O futuro dos professores na era da independência: da eliminação do trabalho voluntário à política educacional

Sala de aula numa escola pública de Timor-Leste/Foto: diligente

Com orgulho, os governantes gritam a qualidade da educação. Mas como pode haver qualidade se os professores não recebem tratamento justo ou não são recompensados de acordo com o esforço que fazem?

A educação nacional atualmente enfrenta uma situação problemática. Como todos sabem, há várias semanas, os docentes realizam manifestações por melhorias na carreira e por os seus contratos não terem sido renovados pela ministra da Educação no início deste ano.

Esses eventos são dos grandes problemas estruturais que existem desde a restauração da independência até hoje, em que nenhum governo (I a IX Governo) não tomou uma decisão séria para resolver a questão de forma justa e imparcial, a fim de garantir os direitos básicos estipulados na Constituição de Timor-Leste.

Falar sobre política educacional também significa falar sobre as condições dos professores. Desde 20 de maio de 2002, a educação não tem sido um setor prioritário para os governantes, como podemos confirmar através das verbas reduzidas atribuídas ao setor no Orçamento Geral do Estado (OGE).

De acordo com dados do Banco Mundial, em quase 22 anos de soberania, o Estado de Timor-Leste investiu menos de 10% na área da educação (exceto em 2009, quando foi mais de 10,6%), o que é muito pouco quando comparado com outros países da ASEAN, como a Indonésia, que investe quase 20%.

A tendência desse investimento mostra que a meta de melhorar a qualidade da educação é apenas um slogan, pois não se resolvem os problemas estruturais desde infraestruturas básicas, bem como não se garantem salários justos para os professores, muito menos se assegura a qualidade do sistema de ensino, que visa o desenvolvimento humano.

Um pequeno exemplo disso é que 86% dos alunos das escolas públicas em todo o país estudam em condições extremamente precárias (ver reportagem do Diligente), muitos professores trabalham como voluntários e os salários não são dignos. Isso mostra que o OGE por si só não é capaz de resolver os problemas da educação em Timor-Leste.

A educação é um setor estratégico e essencial para o desenvolvimento humano e é vista como um pilar da República. Se os governantes estão a pensar no futuro, não deveriam apenas considerar questões militares sofisticadas, mas deviam pensar sobretudo na qualidade da educação.

Paradigma do Desenvolvimento da Educação

Uma política educacional, que precisa de ser desenvolvida, deve ser um modelo ideal e integrado: definir claramente os objetivos educacionais como uma bússola ou linha de orientação (de onde, onde e para onde?); padrões para um currículo adequado e contextualizado, alinhado com objetivos e ideologia que reflitam a evolução mundial; matérias ou disciplinas de ensino que reflitam o currículo e os objetivos educacionais; infraestruturas adequadas (biblioteca, escritórios, laboratórios e salas de aula em boas condições, com eletricidade e internet), espaços para lazer e práticas desportivas; professores qualificados; colocação de professores de acordo com as áreas que ensinam; ambiente escolar confortável, seguro e digno; escolas próximas das casas dos alunos; liberdade educacional (educação sem pressão psicológica, física, emocional e/ou simbólica); educação inclusiva e salários justos para os docentes.

Na lei de bases da educação nº 14/2008, de 29 de outubro, são estabelecidos objetivos educacionais diferentes para cada nível: básico, secundário e superior. Para concretizar e atingir esses objetivos e cumprir a Constituição, o investimento nesta área é crucial. Esse investimento não se limita apenas à construção de escolas ou à contratação de mais pessoal, mas todas as condições e situações devem estar disponíveis, acessíveis, aceitáveis e adaptáveis.

Em outras palavras, a educação está disponível para todos ou há discriminação e injustiça? Temos uma educação de qualidade? Há facilidades adequadas e recursos humanos qualificados para garantir isso? Qual é o destino dos professores quando se fala em qualidade? Por fim, a educação está atualizada com as diversas inovações que o mundo oferece e adaptada às necessidades especiais dos cidadãos? Todos esses aspetos precisam de ser cuidadosamente considerados e integrados no plano de investimentos.

22 anos [de restauração da independência], como está a educação em Timor-Leste?

As condições ideais descritas acima estão muito distantes da realidade em Timor-Leste. Os problemas já mencionados afetam os filhos da maioria da população, contribuindo fortemente para a degradação intelectual dos timorenses. Essa situação não acontece com os filhos da elite, que estudam em outros países, onde todas as condições são adequadas e completas.

Um dos problemas mais significativos é que os professores voluntários, ao longo dos anos, nunca foram uma prioridade na agenda dos governantes. Não se pode falar sobre qualidade da educação sem falar da contribuição dos professores. Os professores são os protagonistas da educação. Embora tenham um papel extraordinário, o tratamento dado aos docentes não é proporcional ao seu valor.

Para alcançar a qualidade da educação, é necessário inteligência, imaginação elevada, pensamento crítico e ideias inovadoras, de modo a contribuir para o desenvolvimento dos alunos. E isso não pode acontecer se os professores forem deixados em condições de miséria e marginalização, sendo muito difícil alcançar uma educação de qualidade que todos desejamos.

É estranho que, em janeiro deste ano, o Ministério da Educação não tenha renovado os contratos de mais de 2000 professores voluntários que o governo anterior havia contratado, com base em razões legais (contratos expirados). Muitos dos docentes prejudicados não aceitaram essa decisão e invocaram os seus direitos constitucionais (artigos 40º e 42º da CRDTL, sobre a liberdade de expressão e informação e de reunião e manifestação).

Numa manifestação, 10 professores e quatro ativistas de vários movimentos (Movimento da Resistência Social e Grupo de Estudantes Progressivos/MRS-KEP, Comitê Esperança, Fórum Justiça Popular), que apoiaram o protesto, chegaram a ser agredidos e detidos pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), cumprindo 72 horas de detenção na cela da PNTL, em Caicoli, Díli.

A razão principal da detenção foi supostamente por terem violado a lei dos 100 metros (lei nº 1/2006, artigo 5), embora essa lei viole o princípio dos direitos fundamentais de que uma lei superior revoga uma lei inferior (princípio da hierarquia das leis). Ou seja, a regra de 100 metros é considerada inconstitucional por ser contraditória com a Constituição da RDTL (artigo 42º, liberdade de reunião e de manifestação).

Em conformidade com a lei, garantir a liberdade de expressão dos manifestantes é fundamental, não deve ser limitada! Note-se que, se a lei de base afirma que todos têm o direito à liberdade de manifestação, as leis filhas [que dependem ou provêm do texto Fundamental] devem garantir e proteger que não se impeça esse direito, e não o contrário. Portanto, pessoalmente, considero a lei [de ficar 100 metros das instituições públicas] como produto de manobras políticas para garantir os seus próprios interesses e evitar críticas, ou até mesmo uma traição ao Estado de Direito Democrático (artigo 1º, CRDTL).

As manifestações realizadas pelos professores refletem a grande traição do Governo à justiça humanitária. Com base apenas no legalismo, trai a justiça.

Será que é justo alguém que ensinou durante muitos anos não ser recompensado? Será que é justo depois de receber uma recompensa para um mês, alguém ser despedido? Será que é justo alguém que ensinou voluntariamente compita com alguém que nunca ensinou?

O voluntariado a longo prazo é uma consequência da politização no setor da educação e da falta de políticas integradas para garantir os direitos dos professores. Todos os anos, os voluntários acumulam-se, e, no fim, a culpa é-lhes atribuída, enquanto a ministra é considerada a detentora da razão. Os governantes nunca ponderaram sobre a exploração que impuseram aos professores ao longo dos anos, trabalhando sem limite de horas e sem condições definidas para servir o país.

Os governantes sempre abordaram os problemas dos professores de forma superficial, recorrendo a slogans ultrapassados como o da Indonésia, “guru adalah pahlawan tanpa tanda jasa“, que significa “o professor é um herói desconhecido”. Os problemas económicos são resolvidos com esta abordagem psicológica. “Estamos com fome, mas eles apenas nos motivam a ter força”.

Em muitos países, setores como a educação e a saúde não são politizados ou partidarizados e são considerados setores nacionais. Qualquer pessoa no poder desenvolve esses setores, não os destrói. Os professores são os principais agentes da educação e o Estado deve valorizar a sua dignidade, algo que não acontece em Timor-Leste: os professores não recebem um tratamento digno, os salários são injustos e alguns trabalham voluntariamente durante muitos anos sem receber a devida atenção dos governantes.

No entanto, com orgulho, os governantes proclamam a qualidade da educação. Mas como pode haver qualidade se um professor não recebe um tratamento justo, não é recompensado de acordo com o esforço que faz? Após o horário escolar, têm de arranjar outro emprego para sustentar a vida, não tendo tempo para investigação ou preparação de materiais para as aulas do dia seguinte. É muito difícil falar sobre qualidade da educação, pois existe um grande paradoxo neste setor.

Perante todas estas realidades apresentadas, pessoalmente, concluo que as manifestações realizadas pelos professores são um indicador de que, desde a independência, o Estado, especialmente os governantes, falhou em tomar decisões públicas que garantissem o direito de acesso à educação, um dos direitos humanos – ou seja, uma educação disponível, acessível, aceitável e adaptável para todos, conforme consagrado na Constituição da RDTL.

Cesar Ferreira Amaral, 29 anos, é licenciado em Filosofia e docente na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Nacional Timor-Lorosa’e (UNTL).

Ver os comentários para o artigo

  1. Investiguem quanto o governo Timorense paga aos professores portugueses. Recebem mil e tal dólares. Estou a falar dos professores que trabalham para as CAFE e para a Escola Portuguesa. É correto? É justo em comparação com os professores timorenses? Não me parece. Valeria a pena o investimento em protocolos com o governo português se o país tivesse desenvolvido em termos de educação, o que não aconteceu. Há lobbies aos quais interessa alimentar esta situação precária dos professores timorenses e da educação timorense. Enquanto os timorenses não forem autosuficientes nessa área e continuarem a pagar professores estrangeiros, nomeadamente portugueses, o governo timorense finge que está tudo bem, porque há quem alegadamente faça por ele, mas o mau resultado está à vista. O governo tem de investir no ensino e na formação de professores timorenses e não estar a desperdiçar dinheiro em professores estrangeiros que devem apenas existir para cooperar na formação de professores timorenses. Não devem ser os professores portugueses ou outros estrangeiros a ensinar as crianças timorenses. Devem ser os próprios timorenses a fazê-lo, porque enquanto isso não acontecer, nada vai evoluir e os únicos a encher os bolsos são os professores oriundos de Portugal que ganham subsídios ou salários de Portugal mais salário ou subsídios do estado timorense. Uns vivem vivem como reis, outros mal têm para comer. Na verdade, o governo timorense só se preocupa com as elites e essas passam pela Escola Portuguesa ou outras semelhantes. Se calhar, o melhor para os timorenses era apostar mo Tétum e fazer manuais nessa língua que é entendida pela generalidade da população ao contrário da língua portuguesa. Acredito na cooperação entre Portugal e Timor, mas, se calhar, não passa pela imposição da língua portuguesa e por professores portugueses a ensinarem crianças timorenses nas escola do país.

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