A pobreza e os seus efeitos na vida dos cidadãos em Timor-Leste

Berdur dos Santos passa todo o dia na beira da estrada para conseguir algum dinheiro/Foto: Diligente

Relatórios internacionais mostram que 42% da população se encontra em condição de vulnerabilidade social e que a situação de fome é grave. Presidente diz que números podem não estar corretos e atual Governo promete melhorias no seu programa, de forma genérica.

Logo nas primeiras horas do dia, enquanto alguns cidadãos se deslocam em carros ou motas para o trabalho ou instituições de ensino, outros, carregando vegetais e outras mercadorias, começam mais uma jornada para tentar vender os produtos, obter algum dinheiro e sobreviver.

À frente do supermercado Leader, em Comoro, está Berdur dos Santos, 81 anos, vendedor de mel e óleo de cobra. Natural de Baucau, o idoso é uma personagem que chama a atenção dos que por ali passam. Todos os dias, está encostado ao muro a oferecer os produtos de modo a satisfazer as necessidades da família. Quando fica mais cansado, deita-se e adormece ali mesmo, perante os olhares de escrutínio dos transeuntes.

O pai de três filhos adultos desempregados passa o dia exposto ao forte calor timorense, a tentar conseguir qualquer quantia em dinheiro. Sem possuir uma cadeira para descansar o corpo exausto ou uma mesa onde colocar seus itens, é apenas protegido por um guarda-sol que não evita as tonturas que diz sentir.

Berdur dos Santos continua a viver em condições difíceis para qualquer ser humano, mas sobretudo para alguém com uma idade avançada e frágil, como é o seu caso. Sai de casa às 8h e regressa às 18h. Não raras vezes, não obtém dinheiro para almoçar e passa o dia de barriga vazia. Se alguém compra algo do que vende, consegue comer um pão e aguentar até ao pôr do sol. A sua vida depende dos possíveis clientes.

Uma garrafa de 600 ml de mel custa seis dólares e o óleo de cobra dois dólares e meio. Muitas vezes, ninguém compra nada do idoso.

“As pessoas compram conforme a sua necessidade, porque não são produtos básicos. Tenho de ser paciente, uma vez que não sabemos quando é que vamos ter sorte. Posso não ter nenhum cliente numa semana, mas pode ser diferente nas outras”, disse, com semblante triste enquanto brincava com uma moeda de cinquenta centavos na mão, oferecida por um vendedor de pulsa para Berdur comprar água.

Berdur dos Santos recebe semestralmente o subsídio para os idosos no total de 342 dólares americanos, mas considera que “o valor não é suficiente para nos livrar da pobreza”.

“As pessoas pensam que sou louco. Na verdade, estou a lutar para sobreviver nesta rua. Às vezes, oferecem-me pão e água. Se não houver nenhuma comida, só bebo água para conseguir chegar ao fim do dia”, conta.

O idoso é apenas mais uma pessoa entre cerca de 546 mil timorenses que vivem em situação de pobreza. Segundo o Índice da Pobreza Multidimensional (MPI, em inglês), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2022, aproximadamente 42% de 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste encontram-se em situação de vulnerabilidade social. O documento indica ainda que 22% da população sobrevive em condições de pobreza extrema, ou seja, com menos de 1,90 dólares por dia.

O MPI foi lançado originalmente em 2010 e leva em consideração indicadores económicos, educacionais, habitacionais, nutricionais, sociais e de saúde para elaborar o relatório.

De acordo com dados (2021) da Organização Não Governamental (ONG) La’o Hamutuk, o desemprego em Timor-Leste atinge 27% da população em idade laboral e o salário mínimo no país é 115 dólares – valor fixado em 2012 pela Comissão Nacional do Trabalho (CNT) para o setor privado, à semelhança do salário mínimo aplicado à Função Pública, e que não sofreu qualquer atualização até hoje.

“Se não tivermos comida, vamos dormir de barriga vazia”

A falta de alimentação e de recursos económicos também estão presentes na família de Manuela Martins, mãe de três filhos pequenos. É de Ermera e vive em Campo Tutti, em Comoro. Manuela e o seu marido trabalhavam como vendedores de areia, mas decidiram parar devido à doença renal do esposo. A mulher também se viu obrigada a parar o trabalho pesado, porque , no ano passado, foi submetida a uma cesariana para dar à luz o seu filho mais novo.

Atualmente, o marido trabalha como pedreiro, porém, o rendimento não é regular. Quando fica cerca de um mês sem ser contratado, Manuela vê-se forçada a pedir, diariamente, ajuda aos irmãos para comprar arroz e pagar a eletricidade.

As carências e as dívidas da família obrigaram a filha mais velha a deixar de estudar no terceiro ciclo, numa escola em Comoro, vendo o seu futuro e sonhos hipotecados.

A mulher contou que a sua família só come uma vez por dia para economizar o arroz. “Normalmente cozinhamos só ao meio dia e comemos arroz sem nada. Os meus filhos misturam o arroz com masako – aromatizante de alimentos – ou sal e óleo para poder melhorar o sabor e aumentar o apetite”, contou com uma voz trémula e quase a chorar, consciente da incapacidade de fornecer uma alimentação saudável aos seus filhos.

Questionada sobre o que vão comer à noite, sem hesitar, Manuela diz: “Nada”. Quando sobra comida do almoço, os filhos comem. Caso contrário, cada um vai a casa de familiares para conseguir um prato. “Se não tivermos alimentos, vamos dormir de barriga vazia. O que importa é que eu e o meu marido não discutamos para que os vizinhos não saibam dos nossos problemas”, afirma.

As pessoas recomendam que abram um pequeno negócio, mas, por falta de recursos financeiros, não o fazem. “Já pedimos empréstimo a familiares, mas ignoram o nosso pedido, pois não temos trabalho para garantir a devolução do dinheiro”, lamenta.

Situação da fome avaliada como grave e promessas

Berdur e Manuela estão entre os casos de famílias carenciadas, que sobrevivem sem alimentação suficiente e saudável. No Índice Global da Fome (GHI, em inglês) de 2022, Timor-Leste ocupou o 110.º lugar entre 121 nações, com uma pontuação de 30,6, que classifica o país num nível “grave”.

O GHI é um relatório anual publicado conjuntamente por duas ONG’s (Concern Worldwide e Welthungerhilfe), projetado para medir e rastrear de forma abrangente a fome nos níveis global, regional e nacional.

Segundo o estudo, Timor-Leste está no topo da lista entre os países do Sudeste Asiático, superando com 11,4 pontos o Laos, que aparece logo atrás.

Timor-Leste ocupa o nível de fome grave no ranking do Sudeste Asiático/Foto: DR

O Presidente da República, José Ramos-Horta, em declarações recentes à imprensa, considerou que os referidos dados podem não estar corretos, uma vez que, após 21 anos de restauração da independência, os indicadores económicos e sociais mostram um avanço significativo, sobretudo na redução da pobreza e diminuição da taxa de mortalidade infantil.

“Não confio no estudo das organizações internacionais, porque pode não se basear na realidade. Em 21 anos de restauração da independência, temos apresentado progressos”, disse aos jornalistas em Díli, no mês passado.

Já o pesquisador da ONG La’o Hamutuk, Celestino Gusmão, enfatizou que a população timorense ainda vive, sim, numa situação de pobreza multidimensional, carecendo de alimentação saudável, de matérias-primas, de conhecimento na produção, conservação e gestão de terra para agricultura.

O investigador avalia que a maioria da população residente nas áreas rurais ainda não tem acesso a educação de qualidade e a cuidados de saúde. “Estas são alguns dos fatores que mais contribuem para a instabilidade económica e política em Timor-Leste”, observou.

Para Celestino Gusmão, a pobreza limita a participação das famílias no processo de desenvolvimento do país, impossibilitando o direito a uma vida digna. “É um ciclo de pobreza. Os que não se desenvolvem não vão conseguir competir no mercado de trabalho e, posteriormente, vão ser marginalizados pelo Estado, que os mantém na pobreza”, explicou.

Recomenda ao Governo que invista com seriedade nos setores produtivos e desenvolva políticas públicas que correspondam às dificuldades das famílias.

Apesar de ser um país rico em petróleo, com uma população jovem e muito potencial para dinamizar a economia, o Estado tem utilizado a maior parte do Fundo Petrolífero para o funcionamento da máquina pública, investindo pouco nos setores produtivos e em áreas como a saúde e educação.

Leia mais: https://www.diligenteonline.com/orcamento-calculado-para-2024-continua-a-prever-pouco-investimento-para-educacao-e-saude/

Leia mais: https://www.diligenteonline.com/maior-parte-do-oge-retificativo-e-usado-para-despesas-que-nao-trazem-retorno-avaliam-especialistas/

Os sucessivos Governos que passaram por Timor-Leste desde a restauração da independência também criaram mecanismos para tentar reduzir a vulnerabilidade, como a atribuição de subsídios aos idosos e às pessoas com necessidades específicas e a bolsa da mãe. Contudo, para muitas pessoas, como Berdur dos Santos e Manuela Martins, as medidas revelam-se insuficientes para resolver o problema.

No seu programa, o atual Governo, de forma genérica, promete investir na saúde, educação, agricultura, água e saneamento, infraestruturas e na criação de empregos para combater a pobreza.

Array

Ver os comentários para o artigo

  1. Nao deixem morrer a ESPERANCA!

    Ja acabou a guerra e respetiva matanca
    Odios antigos e sua cobranca
    Terra linda, tebedai favorita danca
    O futuro e a nossa ponta de lanca
    A agricultura enchera a panca
    Depois do petroleo passar a ser coisa ransa
    O vento, sol, trarao sopros modernos em tranca
    Oh politicos, menos bajulanca!
    Ponham de lado a ganancia
    Acima de tudo olhem pela crianca
    O alicerce com maior pujanca
    Nao deixem morrer a ESPERANCA!

    Ze da Purificacao Esperanca
    Pueta de TL

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?