Simão Pereira “Mong”: “A arte incentiva a reflexão e a imaginação, e a minha pretende ser educativa”

Simão Cardoso Pereira “Mong”, 40 anos, foi o grande vencedor do Prémio de Arte Visuais da Fundação Oriente, cujo prémio era uma residência artística em Lisboa/Foto: Diligente

Vencedor do Prémio de Artes Visuais da Fundação Oriente, o artista viajou, esta terça-feira (04 de junho), para Portugal, onde vai participar numa residência artística durante cinco semanas, em Lisboa. Em conversa com o Diligente, falou sobre os seus planos no país lusitano e a importância das suas obras como ferramenta de sensibilização para questões sociais.

Simão Cardoso Pereira, 40 anos, mais conhecido por “Mong”, é um artista de Viqueque que gosta de trabalhar com pintura, colagem, instalação, imagem digital, fotografia, videografia e fotomontagem. A arte entrou na sua vida de maneira natural, por influência familiar: a sua mãe, que gostava de desenhar, sempre o incentivou a expressar-se através dos desenhos, cores e de variadas formas.

A maioria das suas obras retrata problemas socias, culturais e tradições da sociedade timorense. Para ele, a manifestação artística é uma forma de promover a reflexão crítica.

Simão “Mong” é membro do grupo Arte Moris, onde aprofundou os seus talentos. A dedicação e consistência para aprender levaram-no a participar em várias exposições no país e no estrangeiro, como na Austrália e Indonésia.

Envolveu-se também em várias Organizações Não Governamentais, através da realização de documentários. Em 2023, lançou Parapa, no âmbito do I Festival de curtas-metragens de Turismo de Timor-Leste. No mesmo ano, venceu o Prémio de Artes Visuais promovido pela Fundação Oriente, tendo sido galardoado com uma residência artística de cinco semanas em Portugal, em Lisboa. “Mong” viajou para o país lusitano esta terça-feira (4.06).

O Diligente entrevistou o artista no passado domingo (2.06), na Fundação Oriente. Simão “Mong” mostrou-se muito entusiasmado com a oportunidade e disse que pretende, além de colaborar com os artistas europeus, divulgar um pouco da arte de Timor-Leste.

Pode contar-nos quando começou a dedicar-se à arte e o que a arte significa para si?

A paixão pela arte começou, quando ainda era criança e posso dizer que o meu talento é genético, uma vez que a minha mãe também gostava de pintar. Interrompi os meus estudos na Universidade Nacional Timor Lorosa´e (UNTL), porque não tinha dinheiro para pagar as propinas. Então, decidi frequentar a escola de artes na Arte Moris. Aprendi a pintar com lápis, tinta acrílica e óleo. Além disso, estudei instalações, fotografia, bordado, cozinha, capoeira e música.

Quando somos crianças, somos artistas, mesmo que riscássemos de forma desordenada. Na verdade, as crianças praticam arte pura, uma vez que pintam com os seus sentimentos. Por isso, a arte é uma maneira de expressarmos o que pensamos e desejamos. Assim, promovemos a reflexão e o debate sobre questões socias, culturais e políticas.

Venceu, em 2023, o Prémio de Artes Visuais, organizado pela Fundação Oriente e vai fazer uma residência artística em Portugal. Pode contar-nos como decorreu todo o processo?

O meu propósito não era competir, mas mostrar ao público que a arte, na verdade, é fácil. Muitas vezes, as pessoas pensam que quando pintamos a cara de uma pessoa, o resultado deve ser igual ao original. Mas, na verdade, a intenção da arte tem a ver com as mensagens que queremos transmitir à sociedade, através da nossa obra.

Na altura, já só faltavam três dias para terminar o prazo de entrega das obras, mas não tinha ideia do que ia fazer. Conversei com amigos para tentar perceber que tipo de obras é que eles tinham apresentado. Não gosto de dificultar a compreensão do sentido da minha obra. Aquando dos confrontos entre jovens em Tasi Tolu, decidi colocar esta situação numa colagem feita com pedaços de jornais para chamar a atenção das pessoas para o que aconteceu. Falei sobre o Bairro da Paz, porque todo a gente quer viver num ambiente calmo e unido.

Quando anunciaram o resultado, fiquei surpreendido por ter vencido. Nunca esperei ganhar. Recebi 1.500 dólares americanos, um bilhete de avião para Portugal e a oportunidade de fazer uma residência artística, durante cinco semanas, em Lisboa. No dia 04 de junho, vou para Portugal e espero que esta jornada seja enriquecedora.

O que vai levar de Timor-Leste, em termos de conhecimentos ou tradições, e o que pretende trazer de Portugal para o país?

Não vou levar as minhas obras físicas para Lisboa, mas levo ideias e planos. O objetivo da residência artística é fazer um estudo comparativo e partilhar as minhas experiências com os outros artistas e aprender com eles. Deste modo, posso “roubar” novos conhecimentos. É a primeira vez que um artista timorense tem a oportunidade de fazer uma residência artística em Portugal e tenho de aproveitar.

Tenho uma ideia para fazer uma apresentação na rua, mas ainda não tenho a certeza se vou conseguir, porque ainda não sei onde o posso fazer. Conversei com o meu amigo André Esteves e ele disse que era uma boa ideia. Gosto de tirar fotografias, então vou imprimir algumas dos vendedores de peixe e coco na beira da estrada. Estas imagens vão ser colocadas num triplex e depois apresento-as na cidade. Sabemos que o Governo timorense, muitas vezes, persegue estas pessoas, por considerar que estragam a imagem do país, mas, na verdade, o que mais afeta Díli é o desordenamento dos transportes públicos e privados, que provocam o trânsito caótico.

A ideia é tentar perceber as emoções das pessoas sobre as imagens que vou exibir. Não é para mostrar que sou um fotógrafo profissional, mas apenas demonstrar os sentimentos dos timorenses. O Novo Timor-Português vai ser o tema da minha apresentação, em Lisboa. Escolhi este tema, uma vez que os dois países têm uma relação forte em termos históricos e culturais. No passado, os portugueses vieram para cá e agora eu vou para lá e apresento o que temos.

Para além disso, vou fazer outra sessão, mas é comercial. Vou retratar os elementos culturais de Timor-Leste. Por exemplo, pintar os materiais culturais em roupa, que depois será vendida. Se tiver oportunidade, vou juntar artistas em Lisboa e vamos fazer uma exposição em grupo. Quero muito fazer pesquisa ou um estudo comparativo nos centros culturais em Lisboa para saber como funcionam as artes em Portugal.

Nas suas obras, aborda diferentes temáticas: mulheres, o tais, peixe, entre outros. Pode explicar-nos como é que liga estes temas com a realidade do país?

As obras de arte, muitas vezes, podem provocar as pessoas e mudá-las, porque representam questões sociais, culturais e políticas. Não costumo criticar as pessoas diretamente, com palavras, mas através das minhas obras. A arte incentiva a reflexão e a imaginação, e a minha pretende ser educativa.

Por exemplo, fiz uma pintura de corais à frente do Palácio do Governo e do Largo de Lecidere, onde antes havia corais muito bonitos. No entanto, por as pessoas pescarem nestas zonas, ficaram todos danificados. Quando apresentei essa pintura, as pessoas perguntaram onde estavam os corais, mas, na verdade, recriei uma realidade que já não existia. E a mensagem que queria passar é de que temos de proteger o nosso meio-ambiente e a biodiversidade.

Outro exemplo tem a ver com mulheres e cultura. Pintei uma família, em que a mulher veste tais  e tem uma tatuagem no braço. Ela está de pé com a filha e o marido a encontrar-se com um homem que tem muitos búfalos. O que significa esta imagem? A sociedade timorense considera que as mulheres com tatuagens são más. O barlaque, na realidade atual, é uma troca de mulheres por búfalos. Quando o marido bate na mulher, diz que está a bater no seu búfalo, não na pessoa. Há muitas interpretações sobre estas práticas e quero pôr a minha obra em cima da mesa, depois vamos refletir sobre estas situações. Será que as devemos manter ou mudar?

Quais são as suas obras mais marcantes e porquê?

As minhas obras parecem sempre emotivas. Olho sempre para a emoção da imagem, não para a técnica, uma vez que toda a gente sabe as técnicas. Se pinto uma imagem boa, mas não tem emoção ou mensagem, não vale a pena. Gosto de todas as minhas obras, por isso não consigo identificar as melhores, uma vez que todas representam a vida da sociedade timorense.

Já participou em exposições no país e no estrangeiro? Poderia dizer-nos como chegou a estes eventos e que lições aprendeu?

Participei em muitas exposições no país, na Arte Moris, no Hotel Timor, no Palácio Presidencial, no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e no Hotel Esplanada. Fico muito orgulhoso por apresentar o meu trabalho e os visitantes elogiarem.

Em 2008, fui à Suíça participar num programa na estação televisiva pública. Falei sobre a situação dos artistas timorenses e do pós-crise de 2006. Em 2019, participei numa exposição na Austrália. Em 2021, fui convidado para participar na XVI Bienal de Yoga Jakarta, na Indonésia, mas por causa da Covid-19, não consegui ir. No entanto, o meu filme Malus-Bua (Bétel e Areca) foi apresentado no evento.

Malus-Bua são produtos simples, mas úteis na sociedade timorense. No tempo da guerra, as pessoas iam para as casas sagradas pedir o Malus-Bua, no sentido de usar como Biru, para dar proteção. Servem também como remédios para curar doenças. Quando visitamos alguém, temos de mascar primeiro o bétel e a areca, antes de tomarmos café.

Que desafios enfrenta enquanto artista?

O principal desafio é a falta de espaço para apresentar as minhas obras. Antes tínhamos a Arte Moris, mas o Governo expulsou-nos. A Fundação Oriente em Timor-Leste tem uma missão mais abrangente, mas interessa-se por arte, então os artistas timorenses juntam-se neste local.

A Indonésia tem o seu centro cultural, em Mascarenhas, mas, infelizmente, Timor-Leste ainda não. O centro cultural é importante para as pessoas que gostam de arte, porque podem aprender, apresentar ou expressar os seus sentimentos em relação à cultura, tradição, música, pintura e outras formas artísticas.

O grande desafio é a falta de estúdio, mas estou a tentar conseguir um espaço privado para colocar as minhas obras. Em relação aos materiais, não tenho problemas.

Poderia explicar como é que a arte pode mudar o mundo?

Podemos usar a arte como uma arma. Porém, para mudar o caráter de um indivíduo, é melhor através de palavras. De modo geral, a arte deve chamar a atenção para determinados assuntos, como a paz, cultura, a falta de água, a vida dos marginalizados, e outras questões.

Quais são os seus projetos para o futuro?

Na verdade, é segredo, mas posso falar, porque assim fico obrigado a realizá-los. Queria fazer uma exposição a solo. Alguns dos meus colegas já o fizeram e sei que é uma grande responsabilidade, uma vez que abarca pintura, música e instalações.

Vou começar a preparar tudo em setembro e posso demorar um ano ou mais, mas tenho de me esforçar para conseguir, porque quero encorajar a sociedade, sobretudo os jovens, a não esconderem os seus talentos.

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