As dificuldades em obter uma alimentação saudável em Timor-Leste

Um prato de comida deve ter nutrição completa e equilibrada/Foto: Manual Merenda Escolar do Ministério da Saúde

Grande parte das famílias no país admite que se alimenta apenas para sobreviver, já que os baixos salários são insuficientes para assegurar uma dieta mais rica em nutrientes ou mesmo comida para toda a gente. Diretora do Ministério da Saúde defende atuação mais direta do órgão para mitigar a insegurança alimentar.

As famílias timorenses, constituídas, em média, por cinco elementos, gastam, no mínimo, cem dólares por mês só para colocar comida na mesa. As refeições, normalmente, incluem arroz, vegetais, tempeh ou tofu. Algumas conseguem ter uma alimentação mais completa, inserindo frutas e uma maior variedade de fontes de proteína na sua dieta, como carne e peixe, e desembolsam cerca de 200 dólares mensais.

Estes valores, de acordo com os membros dos agregados familiares, demonstram que o salário mínimo no país – 115 dólares, desde 2012 – não é suficiente para garantir uma alimentação saudável – ou mesmo, em muitos casos, comida para toda a família. Grande parte dos cidadãos refere que se alimenta apenas para sobreviver.

Jacinta Kaet, 31 anos, dona de casa, contou que só come arroz e vegetais ao almoço e ao jantar, mas, para os filhos, tenta fornecer sempre salchicha ou ovo a todas as refeições. De manhã, todos comem pão e bebem chá ou café, bebidas que consomem durante o dia para saciar a fome.

Com sete pessoas em casa, o dinheiro para tudo é contado: gasta-se cerca de cinco dólares por dia para a comida, totalizando 150 dólares por mês, a mesma quantia do salário do marido, a única fonte de rendimento da família. “Mesmo que nem sempre gastemos cinco dólares por dia, continuamos a não aguentar até ao fim do mês e somos obrigados a pedir ajuda a alguns familiares para podermos comer”, contou Jacinta Kaet, rindo-se para esconder a tristeza no rosto e a tentar travar o choro.

Quando a situação se agrava, os filhos pequenos também só comem arroz e vegetais, em pequenas porções.

“Além da alimentação, temos de pagar água, eletricidade e, às vezes, temos atividades culturais para as quais devemos contribuir”, contou a senhora, que ainda consegue partilhar a comida com os seus familiares de Oecússe que estudam em Díli, quando, muitas vezes, estes a visitam.

“Não damos muita atenção à nutrição, basta conseguirmos matar a fome e comer o mais completo possível”

Na casa de Maria de Fátima da Costa, 37 anos, a preocupação primordial também é não passar fome, contudo, há um consenso geral para se evitar comida processada e privilegiar o peixe fresco em relação à carne. No local, vivem três famílias, o que totaliza 14 pessoas. Maria de Fátima,  diretora da Organização Não-Governamental (ONG) Esperança – que dá apoio e tratamento às pessoas com HIV/SIDA –, conta que cada agrupamento paga, no mínimo, 100 dólares por mês só para comprar vegetais e peixe. Além disso, gastam quatro sacos de arroz mensalmente.

“Não damos muita atenção à nutrição, basta conseguirmos matar a fome e comer o mais completo possível”, confidenciou a diretora.

O menu diário varia: ao pequeno almoço, pão ou mandioca e café; ao meio-dia, arroz ou milho, com vegetais (como espinafre, mostarda, folha de mandioca, repolho, feijão de corda, batata, cenoura ou o fruto e flor de papaia) e carne ou peixe. O jantar é parecido com o almoço.

A diretora relembrou que teve conhecimento sobre alimentação saudável a partir da promoção televisiva, nos eventos e nas brochuras, através dos quais ficou a saber que a comida processada não é boa para a saúde.

“Não comemos muita carne, porque a carne local é muito cara e a importada contém conservantes. Preferimos comer peixe fresco três vezes por semana, que custa dez dólares por refeição, porque sei que é bom para o desenvolvimento das crianças”, avançou Maria da Costa.

Já no lar de Rosa Tani Susanti, 39 anos, dona de casa, também se faz presente a preocupação em selecionar a dieta diária. Rosa Susanti, que é mãe de três filhos, reconhece que a favorável condição económica da família – que tem um rendimento superior ao salário mínimo no país – facilita. “Pesquiso muito na internet sobre alimentação equilibrada para decidir o que devemos comer no dia a dia”, partilhou.

Pela manhã, Rosa Susanti prepara arroz e ovo cozido ou pão ou doces. Ao almoço, consomem arroz e vegetais, como feijão de corda, espinafre, mostarda e melão amargo, e carne ou outra fonte de proteína, como peixe, tofu e ovo. O jantar é igual ao almoço, acompanhado de fruta, como melancia, maçã, uvas ou pera.

A exemplo do que acontece no ambiente de Maria de Fátima, na casa de Rosa Susanti também se evitam produtos processados, como salsicha e comidas enlatadas “por causa dos muitos conservantes e substâncias químicas que podem afetar a nossa saúde a longo prazo”, destacou.

Com cinco pessoas na morada, a família gasta cerca de cinco dólares por dia para alimentação e, contando com o arroz, o valor atinge, no mínimo, 168 dólares americanos por mês. “Só para comida, gastamos quase 200 dólares. É muito mais difícil para as pessoas que recebem só o salário mínimo”, admitiu Rosa Susanti.

Alimentação saudável

Licenciada em Nutrição pela Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), Tinesia dos Santos, ressaltou que a alimentação saudável pressupõe que uma refeição contenha os cinco nutrientes: carboidratos, proteína, gordura, vitaminas e minerais. A nutricionista informou que a ingestão desses nutrientes depende das necessidades de cada indivíduo, de acordo com a idade, o peso, as atividades diárias, a condição de saúde e intolerâncias.

Tinesia dos Santos sublinhou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma mulher adulta precisa de 2.000 quilocalorias por dia e um homem de 2.400 quilocalorias.

De forma a completar as calorias necessárias, podem comer, de manhã, pão e beber um copo de leite; ao almoço, um prato de arroz, vegetais, frutas e ovo ou outra fonte de proteína; ter uma fruta ao lanche e a mesma porção de almoço ao jantar. O total de dinheiro necessário para estas refeições diárias para uma pessoa chega a três dólares, ressaltou a nutricionista.

“A alimentação saudável não se trata apenas do que comer, mas também da forma como é que a comida é confecionada. A higiene no momento de preparação e a condição das matérias-primas são essenciais para construir uma dieta saudável”, explicou.

Ao preparar a comida, é preciso usar cinco chaves da alimentação segura: garantir a higiene das mãos, dos equipamentos e ingredientes; separar alimentos crus e cozidos e cozinhá-los bem; mantê-los a temperaturas adequadas e usar água e matérias-primas limpas.

Já aqueles que não podem ser consumidos regularmente e precisam de ser evitados são os fritos, as bebidas açucaradas ou refrigerantes, os doces, as gorduras de animal, fast food, comida congelada e processada, entre outros.

“A curto prazo, indivíduos que consomem muitas vezes estes produtos podem sofrer de diarreia, tosse, febre e até vómitos”, informou a nutricionista. A longo prazo, observou, as pessoas correm o risco de sofrer de diabetes, devido ao consumo excessivo de açúcar, obesidade e doenças cardiovasculares, por comerem muita gordura, e hipertensão, por ingerir muitos aditivos, incluindo o sal. Feitas as contas, a má alimentação causa a malnutrição.

Tinesia dos Santos sugere ao Governo que coloque nutricionistas em todos os postos de saúde em todo o território timorense, nomeadamente nas áreas rurais, para auxiliar a população sobre como ter uma alimentação saudável.

Lançado pelo Ministério da Saúde em 2017, o guião de alimentação saudável sugere que, em cada refeição, a metade do prato seja de vegetais e frutas; um quarto composto por carne ou proteína vegetal e a última porção da comida são os alimentos que contêm carboidratos.

Guia sobre alimentação saudável do Ministério da Saúde

O menu no documento do Ministério da Saúde inclui um prato de um dólar, que tem tofu, tempeh, feijão de corda, pimentão, tomate, sal, cebola, alho e óleo. Outra receita para uma refeição rica em nutrientes é a que possui espinafre, tomate, cenoura, ovo, pimentão, gengibre, curcuma, óleo, sal e cebola. Os alimentos deste prato custam 75 centavos e, contando com o arroz ou outra fonte de carboidrato, totaliza um dólar.

Estas duas refeições são para uma pessoa, que ainda precisa de fruta para completar os nutrientes. Gastaria cerca de três dólares por dia, o que perfaz 90 dólares mensais. Com 115 dólares, o valor do salário mínimo, uma pessoa solteira gasta mais de metade em alimentação, restando apenas 25 dólares para o arrendamento – que normalmente custa 50 dólares por mês, a água, a eletricidade e o crédito de telemóvel, que obviamente já não consegue pagar.

O Ministério da Saúde divide os nutrientes em três grupos: carboidratos e gordura no grupo de alimentos que dão energia, proteína para o desenvolvimento do corpo e vitaminas e minerais no grupo que protege o indivíduo.

Os carboidratos podem ser encontrados no arroz, banana, milho, trigo, inhame, batata, batata-doce, pães e mandioca. As proteínas estão presentes na carne, ovo, leite, peixe, tofu, tempeh, brócolos e leguminosas. Os alimentos que protegem são os vegetais e as frutas.

Insegurança alimentar e medidas para a combater

Em Timor-Leste, porém, a garantia da alimentação regular e saudável para a população, sobretudo os mais jovens, ainda é um problema. Divulgado este mês (12.10), o Índice Geral da Fome (IGF) 2023 revelou que quase metade das crianças (46,7% ou 74,5 mil em números absolutos, segundo o censo 2022) com menos de cinco anos no país está com subnutrição crónica, uma condição em que uma pessoa tem baixa estatura para a sua idade e deficiência de energia, proteína, vitaminas e minerais essenciais. A situação faz com que Timor-Leste tenha a quarta pior percentagem de nanismo infantil a nível mundial.

A dificuldade em assegurar uma alimentação equilibrada para a população, aliada à fome que atinge grande parte das crianças geram a insegurança alimentar. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, em inglês), “uma pessoa está em insegurança alimentar quando não tem acesso regular a alimentos seguros e nutritivos em quantidade suficiente para o crescimento e desenvolvimento normais, bem como para uma vida ativa e saudável.”

Em Timor-Leste, um relatório divulgado pelo Ministério da Agricultura e Pescas, em fevereiro deste ano, revelou que 300 mil pessoas no país (22% da população) enfrentam uma elevada insegurança alimentar. Denominado Classificação da Fase Aguda Integrada de Segurança Alimentar (IPC, em inglês), o estudo contou com o apoio técnico e financeiro da FAO, Programa Mundial de Alimentos e do fundo internacional dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, gerido pelas Nações Unidas.

A diretora nacional de nutrição do Ministério da Saúde (MS), Natália Moniz, admitiu que os números são preocupantes e, para tentar mudar o cenário, defende uma ação mais direta do órgão estatal.

“O Ministério da Saúde deve, em conjunto com as autoridades locais, identificar as pessoas com necessidades financeiras, não só para fornecer comida, mas também para dar apoio, no sentido de criarem os seus próprios canteiros ou outras alternativas para serem independentes”, frisou a diretora. Natália Moniz avançou que o preço dos produtos, na capital, é alto, o que leva os cidadãos, muitas vezes, a optar por alimentos congelados (como carnes), que não são saudáveis.

A diretora recomenda ao Governo que aumente o salário mínimo ou desenvolva políticas para diminuir o preço dos produtos alimentícios. “O Executivo deve valorizar os produtos locais, criando condições aos vendedores timorenses para baixarem o preço dos seus produtos. Desta forma, as pessoas conseguem comprar carne local e não procuram alimentos processados e importados, porque há pessoas que morrem precocemente por consumir esses produtos”, ressaltou.

Natália Moniz afirmou ainda que se deve colocar em prática medidas informativas que vão ao encontro da população, para se promover uma alimentação mais adequada. “É necessária uma ação concreta, através de visitas à comunidade para estimular a alimentação saudável. Já criámos um grupo voluntário que, em conjunto com as autoridades locais, trabalha no sentido de informar as mães sobre a necessidade de uma nutrição saudável para elas e seus filhos”, salientou.

A diretora acrescentou que o Ministério da Saúde realizou formações junto dos agricultores, ensinando-os como armazenar os alimentos para durar até à colheita seguinte. Está a ser feito ainda um estudo preliminar para criar um guião de refeições para cada município, focando-se em produtos que existem em cada localidade.

De acordo com a previsão inicial do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2024, estimado em 1,6 mil milhões, o valor calculado para o Ministério da Agricultura, Pecuária, Pescas e Florestas é de 21,3 milhões (1,4% do total); para o Ministério do Desenvolvimento Rural e Habitação Comunitária 1,4 milhões (0,09% do total); Ministério da Saúde 57,2 milhões (5% do total), Instituto Nacional de Segurança Social 81,7 milhões (5,4% do total); Instituto para a Defesa dos Direitos da Criança  215 mil dólares (0,01% do total).

Array

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?