Do valor total do OGE retificativo de 2023, 82% é direcionado para o funcionamento da máquina pública. Fundo Petrolífero é utilizado para financiar 68% do orçamento, já promulgado.
Cerca de 68% do Orçamento Geral do Estado (OGE) retificativo de 2023 (1,21 mil milhões de dólares) é financiado pelo Fundo Petrolífero. E, do montante total desse OGE (1,77 mil milhões), quase 82% é direcionado aos gastos, nomeadamente ao funcionamento da máquina pública (salários e vencimentos dos servidores do Estado e à compra de bens correntes). Neste contexto, especialistas afirmam que os valores aprovados pelo Parlamento Nacional (PN) não trazem retorno para o povo, em termos de criação de empregos, rendimentos ou prestação de serviços.
Na passada terça-feira (29.08), o Presidente da República, José Ramos-Horta, promulgou a lei nº 17/2023, referente à retificação do OGE 2023. Uma das justificações do IX Governo para a alteração foi o corte de despesas e a inviabilidade de se executar os recursos do OGE anterior (2,15 mil milhões) até ao fim do ano.
Para a Organização Não-Governamental (ONG) La’o Hamutuk, que desde 2000 monitoriza e analisa os dados socioeconómicos de Timor-Leste, o Governo precisa de fazer uma mudança radical na forma como utiliza os recursos públicos, já que a maior parte do OGE provém do Fundo Petrolífero, que está a acabar.
De acordo com um relatório do VIII Governo, que discrimina os valores para o OGE 2023, “sob a tendência atual da despesa, o Fundo Petrolífero irá esgotar-se em 2034. Nessa altura, a diferença entre as receitas domésticas e a despesa pública [défice] pode chegar a 1,6 mil milhões de dólares”.
“É preciso investimento sério nos setores que podem dar retorno ao país, como a agricultura, a manufatura e o turismo. Só assim, poderemos resolver os problemas na educação e na saúde, nomeadamente a falta de acesso às escolas e a insegurança alimentar”, observa Eliziária Febe Gomes, pesquisadora na La’o Hamutuk.
A investigadora informa que, desde 2008, quando foi criada a política de investimento de grandes projetos, o Governo usou muito mais do que o Rendimento Sustentável Estimado (RSE) – montante aconselhado a ser retirado do Fundo Petrolífero para garantir os recursos a longo prazo.
Para este ano, o RSE é de 490 milhões de dólares. Porém, o Governo anterior decidiu utilizar 855 milhões a mais. Com a retificação, apesar de a quantia ter diminuído, continua a ultrapassar, em 718 milhões, o valor sugerido, segundo o documento da retificação do OGE 2023.
“O Rendimento Sustentável Estimado existe apenas para mostrar ao mundo que temos um guia que regula o financiamento do Estado, mas, na verdade, não é respeitado”, revelou indignada a pesquisadora.
Eliziária acredita que se o Governo continuar a gastar o Fundo Petrolífero em áreas ou setores que não trazem retorno económico ao Estado e seus cidadãos, “o país vai ficar à beira do fracasso, como disse James Curran, um perito australiano em economia”.
A deputada do Partido da Libertação Popular (PLP), Maria Sarmento, uma das mais ativas nos debates sobre o OGE, corroborou a ideia de investir nas áreas produtivas. “Timor-Leste está a enfrentar um precipício orçamental, prevendo-se o fim do fundo do petróleo daqui a dez anos, enquanto ainda não conseguiu elevar as receitas domésticas”, sublinhou.
Aumentos no orçamento retificativo
Mesmo que o OGE 2023 tenha sofrido reduções, algumas instituições viram a sua fatia ser aumentada. A Presidência de Conselho de Ministros (PCM) teve a maior injeção de dinheiro, passando a receber mais 8 milhões de dólares (ficando com 13 milhões no total), seguida da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que arrecada mais 6 milhões de dólares (no total 16,9 milhões).
Para o economista João Gonçalves, os aumentos deveram-se ao facto de o Governo querer avaliar muitas leis, o que implica a contratação de mais juristas no sentido de acelerar o trabalho. “É preciso retificar o OGE para que se ajuste à nova estrutura orgânica do Governo e avaliar os programas que podem ser executados até ao fim do ano fiscal”, acrescentou.
Relativamente às despesas com pessoal, houve um aumento de 5,7 milhões (433 milhões no total) e, para a compra de bens correntes, o aumento foi de 9 milhões (89,6 milhões no total) – gastos que não trazem retorno ao orçamento do país.
“Não estou apto para responder a esta questão, mas o aumento das despesas com pessoal deve ter a ver com a criação de novos ministérios e secretarias de estado. O mesmo se aplica ao orçamento para bens correntes”, disse o economista.
A única explicação para o aumento atribuído à Comissão Nacional de Eleições (CNE), alegou João Gonçalves, são as eleições para chefes de suco que vão decorrer este ano. “O Governo anterior devia ter alocado um orçamento para isso, mas não o fez e o prazo para as eleições já tinha terminado”, lamentou.
Setores com financiamento apertado
O OGE retificativo diminuiu 42 milhões de dólares do montante para o Ministério das Obras Públicas e 25 milhões da fatia para o Fundo das Infraestruturas. A Dotação Geral do Estado viu o seu orçamento ser reduzido em 24 milhões, ao passo que foram retirados 10 milhões do Fundo Especial de Desenvolvimento de Ataúro. Já o abastecimento de água baixou em 18%.
A La’o hamutuk considera o abastecimento de água um assunto de direitos humanos, que é essencial. “Não é justo sacrificar os direitos humanos para investir na política. Os assuntos urgentes devem ser paralelos aos da política”, sublinha Eliziária.
Maria Sarmento disse ter consciência da enorme quantidade de cidadãos que esperam em filas intermináveis para terem acesso a água ou para adquirirem carros de abastecimento, e “espera que a diminuição não piore a vida dos cidadãos”.
Sobre a redução do orçamento alocado para o Fundo das Infraestruturas e para Ministério das Obras Públicas, a pesquisadora acredita que a medida é conveniente, devido ao curto prazo da execução orçamental. “Neste momento, o Governo está a ser realista e estabelece a sua administração”, explicou.
O economista João Gonçalves acha viável a medida do Governo de adiar os projetos inexequíveis para o próximo ano, de modo a ter tempo para realizar os estudos de viabilidade dos mesmos. “Relativamente às estradas, esta política não vai afetar o processo de reparação, porque apenas são adiados os projetos que ainda não foram iniciados”, opinou.
Por sua vez, a respeito da construção de estradas, a deputada lamentou o adiamento do processo. “O Governo quer avaliar os projetos, alegando que não cumpriram o aprovisionamento, mas, pelo que sei, todos os projetos do Governo anterior passaram por concurso público”, lançou.
Maria Sarmento salientou ainda que o adiamento pode ter implicações na economia, se as companhias decidirem levar o caso a Tribunal.
Quanto ao Fundo Especial de Desenvolvimento de Ataúro, que foi reduzido em 10 milhões de dólares, o economista observou que, até metade deste ano, o Fundo nem sequer foi implementado. Dessa forma, tem esperança que o Fundo possa ser recolocado no próximo ano.
Relativamente a essa questão, a deputada informou que o Governo atual pensou em reintegrar Ataúro como um posto administrativo de Díli. Atualmente, Ataúro é um município de Timor-Leste, por decisão tomada no VIII Governo. “O Governo atual deveria manter a decisão do anterior sobre o estatuto de Ataúro”, avaliou.
Maria Sarmento destacou ainda que o Governo diminuiu o orçamento dos assuntos da ASEAN e da reserva contingência – para atender questões urgentes, como problemas causados por catástrofes.
“Um desastre natural é imprevisível. Se acontecer, no fim do ano, de onde vamos tirar o dinheiro para ajudar o povo?”, questionou.
Em linhas gerais, João Gonçalves considerou os ajustes no OGE retificativo “pertinentes e plenamente justificados”. Para o economista, não há medidas pouco vantajosas e todas são implementáveis, mas reforçou que “é necessária agilidade do Governo na sua execução”.
Já Maria Sarmento e Eliziária Gomes mostraram-se céticas em relação à retificação do OGE 2023. Além de questionarem os valores da redução, lançam dúvidas se o Governo é mesmo capaz de apresentar justificações plausíveis sobre os aumentos.
La vai barao!