Suicídio de jovem homossexual em Timor-Leste impõe reflexão urgente sobre direitos LGBTQIA+

Grivaldo Loudoe a segurar a bandeira arco-íris, símbolo da comunidade gay e do movimento LGBTQIA+, à frente da Nossa Senhora, no topo do monte Ramelau/Foto: DR

Grivaldo de Jesus Loudoe, de 19 anos, tirou a própria vida depois de enfrentar discriminação familiar e social. A comunidade LGBTQIA+ e os amigos expressaram profunda tristeza e destacaram a sua luta pela aceitação e dignidade.

No primeiro dia de junho, mês em que se assinala o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, data dedicada à luta por direitos e igualdade, Grivaldo de Jesus Loudoe, 19 anos, homossexual, suicidou-se, na casa da família, em Becora, Díli.

O jovem, que havia saído da residência dos pais há um ano para viver numa moradia arrendada, foi encontrado morto perto das 14 horas. Momentos antes, no sábado, o rapaz terá discutido com familiares, revelou ao Diligente uma fonte que preferiu não se identificar.

Em 28 de julho do ano passado, o Diligente publicou um artigo expondo a luta de Grivaldo Loudoe para ser aceite na sociedade. O jovem, na ocasião, confidenciou que já tinha tentado suicidar-se por duas vezes.

Uma amiga de Grivaldo Loudoe, que também optou por não revelar a identidade, contou ao Diligente que conheceu o jovem em julho do ano passado, quando a família o expulsou de casa.

“A família não aceitava a sua orientação sexual. Ele colocou as suas roupas num saco e guardou-as no cemitério de Santa Cruz. Depois, encontrou-se comigo e recebi-o em minha casa”, disse.

A amiga foi uma das pessoas que ajudou o rapaz a arranjar um trabalho e a arrendar uma casa em Kuluhun, onde o jovem vivia.

Segundo a fonte, em julho do ano passado, Grivaldo Loudoe estava muito contente por ter participado na marcha LGBTQIA+, na capital: foi um momento em que teve a oportunidade de expressar um pouco do que sentia.

O Dia do Orgulho LGBTQIA+ celebrou-se em Timor-Leste, pela primeira vez, em junho de 2017. Na altura, o então primeiro-ministro, Rui Maria de Araújo, deixou uma mensagem sobre a importância da não discriminação com base na orientação sexual.

“Discriminar e desrespeitar as outras pessoas por causa da sua orientação sexual e identidade de género não nos beneficia, enquanto nação. Ainda temos muitas pessoas que são discriminadas e alguns jovens que continuam a viver situações de violência. Estas atitudes são crime e, por vezes, são as próprias famílias que as cometem”, referiu Rui Araújo.

Família nega discriminação

Yuliano de Fátima Loudoe, 39 anos, pai de Grivaldo Loudoe, negou que a família discriminasse o filho devido à sua orientação sexual, apesar de o ter pressionado para não se assumir em público.

“Honestamente, sempre aceitei a opção dele, mas disse-lhe que não podia envergonhar a família, demonstrando publicamente que era homossexual”, afirmou.

O jovem, que por medo só contou aos pais que era homossexual depois de ter 18 anos, chegou a ser muito criticado e insultado nas redes sociais, a 13 de março deste ano, depois de publicar numa rede social uma fotografia com a bandeira LGBTQIA+ à frente da estátua da Nossa Senhora, no topo do monte Ramelau – a foto de destaque deste artigo, em homenagem a Grivaldo Loudoe. Na publicação, o rapaz escreveu: “Esta é a minha identidade e a minha vida. Tenho orgulho de ser quem sou”.

A mãe do jovem, Maria da Silva Pinto, de 36 anos, considera que os timorenses ainda não aceitam a comunidade LGBTQIA+, ao contrário da família.

“Ficamos zangados com ele apenas inicialmente, mas depois aceitamo-lo. Quando saiu de casa, fomos procurá-lo. Não sei porque o fez, acho que queria ser independente. Conheceu a mana Bella (Bella Galhos) e foi viver para longe. Não sei porque se suicidou”, partilhou.

Acolhimento

Grivaldo Loudoe foi acolhido na Arcoiris Timor-Leste, uma Organização Não Governamental (ONG) que defende os direitos da comunidade LGBTQIA+. A diretora da instituição, Bella Galhos, refletiu sobre a tragédia numa publicação no Facebook.

“A primeira coisa a ser destacada é a sua luta para ser aceite pelos pais, familiares, colegas e pela comunidade. Para além disso, Aldo [como o rapaz era carinhosamente chamado pelos amigos] desejava encontrar um lugar onde fosse aceite tal como era, nascido de seus pais, e como um ser humano aos olhos de Deus. Aldo queria amar, ser respeitado como uma pessoa digna”, escreveu Bella Galhos.

A ativista, que atualmente desempenha a função de assessora do presidente da República, José Ramos-Horta, na área do empoderamento económico para as mulheres, acrescentou que a maneira como o jovem deixou este mundo foi “um choque profundo, uma dor que atinge a alma”.

“Ouvir que o Aldo tirou a vida foi como uma bomba que me tirou o fôlego. Aldo parecia cansado da vida que enfrentava, parecia ter perdido a esperança. Parecia sentir-se sozinho, mesmo que estivéssemos perto dele. Estava sozinho no meio de muitos de nós. Ele só queria que a família o aceitasse, reconhecesse, amasse, respeitasse, e o mais importante, protegesse”, relatou Bella Galhos. 

Para Natalino Guterres, jovem timorense homossexual, a intolerância da sociedade e da família em relação à orientação sexual de Aldo pode tê-lo levado a decidir pôr termo à vida.

“Não há provas de que ele se suicidou devido ao bullying de que foi alvo, depois de ter publicado a foto com a bandeira LGBTQIA+ à frente da Nossa Senhora, no Ramelau. Muitas vezes, lamentava-se nas redes sociais sobre o facto de a família não o aceitar”, disse Natalino Guterres.

Em março do ano passado, a simples publicação de uma imagem de uma bandeira LGBTQIA+ misturada com a bandeira da República Democrática de Timor Leste (RDTL) gerou um debate entre jovens na página do Facebook da Arcoiris.

Entre os comentários, podia ler-se que “a comunidade LGBTQIA+ vai contra o princípio do ordenamento do ser, porque impede a procriação” e “destrói a humanidade”.

Apesar de Timor-Leste ser um país democrático, a discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ ainda persiste, como o Diligente noticiou.

De acordo com a jurista Soraia Marques, “os direitos LGBTQIA+ não são reconhecidos legalmente em Timor-Leste” e as políticas públicas na área do planeamento familiar “demonstram que se pretende continuar a ter apenas casamentos heterossexuais com o objetivo de procriar, discriminando a comunidade LGBTQIA+”.

Para construirmos um mundo mais justo, é crucial respeitar as escolhas e o estilo de vida de cada pessoa. O verdadeiro problema não é o amor entre pessoas do mesmo sexo, mas sim a intolerância que o cerca.

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