostrar claramente a criança a ser agredida por dois adultos, o investigador do Ministério Público, Júlio dos Santos, informou que se trata de um crime semipúblico, por isso, a continuidade do caso dependia da vontade da vítima. “O menino e a sua avó decidiram não avançar com o caso e foi a própria criança que mo disse, por isso, devo respeitar a sua decisão”, argumentou.

Sendo menor, deve ser a família a tomar esta decisão, mas a criança, para além de ter sido espancada, ainda foi submetida a um interrogatório onde lhe pediram para reviver o que tinha acontecido. Segundo a avó, a criança não conseguiu falar e só pedia para ir para casa, por isso, ela desistiu, pensando que o caso não podia avançar sem a declaração do neto.

O facto de a criança ter transtornos mentais e de haver um vídeo explícito das agressões não foram tidos em conta pelo investigador, que insistiu que o menino testemunhasse e decidisse sozinho se queria avançar com o caso. Quanto a esta questão, Júlio dos Santos limitou-se a dizer que é necessário ter autorização do chefe para divulgar as informações, mesmo que o caso já tenha sido arquivado e possa ser publicado.

Questionado sobre o vídeo do ataque, o investigador afirmou que não tinha visto nenhum vídeo e que a queixa não apresentou nenhum material audiovisual como prova e, por isso, foi necessário ouvir os depoimentos da vítima e dos agressores.

Júlio dos Santos chegou a mencionar que o caso aconteceu quando o menino terá pedido comida aos agressores e estes acederam ao pedido em troca de vídeos, dizendo que a violência foi encenada pelos três.

“O Estado falhou e não é sério no seu compromisso de proteger as crianças e jovens em perigo, uma vez que não toma nenhuma medida efetiva”

Na avaliação do responsável pela Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, o sistema judicial não pode obrigar o menor a falar, porque não foi ele o agressor. Sobre o arquivamento do caso, o provedor lamenta. “É uma situação infeliz que, por falta de mecanismos próprios de dar assistência a crianças ou vítimas com deficiência, casos sérios muitas vezes são arquivados”, observou Virgílio Guterres.

O provedor informou que a direção de Fiscalização e Recomendação da PDHJ vai recolher os dados, verificar se a criança está mesmo sem proteção e, posteriormente, recomendar as medidas aos institutos relevantes, como a Assistência Legal para Mulheres e Crianças (ALFELA), que tem casa de proteção e pode dar assistência.

Procurada, a Recuperação e Desenvolvimento Psicossocial em Timor-Leste (PRADET, em inglês) alegou não ter conhecimento sobre a situação de violência contra o menino. O diretor da entidade, Manuel dos Santos, ressaltou que a PRADET, por não oferecer serviço de acolhimento, não pode ficar com a criança e sugeriu que a família permaneça com o menor. Enfatizou ainda que as autoridades reforcem a promoção de educação cívica para os cidadãos, principalmente para aqueles que cometem agressões e bullying.

“O bullying, principalmente às crianças com transtornos mentais, é humilhação e viola os direitos humanos, neste caso, os direitos da criança. É preciso investir na educação cívica, porque as pessoas não estão conscientes destas situações”, sublinhou o diretor da PRADET.

Entidade especializada para pessoas com transtornos mentais, a PRADET oferece atividades de reabilitação que acontecem três vezes por semana, durante metade do dia, envolvendo diagnóstico e prescrição de medicação adequada, terapia e acompanhamento.

Para ajudar o menor, a entidade ressaltou que necessita ter uma referência, de familiares da vítima ou de qualquer cidadão que saiba do que se passa, e de informações que possam servir de provas. A PRADET trabalha em parceria com a Associação dos Deficiente em Timor-Leste (ADTL), o Ministério da Saúde, o Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI) e outras entidades relevantes. O Diligente enviou os vídeos em que a criança é maltratada para o diretor do PRADET.

O  Estado “assobia para o lado

Bullying, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, em inglês), é uma forma de comportamento agressivo que ocorre de forma intencional e repetida, fazendo com que outra pessoa se sinta magoada. “O bullying pode assumir múltiplas formas, incluindo a disseminação de ameaças, agressões físicas ou verbais, o envolvimento em práticas insidiosas, como excluir uma criança de um grupo para a magoar, ou quaisquer outros gestos ou ações que ocorram de forma menos visível”, descreve a UNICEF na sua página oficial.

Em Timor-Leste, ainda não há uma lei que criminalize o bullying, nem regras que controlem este comportamento. Isto contribui para que muitos cidadãos não tenham consciência da gravidade do ato, confundindo, muitas vezes, a prática com uma simples brincadeira.

O Governo timorense começou a redigir em 2011 a Lei nº 6/2023 (Lei da Proteção das Crianças e Jovens em Perigo) e ratificou, em setembro de 2003, a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Crianças. Mesmo com estas leis em vigor, o menor em questão ainda não viu os seus direitos e interesses cumpridos, tampouco tem o bem-estar garantido. E os perpetradores de bullying e agressões não foram responsabilizados.

De acordo com o psicólogo Alessandro Boarccaech, as consequências para as pessoas que praticam bullying devem ser proporcionais à idade, perfil psicológico, gravidade e à frequência do comportamento, com o objetivo de prevenir futuras agressões e promover a responsabilidade, o amadurecimento e habilidades pessoais e sociais mais empáticas.

Entre as possíveis ações, avançou o psicólogo, encontram-se a intervenção educacional para esclarecer o que é o bullying e os impactos que ele causa nas vítimas e o ensino de competências de resolução de problemas menos intolerantes e agressivas. “Os agressores têm de reparar o dano causado à vítima, pedindo desculpas, sendo suspensos da escola, entre outras medidas. Têm de frequentar sessões de terapia e aconselhamento psicológico para lidarem melhor com as suas ansiedades, agressividade, medos, entre outros”, especificou Alessandro Boarccaech.

O profissional acrescentou que, em casos graves que envolvam violência física, ameaças sérias ou discriminação, pode fazer-se uma acusação formal na justiça ou solicitar medidas de proteção legal para a vítima.

Para Alessandro Boarccaech, a prevenção do bullying requer um esforço coletivo e integrado. “É essencial estabelecer um sistema de educação que promova o respeito, a empatia, a tolerância às diferenças e o diálogo. Também pode ser feita uma supervisão nos ambientes onde as crianças interagem e agir quando o bullying ocorrer. Além disso, é importante desenvolver regras claras que proíbam o bullying e estabelecem as consequências para os agressores”, sugeriu.

O jurista Armindo Moniz Amaral defende que o bullying deve ser considerado um crime em Timor-Leste e medidas efetivas devem ser tomadas para travar o problema. Adiantou que não é preciso haver uma queixa da vítima para que o Ministério Público processe os casos desse tipo, uma vez que é crime público, porque viola os direitos da criança.

“Os numerosos insultos contra a criança nesses vídeos de bullying são ameaças. Só por estas palavras assustadoras, o Ministério Público já deve investigar e até repreender as pessoas que fizeram esses comentários”, argumentou o jurista.

Para Armindo Amaral, o facto de ainda acontecer bullying, sobretudo que envolva pessoas com deficiências, mostra que “o Estado falhou e não é sério no seu compromisso de proteger as crianças e jovens em perigo, uma vez que não toma nenhuma medida efetiva”.

O jurista avançou que até “as figuras públicas exploram o menor” e reforçou que o MSSI “deve proteger as crianças destas situações”.

Consequências do bullying

Quanto aos vídeos partilhados nas redes sociais, Alessandro Boarccaech defendeu que “deveriam ser retirados e todos os envolvidos ser identificados e devidamente responsabilizados”.

Para o psicólogo, as vítimas devem ser contactadas pelos serviços de apoio para verificar como está a sua saúde mental e avaliar possíveis intervenções para garantir os seus direitos básicos e bem-estar. O que, neste caso, não foi feito. As vítimas de bullying continuam a não ser protegidas.

O profissional destacou que uma vítima de bullying pode enfrentar uma série de problemas, tais como ansiedade, depressão, baixa autoestima, dificuldades de aprendizagem, evasão escolar, desafios para interagir ou confiar em outras pessoas, traumas psicológicos, isolamento, pesadelos e stress pós-traumático.

Além disso, “a criança pode desenvolver comportamentos de risco ou autolesivos, ideação suicida e, de forma não consciente, reproduzir as agressões em outras pessoas ou relacionar-se no futuro com indivíduos que continuarão a agredi-las física ou emocionalmente”, explicou o psicólogo.

O menor em questão, por exemplo, em determinados momentos, ao se ver sob pressão, já chegou a morder a própria mão.

De acordo com o artigo 4º número 2 da Lei nº 6/2023, considera-se em perigo a criança ou o jovem, que: “Está abandonada ou vive entregue a si própria; É negligenciado por não receber, de forma grave ou reiterada, os cuidados de alimentação, saúde, educação, higiene, vigilância ou a afeição adequada à sua idade e situação pessoal; É vítima, direta ou indiretamente, de maus-tratos físicos ou psicológicos, abusos sexuais, pornografia infantil, violência doméstica ou qualquer outro crime previsto na legislação penal”.

Nestes casos, a responsabilidade de atuação é atribuída aos órgãos de proteção, como o MSSI, o INDDICA, as entidades judiciárias e policiais, a PDHJ e organizações da sociedade civil e religiosas.

O Diligente enviou um pedido para entrevistar o MSSI, mas, até à publicação deste texto, não obteve resposta. Já o INDDICA, por sua vez, minimizou a situação em que o menor se encontra. O coordenador da entidade, Isaías Carvalho Pereira, disse que “os jovens não estão a fazer mal, porque os dois são pessoas com problemas mentais”. Apelou, contudo, para que os cidadãos respeitem as pessoas com deficiências, “porque todos são humanos e têm os mesmos direitos.”

Os pais, membros da comunidade e líderes comunitários também falham no cumprimento desta legislação, uma vez que “é a responsabilidade de todas as pessoas garantir o bem-estar das crianças e dos jovens e prevenir qualquer violação dos seus direitos, salvaguardando sempre o seu interesse superior”.

Enquanto a família não sabe o que fazer, a escola não acolhe e o sistema não é capaz de oferecer proteção, o menino continua a ver os seus direitos violados, sendo alvo fácil para aqueles que não veem problemas em explorar alguém em situação de vulnerabilidade.

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  1. Boa reportagem,
    É melhor as instituições que protegem o direito das crianças devem fazer diagnossa mais rápido possivel antes de a criança atinge a maioridade.

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