Natural de uma zona remota de Lore, Délio Anzaqeci Mouzinho, 24 anos, encontrou o seu caminho no boxe, sendo já uma referência no desporto no país e motivo de orgulho para a família.
Natural do suco Lore, em Lautém, Délio Anzaqeci Mouzinho, 24 anos, cresceu ao ritmo do trabalho árduo na aldeia e dos desafios enfrentados pela comunidade rural, numa região montanhosa. Sendo o sexto de sete irmãos, em criança, depois das aulas, ajudava os pais nas hortas, nos arrozais e a cuidar de búfalos – experiências que fortaleceram tanto a sua capacidade física, como o seu caráter. Do período da infância, também se recorda, conformado, dos momentos em que os familiares abusavam do álcool.
Durante os anos de ensino básico, em Lore, Délio Mouzinho, um tanto perturbado pelas questões pessoais e rotina de trabalho pesado, envolvia-se em brigas, sendo temido pelos colegas. Do comportamento subversivo, contudo, havia o indício de um potencial que, se canalizado para um lado positivo, poderia ser benéfico – o que viria a acontecer mais tarde.
Em 2017, depois de concluir o ensino básico, o jovem mudou-se para a cidade de Lautém e ingressou na escola secundária Lere Anan Timur, numa zona conhecida como Lere Lo. Ao lado da escola, havia um clube de boxe, onde os atletas treinavam todas as tardes. Nessa altura, porém, o rapaz ainda não mostrava interesse pelo desporto.
Ainda assim, não deixava de observar as pessoas a praticar a modalidade de combate desportivo. Dois anos se passaram até que, num dia de chuvas fortes, os boxistas abandonaram o espaço mais cedo e Délio Mouzinho deixou-se ficar, observando tudo com atenção. Foi nesse momento que o treinador Elisário Dias Monteiro o viu ali sentado e o convidou para entrar em sua casa, onde partilhou histórias inspiradoras sobre a sua carreira no boxe, destacando as participações em eventos internacionais, representando Timor-Leste.
As experiências relatadas por Elisário Monteiro entusiasmaram o jovem: “você pode treinar-me?”, perguntou ao treinador, que respondeu “é claro que sim”.
Em março de 2019, Délio Mouzinho iniciou os seus treinos. Antes disso, Elisário Monteiro presenteou-o com um calção de boxe. Percebendo o quanto o rapaz era promissor, em apenas duas semanas o treinador decidiu levá-lo até à área de Natura, em Lautém, para praticar sparring com outros boxeadores e combater no ringue. Apesar de estar nervoso e com medo, já que estava a usar luvas pela primeira vez, Délio Mouzinho surpreendeu num combate de treino, ao nocautear o seu oponente logo na primeira ronda.
Após dois meses de treino intensivo, o jovem decidiu participar numa competição, no dia da Restauração da Independência de Timor-Leste, em Díli. Ao chegar à capital, acompanhado pelo treinador, foi ao clube de boxe Tomás Américo, onde tentou inscrever-se para o campeonato. Contudo, a inscrição foi recusada. “Duvidavam das minhas habilidades como lutador, por vir da montanha”, confidenciou o jovem.
Determinado a competir, Délio Mouzinho e o seu treinador procuraram outro lugar. Foram finalmente aceites num clube chamado Bebora Boxing Club.
Assim, a 20 de maio de 2019, o jovem participou na sua primeira competição oficial de boxe. Superou dois adversários e, no derradeiro combate, venceu por nocaute (KO), sagrando-se campeão. Terminado o torneio, regressou a Lautém, para frequentar a escola e continuar os seus treinos.
Como as aulas começavam às 8h, o rapaz levantava-se às 6h para treinar, mantendo o seu compromisso com as práticas de boxe também à tarde, depois das aulas.
Em julho de 2019, a Federação de Boxe Amador de Timor-Leste (FBATL) realizou uma competição nacional, em Díli. Délio Mouzinho viu ali uma oportunidade e regressou à capital para participar no torneio através do mesmo clube. Nessa competição nacional, o jovem voltou a ser campeão, após vencer dois combates.
No restante do ano, não houve competições, mas o jovem continuou a treinar em Lautém, aguardando novas oportunidades.
Mudança para Díli e surgimento de “El Bruto”
Em 2020, após concluir o ensino secundário, Délio Mouzinho foi para Díli, para continuar os estudos e seguir a sua carreira no boxe. Anos antes, a irmã mais nova do pastor Júlio Crispim, Ana dos santos Belo, havia visitado Lore, quando o rapaz ainda era criança. Ao ver as condições precárias em que a família vivia, ofereceu-se para receber um dos sete filhos, caso fossem para Díli. E assim aconteceu: ao mudar-se para a capital, Délio Mouzinho foi viver com o pastor.
Em novembro de 2020, Délio Mouzinho participou numa competição organizada pelo clube de boxe El Matador, na então sede da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto. Mais uma vez, saiu campeão, após vencer dois combates. O desempenho avassalador do boxista chamou a atenção do clube, que mostrou interesse em apoiá-lo como atleta. Délio Mouzinho aceitou a proposta.
Devido ao seu estilo agressivo de luta, ganhou o apelido de “El Bruto”. Quando sobe ao ringue, já se sabe que o combate será intenso, pois o atleta destemido procura sempre nocautear o adversário.
Em 2021, estava matriculado no Dili Instituto de Tecnologia (DIT), em Engenharia de Petróleo, mas optou por se concentrar exclusivamente no boxe, continuando os seus treinos no El Matador, fazendo uma pausa no seu percurso académico.
Com uma importante vitória, em novembro de 2021, nos combates de seleção para os Jogos do Sudeste Asiático (SEA Games, em inglês) no Vietname, Délio Mouzinho carimbou a sua participação numa competição internacional. Antes de o ano terminar, conseguiu uma bolsa de estudos no Instituto de Filosofia e Teologia (ISFIT) – com a ajuda do pastor Júlio Crispim.
No começo de 2022, o jovem e outros atletas intensificaram os treinos no El Matador, como preparação para os SEA Games.
Em maio, a delegação de Timor-Leste viajou para o Vietname. Durante a competição, Délio Mouzinho conseguiu vencer por knockout adversários da Malásia e do Camboja, mas perdeu o combate final para um boxista Filipino, terminando assim em segundo lugar. Foi a sua primeira experiência fora da ilha e a primeira medalha internacional como boxeador.
Depois de regressar do Vietname, o DIT convidou Délio Mouzinho para retomar gratuitamente os estudos na instituição, mas o jovem não aceitou, por respeito à bolsa que tinha recebido do ISFIT, com ajuda do padre Júlio Crispim. No mesmo ano, em setembro, ainda participou, através de um convite da Federação Australiana de Boxe, em lutas de exibição em Canberra e Sydney.
Em 2023, Timor-Leste preparou a seleção nacional para participar nos SEA Games, no Camboja. Délio Mouzinho integrou novamente a equipa e representou o país no evento, realizado em maio. Terminou em terceiro lugar, depois de perder nas semifinais para um atleta do Vietname.
Em julho, o jovem participou em outros eventos de luta de exibição, desta vez em Bali, na Indonésia, através de um convite da Federação de Boxe balinesa.
No mesmo ano, Délio Mouzinho, mostrou-se pronto para competir nos Jogos da Ásia – que deveriam ter sido em 2022, na China, mas que foram adiados para setembro de 2023, por causa da pandemia de covid-19. No entanto, devido a um erro do Governo de Timor-Leste, a equipa de boxe chegou atrasada à competição e foi desclassificada.
Em 2024, a comissão organizadora Dili Fight realizou um evento de boxe que se tornou viral. A competição amigável contou com a participação representantes da comunidade LGBTQIA+. Délio Mouzinho foi cabeça de cartaz e venceu o combate contra Maulay por nocaute, na primeira ronda.

Atualmente, o jovem está selecionado para participar nos SEA Games, na Tailândia, em 2025. O boxista afirma nunca ter perdido um combate a nível nacional.
Na conversa com o Diligente, Délio Mouzinho, contudo, mostrou-se triste pela falta de apoio, sobretudo das autoridades na área do desporto.
“Nos outros países, as pessoas podem enriquecer se tiverem sucesso na modalidade desportiva que praticam, mas no meu país é muito diferente. Numa competição, apenas juntei dinheiro para comprar uma mota e não consigo contribuir muito para a minha família. Fico muito triste com esse tratamento por parte das entidades governamentais. Por isso, estou a treinar pessoas para poder sobreviver na cidade”, contou. Atualmente, Délio Mouzinho está a treinar cinco pessoas.
O boxista também aproveitou para se dirigir aos jovens de Timor-Leste, pedindo para que não alimentem a violência nas ruas, porque “não se tira nada de positivo daí”.
“A minha família era conhecida por ser bêbada e violenta em Lore. Tudo mudou quando os consegui deixar orgulhosos. Agora, a minha família é amigável e respeitada na região, porque querem proteger o meu nome, por tudo o que tenho feito no mundo do boxe. Dizem que o ambiente muda as pessoas. Eu sinto que, neste caso, fui eu que mudei o ambiente da minha família”, refletiu.