Saúde sexual feminina é tabu em Timor-Leste e mulheres sofrem com falta de informação

Cidadã tenta aceder ao serviço de ginecologia no HNGV/Foto: Diligente

No país, muitas cidadãs dizem não saber do que se trata a ginecologia. Aquelas que conhecem, afirmam que não conseguem marcar consultas nos centros de saúde, ou não procuram atendimento por vergonha. Médico destaca que a saúde sexual é um direito das mulheres.

A ginecologia é um dos ramos da medicina que se dedica à saúde sexual e reprodutiva da mulher, desde a puberdade. O serviço tem diversas áreas de atuação, que envolvem a prevenção de doenças, orientação sexual e métodos contracetivos.

Em Timor-Leste, a especialidade ainda é vista como um tabu. Grande parte das mulheres do país não sabe do que se trata a ginecologia. Aquelas que conhecem, não vão às consultas, seja pelas alegadas dificuldades em aceder ao serviço ou simplesmente por vergonha.

Verónica Soares Gonçalves, 22 anos, estudante de Economia da Universidade de Díli (UNDIL), contou ao Diligente que descobriu por acaso o que era a ginecologia, através de pesquisas na internet. “Quando completei 15 anos, comecei a questionar o motivo das mudanças do meu corpo. Como tinha vergonha de falar abertamente, fui pesquisar e então apareceram as informações sobre o serviço de ginecologia”, detalhou.

A jovem disse que não consegue marcar uma consulta. Sempre que vai a um centro de saúde e tenta agendar um horário, relata que é alvo de olhares de reprovação por parte dos funcionários e não consegue passar da receção. Devido à demora, acaba por ir embora. “Por aqui, não parece ser normal uma mulher chegar a um centro de saúde e dizer que precisa de uma consulta ginecológica. Isto está errado”, lamentou.

Aquilina Moniz, 32 anos, revisora linguística, confessou ter passado pela mesma situação, mais de uma vez. “Fui a duas clínicas aqui em Díli, mas não consegui ter consulta, porque na receção não mostraram vontade de me atender, então fui embora”, contou. A profissional informou que irá recorrer às clínicas privadas e espera ter melhor sorte.

O Diligente esteve no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) e tentou obter informações sobre os atendimentos ginecológicos, mas até à publicação deste artigo não obteve resposta.

Já a estudante de Enfermagem da UNDIL, Silviana Fernandes, 24 anos, confessou que, até ao momento desta entrevista, não sabia o que era a ginecologia. “Sempre pensei que, se uma mulher quiser ter uma consulta de saúde reprodutiva, apenas teria de fazer exames sanguíneos”, afirmou, confusa.

Também Joaquina Gusmão, 33 anos, mãe de cinco de filhos, disse que nunca tinha ouvido falar sobre cuidados ginecológicos. Surpreendida, afirmou que “mesmo que tivesse conhecimento, para que deveria ir? Tenho cinco filhos e estou saudável”, confidenciou.

Por sua vez, Clarita Leónia Gusmão, 24 anos, finalista de Engenheira Informática da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), relatou que conhece o serviço de ginecologia, mas não quer ter uma consulta, porque tem vergonha.

O método que utiliza para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e para evitar a gravidez precoce é a abstinência. “Devemos estar conscientes e esperar pelo momento certo para fazer sexo”, argumentou.

Direito a conhecer o próprio corpo

O médico especialista no Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) da clínica Sentru ART Maloa, Bonifácio de Jesus, enfatizou que a cultura e a religião ainda são duas das principais barreiras que impedem as mulheres timorenses de procurar cuidados ginecológicos.

Leia mais: https://www.diligenteonline.com/influencia-religiosa-falta-de-informacao-e-cultura-travam-educacao-sexual-em-timor-leste/

Uma das principais consequências disso, alertou o profissional, é o elevado número de mulheres grávidas precocemente. Dados de 2017 do Fundo das Nações Unidas para a População revelam que, em Timor-Leste, quase 25% das mulheres são mães antes dos 20 anos.

Bonifácio de Jesus realçou que todas as mulheres têm o direito de ter acesso ao conhecimento do seu próprio corpo e lamenta que, no país, temas sobre sexualidade e métodos contracetivos sejam ainda tabu. Para combater este problema, de acordo com o especialista, é necessário a contribuição de todas as partes.

“O Ministério da Educação, o Ministério da Saúde e a sociedade em geral devem divulgar informações credíveis sobre a saúde da mulher e sensibilizar a população”, observou. “A falta de conhecimento é uma das principais causas da gravidez precoce e do aumento das doenças sexualmente transmissíveis”, acrescentou.

Neste sentido, defende a urgência de incluir a educação sexual no currículo escolar como disciplina obrigatória, porque é uma “área que ajuda os jovens a conhecer, compreender e respeitar o outro”.

Destacou ainda a importância dos órgãos de comunicação social, enquanto fontes de informação, de abordarem assuntos relacionados com a sexualidade, esclarecendo a sociedade sobre a importância dos cuidados de saúde. “Se o tema for constantemente discutido de forma descontraída, será mais fácil quebrar o tabu”.

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