No Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima, em Balide, Díli, as palavras “perdoai-nos as nossas ofensas” nem sempre têm eco em alguns dos padres e fráteres da instituição. Ao contrário do que apregoa a oração Pai Nosso, aqui, segundo os casos relatados ao Diligente, a palavra “castigo” fala, muitas vezes, mais alto do que a palavra “perdão” e nem todos estes jovens estão “livres do mal”.
Em Timor-Leste, segundo dados do Censo de 2022, a percentagem de católicos é de 97,5%, o que faz com que muitas famílias queiram que os filhos estudem no seminário para que estes venham, um dia, a ser padres. Para estas famílias, ter um filho no seminário é um orgulho. É, ao mesmo tempo, um privilégio que não está ao alcance de todos. É precisa capacidade financeira para assegurar mensalidades difíceis de suportar num país em que o salário mínimo não ultrapassa os 150 dólares.
Os ‘eleitos’ para ingressar no seminário devem também demonstrar, em exames, capacidades intelectuais e ‘espirituais’ de acordo com o que a instituição preconiza.
O dia no seminário começa às 5h da manhã e, até ao sol se pôr, é preenchido por missas, orações, aulas e estudos. O filme de quarta-feira à noite é a única exceção à rotina interna. No segundo domingo de cada mês, os seminaristas podem sair para visitar as famílias.
No Seminário Menor de Balide, é proibido usar telemóvel, sair das instalações sem autorização dos padres, o que se aplica também, obviamente, a saltar o muro, e ainda usar calças de ganga ou ter cabelo comprido. Quem contraria as regras estabelecidas, como consequência, tem um de dois destinos: castigo ou expulsão. E, pelos relatos dos três ex-seminaristas que o Diligente ouviu, é caso para dizer “venha o diabo e escolha”.
António (nome fictício) entrou no seminário em 2017. Tinha 15 anos. Quando era criança vivia perto de uma capela e desde pequeno sempre olhou para os padres com admiração. Aos seus olhos, “eram muito inteligentes” e também ele queria ter oportunidade de aprender o mais que pudesse.
Quando acabou o 3.º ciclo do ensino básico, em 2016, e soube que as candidaturas para o Seminário Menor estavam abertas, foi inscrever-se. Chamaram-no, posteriormente, para fazer um teste escrito, um exame oral e um teste de QI (Quociente de Inteligência). Passou nos três.
Frequentou o seminário de 2017 a 2019, ano em que abandonaria a instituição. Não quis seguir para o ano propedêutico no Seminário de Maloa por não se sentir preparado para a dimensão das exigências. Trocou os bancos do seminário pelos da Universidade.
Hoje, com 23 anos, o ex-seminarista enaltece o facto de, no seminário ter estudado e aprendido conteúdos transversais, tanto de Ciências Sociais e Humanidades (CSH) como de Ciências e Tecnologia (CT), além de disciplinas próprias do seminário, como Latim, Música ou Bíblia.
“Usar cabos para nos bater como se fossem ‘chicotes’ era outra das sanções mais comuns”
Mas nem só da reconhecida qualidade de ensino eram feitos os dias no Seminário Menor. António compara as sanções, a que ele e outros seminaristas foram sujeitos, às mesmas de uma formação militar. “As sanções dos fráteres eram cruéis”. E dá exemplos. “Punham-me a cabeça debaixo de água, num balde, e quando me puxavam para fora da água esbofeteavam-me”. Fráteres é o nome que se dá em Timor-Leste aos estudantes do Seminário Maior. Alguns fazem os seus estágios na equipa formativa do Seminário Menor e, por isso, são muitas vezes referidos nos casos relatados.
Na memória, António guarda também a imagem e o ruído agonizante de muitos colegas “a vomitar no campo de basquetebol”, depois de serem obrigados a esforços físicos para além do que podiam aguentar, como reprimenda por “maus comportamentos”.
Se alguém fizesse barulho durante o horário de descanso, estipulado a partir das 22h, um dos fráteres em funções “mandava-nos fazer agachamentos seguidos de saltos até não aguentarmos mais, muitas vezes já de madrugada, entre a meia-noite e as 2h da manhã”. Numa dessas vezes, um dos seus colegas, exausto, e com dores exasperantes nas pernas teve mesmo de ser hospitalizado para receber apoio médico.
“Usar cabos para nos bater como se fossem ‘chicotes’ era outra das sanções mais comuns”, lamenta António.
As regras do seminário ditam também o comprimento de cabelo apropriado ‘aos olhos de Deus’. Aos que tinham o cabelo mais comprido era-lhes ordenado, invariavelmente, que o cortassem. Num dos casos de incumprimento, a sanção foi mesmo levada ao extremo, quando “um fráter acendeu uma vela e queimou o cabelo a um dos meus colegas”, denuncia António, que ainda não recuperou do choque a que os seus olhos assistiram, mesmo passados alguns anos.
Recorda outro dos castigos a que assistiu: “Já de noite, na parte exterior do seminário, vi colocarem uma mangueira dentro da camisa de um colega e deixaram-no ali, na rua, com água a correr dentro da camisa durante horas”.
“O padre esmurrou-me na sala de aula por não saber responder às perguntas dele”
Para os seminaristas que fossem apanhados a fumar, António explica que “o fráter comprava um maço de cigarros. “Obrigava-nos a fumar, mas não podíamos deixar o fumo sair da boca. Era impossível aguentar”.
Alguns dos pais dos seminaristas, depois de tomarem conhecimento destes e de outros casos, chegaram mesmo a queixar-se a um dos bispos de Timor-Leste. Ao saber da queixa, o fráter denunciado ameaçou todos os seminaristas que estavam sob a sua alçada, dizendo que sofreriam consequências se, por causa dessas acusações, fosse obrigado a sair do seminário e não viesse a ser padre.
Já a equipa de formadores do Seminário Menor, de acordo com António, nunca teve conhecimento dos maus-tratos infligidos por um dos fráteres do seminário, naquela época. Questionado sobre a razão pela qual nunca se queixaram à equipa formadora sobre os castigos, António responde com uma palavra: “Medo”.
Almérico (nome fictício) entrou no Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima, em 2009, quando tinha 16 anos. Terminou em 2011. Entre os muitos episódios a que assistiu, relata ao Diligente um dos mais traumáticos, quando viu um dos outros seminaristas “sair de uma sala de aula coberto de sangue”. Quando perguntou o que se passava o colega contou: “O padre esmurrou-me na sala de aula por não saber responder às perguntas dele”.
“Aí fomos obrigados, um a um, a lamber o vidro até que ficasse completamente limpo”
Lipi (nome fictício), outro ex-seminarista, entrou no seminário quando tinha 15 anos. Ingressou na instituição fortemente convicto de que queria ser padre. “Gostava da vestimenta branca e queria um dia vestir-me como eles”, conta.
Mas sobre a vida real no seminário, confirma que, “às vezes, as punições eram demasiadas”, e ainda hoje carrega na memória esses episódios que, ao contrário das vestimentas brancas, não tinham nada de imaculado. No segundo ano de seminário, um fráter (que agora já é padre) viu numa janela de vidro uma rubrica feita com giz. Questionados sobre quem sujara a janela, nenhum dos seminaristas quis revelar. “Aí fomos obrigados, um a um, a lamber o vidro até que ficasse completamente limpo”.
António recorda ainda ao Diligente o dia em que decidiu saltar o muro do seminário com os amigos. A equipa formadora descobriu, mas decidiu não os expulsar, já que tinham sido muitos a cometer a “infração”. Durante duas semanas tiveram de cultivar os canteiros do seminário, entre as 14h e as 15h, na hora de descanso. Lipi não teve a mesma sorte de António. Em 2014, também ele e alguns amigos decidiram saltar o muro, de noite, para procurarem comida. Nessa mesma noite, quando os padres passaram revista ao dormitório, apontaram os nomes daqueles que não estavam nas suas camas. De manhã, foram expulsos 17 seminaristas, incluindo Lipi. No seminário, “há dois pesos e duas medidas“, consoante a equipa formadora que estiver em funções”, defendem os três ex-seminaristas.
Histórias de agressões entre seminaristas são também “o pão nosso de cada dia”. Questionados sobre este comportamento, Lipi, António e Almérico explicam que “isso é considerado normal no seminário”. Quando os seminaristas do 1.º e 2.º ano cometem algum erro, os do 3.º ano, sentem-se no direito de lhes bater, “como se fossem os irmãos mais velhos a ensinar os mais novos”.
“Éramos miúdos. Frequentar o seminário era uma honra e a oportunidade de uma vida melhor. Púnhamos de lado e continuávamos a comer”
“A comida da vocação”
Sobre as refeições no seminário, António, Lipi e Almérico também respondem em uníssono. “É muito má”. António vai mais longe e diz mesmo não compreender “se no seminário cozinham para pessoas ou para animais”. O melhor é mesmo “não os vermos a cozinhar para não perdermos a vontade de comer. Não há higiene nenhuma”, desvenda.
Por sua vez, Almérico sublinha, enojado, que, mais do que uma vez, “a comida tinha bichos parecidos com minhocas e cabelos”. Questionado sobre como conseguia comer responde: “Éramos miúdos. Frequentar o seminário era uma honra e a oportunidade de uma vida melhor. Púnhamos para o lado e continuávamos a comer”. Também os colegas, tinham de separar bichos, cabelos e até mesmo pedras da comida. “O arroz parecia areia”, lembram os ex-seminaristas.
Quando um dos seminaristas encontrou, dentro de si, coragem para se queixar ao então fráter, este respondeu-lhe que o que lhes davam era “a comida da vocação”.
No tempo em que frequentou a instituição, Almérico teve, ainda assim, a sorte de ver abrir um quiosque no próprio seminário. “Quando tínhamos algum dinheiro, podíamos comprar comida diferente, como atum e outros enlatados. Mas nem sempre tínhamos dinheiro para isso”.
A maior parte das refeições era composta por legumes cozidos, arroz, tofu, tempeh e algas. Só ao domingo faziam parte da refeição outros alimentos como ovos, peixe ou carne.
Questionado sobre se os pais sabiam da fraca qualidade e falta de higiene da alimentação no seminário, António confessa que nunca lhes contou. Por sua vez, Almérico, ainda que também nunca tenha contado, acredita que os pais, quando o “viam muito magro, já imaginavam o que estava a acontecer”. Até que um dia “a minha mãe, ao ver-me tão fraco, me pediu para sair do seminário, mas o meu pai e outros membros da família não deixaram”.
O Diligente tentou contactar o Reitor do Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima, Padre Natalino da Costa, mas o sacerdote não quis tecer quaisquer comentários sobre o seminário, dizendo apenas: “Não tenho tempo para vocês do Diligente. Da parte do seminário, eu tenho direito de querer ou não falar”. Informado de que a publicação teria assim de ser feita sem o contraditório a que o Seminário Menor tem direito, respondeu: “Os jornalistas não podem ser estúpidos e sem ética, quando não têm licença para publicar. Eu tenho o direito de dizer que não”.
Karik SENOFA nia formação sira mak halo sai aat to’o oin loron nebé halo nia moris la contente. Se nune’e merece duni o tau lia, maibé se o contente ho o nia moris agora, significa SENOFA hola parte iha o nia sucesso. Tenke hakaas an hodi descobre murak mean iha taho laran. Obrigado
A SENOFA, enquanto institutuição da educação, que não escapa também do apoio do Governo, tem toda a obrigação para formar pessoas para serem pessoas.
Assim como os filhos do povo, tem toda a obrigação de deenunciar o que mal.
La’os tanba nia forma ona ema atu hetan naroman, ema hirak ne’e labele halo denúnsia ba sá mak nia (ou os responsáveis) halo la loos.
Sala dehan sala, los dehan los, reportajem ne mos apresenta hotu faktus kona ba sa mak sira aprende no sa mak responsavel sira halo ba sira ho forma kruel.
Hatete sai buat la los ne mos obrigasaun ida husi ita ne’ebé mak dehan an matenek ona ne’e, para hadi’a buat ne’ebé mak la respeitu humanidade.
Os faktus apresentados são crimes:
tau ulun ba balde ho bee, ne’e tentativa de homicídio agravado. As autoridades relevantes devia halo investigação ba buat hirak ne’e para hatur justisa.
La’os kejujuran mak dijunjung ka? apalagi eskola katólika. Bosok ne’e la di’ak. Ema la nega, ema hatete sai buat laloos.
“Os jornalistas não podem ser estúpidos e sem ética, quando não têm licença para publicar. Eu tenho o direito de dizer que não”.
Não existe pergunta estúpida no jornalismo. O que muitas vezes aparecem são respostas estúpidas. Ser ético no jornalismo é ter rigor na averiguação dos factos, não é obedecer às ordens dos terceiros ou esperar autorização prévia de outrem para publicar as notícias. O Diligente apresentou os factos (a declaração das fontes) e fez o esforço de confirmar com as partes de opinião contraditória. A citação acima é prova que Diligente foi profissionalmente ético.
Virgílio Guterres, a resposta do reitor mostra bem o desrespeito que tem por jovens e pelos jornalistas. O senhor padre percebe tanto de valores democráticos e humanos como eu percebo de astronomia.
“Os jornalistas não podem ser estúpidos e sem ética, quando não têm licença para publicar. Eu tenho o direito de dizer que não”.
Estúpidos são aqueles que aguardam autorização de outrem para publicar as suas notícias. Ser ético é ter rigor na averiguação dos factos, não é obedecer às ordens dos terceiros.
As fontes têm direito de “dizer que não”, o mesmo direito têm os jornalistas para não esperar por alguém de “dizer que sim.”
A citação acima revela que o Diligente foi ético. Ser ético pode parecer “estúpidos” para quem que teme a luz da verdade.
No jornalismo não existe perguntas estúpidas. Existe sim, respostas estúpidas.
Coragem Diligente!
Aceito
Como jovem timorense sinto muito orgulhoso de Diligente. Tem jornalistas corajosas.. Eu conheco amigos que estudam na SENOFA e sofrem. Obrigadu Diligente porque fala quando a maioria só silencio.
Parabéns à equipa Diligete pelo excelente trabalho. Tive de fazer várias pausas, enquanto lia o artigo …como é possivel, num País tão lindo, como Timor-leste e com gente tão dócil e crente, haver um punhado de gente com ideias malévolas e, pior ainda, tornarem- se “amanhã”, representantes de Deus na Terra. É urgente uma mudanca.
PARABÉNS Diligente
Que vergonha!Esperava tudo menos isso. Como é possivel entregar o SENOFA a estes imbecis e carrascos? Aplauso ao jornalista do Diligente.
É preciso ter muita coragem para falar sobre a igreja em Timor, “reis e senhores”, como dá para ver pelo comentário dos jornalistas estúpidos. Consigo imaginar agora a fúria e pressão dos “reis e senhores”. A minha solidariedade e profunda admiração pelo vosso trabalho. Mais uma vez, Timor precisa deste jornalismo sério e comprometido com a verdade, doa a quem doera. Quanto à igreja, não me espanta. No ocidente, as pessoas já abriram os olhos e perceberam que muitos padres apregoam o bem, mas fazem o mal. Por isso é que as igrejas estão cada vez mais vazias. Os timorenses também vão perceber isso pouco a pouco, conforme o país se desenvolve e a sociedade se consciencializa da necessidade de respeitar os direitos humanos. Muitos parabéns, Diligente!
Parabens Diligente. Muitos eis seminaristas e seminaristas sabem esta situação mas pensam que a violénsia é um caminho para ser especiais e unico. A violénsia é caminho para pessoas mais piores, mais frustrasaun e tem menos valores comparando com outros.
É doentio o que estas pessoas fazem em nome de Deus. Pessoas doentes a formar jovens e a perpetuarem o desrespeito pelos direitos mais básicos do ser humano. Até quando Timor vai tolerar abusos dos líderes e da Igreja? Os meus parabéns ao Diligente. Com jovens como vocês ainda há esperança numa sociedade melhor.
Tenho assistido no Facebook ao que o Diligente está a passar por causa desta reportagem. Insultos, ataques pessoais ao diretor (também ex-seminarista), do mais baixo que já vi, e até ameaças de morte, umas mais diretas, outras mais veladas. Na verdade, matéria para um processo criminal. O Diligente merece, por isso, ser muito elogiado pela coragem de, num contexto como de Timor, lutar pela verdade e pelos direitos daqueles que normalmente não têm voz na comunicação social timorense. Força, Diligente! Estão do lado certo.
Hau hanoin katak ita boot sira konfirma mos iha seminari Balide
Forsa Diligente! Avante com a verdade. Eles sabem mas são fingidores.
Alto e para o baile!
Isto so aconteceu porque o Maromak foi de ferias, de licenca graciosa por 6 meses.
Pro mes volta e vai por tudo em order, vai haver muito puxao de orelhas e muita lambada.
Parabens Diligente, pela coragem, transparencia,
e dever de bem informar, doa a quem doer.
O Diligente merece uma condecoracao ao mais alto nivel, um galardao do presidente da republica, ele proprio ex-jornalista no tempo do governador Alves Aldeia.