Cidadãos classificam medida da Autoridade Municipal de Díli de injusta; AMD justifica atitude com decreto-lei e apresenta solução provisória para os vendedores.
Em solidariedade para com os vendedores do Largo de Lecidere, que deverão deixar o espaço até à próxima segunda-feira por determinação da Autoridade Municipal de Díli (AMD), elementos do Fórum da Justiça Popular realizaram no local, no último sábado, um seminário sobre violações cometidas contra os direitos humanos.
Na iniciativa, foram lembrados casos como o massacre numa igreja do Suai, em 1999, dois dias após o referendo pela independência de Timor-Leste.
“Esta atividade é uma porta aberta para questionar decisões políticas que, muitas vezes, vão contra os direitos humanos, desde setembro de 1999”, explicou César Amaral, chefe do Fórum de Justiça Popular.
Tendo em conta a situação atual dos vendedores em Lecidere, Amaral realçou a importância do evento para se falar sobre as injustiças sociais, “para que a sociedade em geral conheça a realidade do país e lute contra qualquer ação que viole os direitos humanos e a democracia”.
À margem do seminário, o Provedor dos Direitos Humanos (PDHJ), Virgílio Guterres, considerou que a ordem dada pela AMD para os vendedores em Lecidere abandonarem o local “é uma imposição que viola os direitos humanos, uma vez que mudar os vendedores sem lhes oferecer uma alternativa que garanta o seu modo de subsistência, é de facto uma falta de respeito pela dignidade humana”.
Lembrou ainda que os vendedores “são cidadãos timorenses, merecedores de respeito e consideração. Não os podem obrigar a fazer uma mudança repentina sem pensar nas consequências financeiras para as suas famílias”, sublinhou. O despacho para a retirada dos trabalhadores do Largo de Lecidere foi emitido a 18 de julho. Alguns vendedores, contudo, queixam-se de que foram formalmente notificados há apenas uma semana.
A saída dos comerciantes, nomeadamente vendedores de bebidas e snacks situados à beira-mar, é justificada pelo decreto-lei 33/2008 (Higiene e Ordem Pública), que prevê o controlo e fiscalização da política administrativa para a harmonização do ordenamento do território, sobretudo em Díli.
O artigo 6.º do decreto estipula que “nas ruas, praças e mais lugares públicos sejam proibidas as atividades que, pela sua natureza, alterem a organização, higiene ou limpeza desses lugares”.
De acordo com o Diretor de Gestão, Mercado e Turismo da AMD, Artur Henrique, até que seja encontrado um local adequado para o reencaminhamento, os negociantes poderão ficar provisoriamente em Lecidere, mas somente no período da manhã. Segundo Artur Henrique, neste momento, todos os mercados em Díli estão lotados. “A maioria dos vendedores quer colaborar, apesar de haver discordância por parte de alguns, o que não impede a saída”, sublinhou.
Leia a notícia completa: Negociantes do Largo de Lecidere obrigados a abandonar o local temem perder meio de subsistência – DILIGENTE (diligenteonline.com)
Sociedade civil critica medida da AMD
O seminário contou com a participação de três oradores: Armindo Amaral, professor de Filosofia de Direito no Instituto Superior de Filosofia e de Teologia (ISFIT) D. Jaime Garcia Goulart; Leonizio Mariz, membro do Movimento da Resistência Social (KEP-MRS) e Fernando Ximenes, elemento do Comité Esperança.
Para os oradores, faltou à AMD ter pensado a situação de forma estratégica de modo a garantir condições de saída mais dignas aos trabalhadores.
Ximenes considera a ordem da AMD “antidemocrática, antipovo e antidesenvolvimento”. “O processo de desenvolvimento está a acontecer muito lentamente e ainda não chegou aos municípios, então Díli é o único lugar onde as pessoas podem encontrar oportunidades de criar pequenos negócios para sobreviver. Se o Estado quer transformar Lecidere num lugar turístico, não há problema, mas primeiro que encontre alternativa para que os comerciantes possam continuar a sua atividade”, observou.
Destacou ainda que a pobreza “não é combatida com discursos vazios nem com ordens prepotentes das autoridades máximas”. A origem do problema, sublinhou, vem de uma estrutura que sistematicamente produz desigualdade e destruição do ambiente.
Já Leonizio Mariz classificou a atitude da AMD “um assalto ao direito do povo”. “A decisão da AMD, em vez de facilitar a vida dos vendedores através de formação turística e reabilitar o lugar para o manter bonito, usa o autoritarismo para os expulsar sem qualquer justificação adequada, contrariando, desta forma, uma política defensora do bem comum”, afirmou.
Para Cornélia Amaral, estudante do curso de Filosofia da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL), o seminário serviu para que os cidadãos pudessem perceber, de forma mais nítida, a manifestação de uma injustiça social. Para a estudante, obrigar os vendedores a saírem do Largo de Lecidere sem pensar na sua sobrevivência não é uma solução pacífica.
Por sua vez, Arminda Soares, 55 anos, vendedora no Largo de Lecidere, mostrou-se satisfeita com a iniciativa do debate por não se sentir sozinha nesta luta. “Nós só vamos sair daqui, se o Estado encontrar outro espaço para continuarmos a vender. Esta forma de solidariedade que os jovens estudantes, ativistas e professores têm mostrado significa que não estamos abandonados nesta luta”.
O seminário faz parte de uma série de atividades voltadas para a reflexão sobre as desigualdades sociais que persistem desde a restauração da independência. A iniciativa teve início a 8 de julho e vai acontecer todos os sábados até 6 de setembro, data em que se lembra o massacre que aconteceu no Suai.