Professores que ficam no desemprego queixam-se de intransigência da ministra da Educação e dos novos critérios de contratação e ingresso na carreira. Estão também preocupados com impacto da não renovação dos contratos nas escolas e alunos
As escolas timorenses podem começar o ano letivo de 2024 sem 1.484 professores devido à não extensão dos contratos por parte do Ministério da Educação. A alteração de 2023 ao Estatuto da Carreira Docente prevê novas regras de contratação e de ingresso na carreira.
Insatisfeitos com o facto de os seus contratos não serem renovados depois de 31 de dezembro, com os critérios de contratação e de ingresso na carreira, bem como com o incumprimento de promessas de resolução do problema, 50 professores contratados, representando os 1.484 docentes de 13 municípios, encontram-se, desde quinta-feira, no Palácio do Governo, para se tentarem encontrar com o Primeiro-Ministro, o que ainda não aconteceu.
Os docentes acusam a ministra da Educação, Dulce de Jesus Soares, de “inflexibilidade” e de não ter cumprido as orientações do Chefe do Governo, que terá feito promessas de contratação e ingresso na carreira a estes professores.
Segundo Agostinho Pinto, porta-voz do grupo de docentes, o Primeiro-Ministro encontrou-se a 29 de novembro, em Vila Verde, com os professores, um encontro que incluiu dirigentes ligados à pasta da Educação, assessores jurídicos e o chefe de gabinete da ministra da Educação. Na reunião, chegou-se à conclusão que os contratos dos professores seriam renovados e seriam procuradas alternativas para o ingresso na carreira.
“O Primeiro-Ministro deu o prazo de um mês para o Ministério da Educação resolver o problema, mas estamos quase no final do mês e ainda não há solução nenhuma”, lamentou o porta-voz.
De acordo com Agostinho Pinto, em vez de solucionar o problema, Dulce Soares pediu aos professores, a 18 de dezembro, que fizessem queixa no Tribunal, o que, para o docente, “não faz sentido, porque não é competência da Justiça resolver o problema, mas sim da ministra”.
O Diligente tentou entrevistar a ministra sobre esta questão, mas Dulce Soares remeteu a entrevista para o assessor. Sobre o fim dos contratos, Yazalde Pereira, assessor de gabinete do apoio jurídico do Ministério da Educação, limitou-se a dizer que o Governo “vai apostar na qualidade do ensino” e que estes professores só voltarão a ensinar “depois de o Ministério da Educação os avaliar de acordo com o quadro de pessoal e uma bolsa de candidatura”.
Lê-se no Estatuto da Carreira Docente, um decreto-lei de 2010 alterado este ano, que a contratação de docentes se “dá através de concurso público, com base no mérito, tendo em conta uma avaliação dos conhecimentos teóricos e práticos dos candidatos”.
Os professores discordam da legislação e alguns falam em razões políticas como base para estas medidas por terem sido contratados pelo Governo anterior.
Quanto ao ingresso na carreira, o assessor remeteu para os critérios definidos no Estatuto da Carreira Docente, segundo o qual, o professor tem de ser contratado em 2023, possuir o bacharelato concluído em 2022 na Universidade Nacional Timor Lorosa’e, no âmbito de parceria com o INFORDEPE, ou outras habilitações que lhe permitam ensinar, e ter uma avaliação mínima de Bom com registo no Sistema Integrado para a Gestão da Administração Pública (SIGAP).
Apesar de uma contratação em 2023 permitir, de acordo com o decreto-lei, o ingresso na carreira, o assessor defende que um professor contratado este ano “não será elegível para o regime especial de carreira, uma vez que não cumpre todos os requisitos”.
Rosa Afonso, professora do ensino secundário, na Escola Técnico-Vocacional de Becora, licenciada em Ensino da Língua Portuguesa pela Universidade Nacional de Timor Lorosa’e não vê o seu contrato renovado e é impedida de ingressar na carreira. Ensinou durante mais de 10 anos como voluntária e, há dois, como professora contratada, mas acabaria por ser colocada pelo Ministério da Educação como contratada em 2023.
“Todos nós que estamos aqui trabalhamos há mais de 10 anos voluntariamente. Dedicámo-nos a esta profissão tão nobre e é este o reconhecimento do Governo. As nossas habilitações e o tempo de serviço não contam?”, questionou indignada.
A docente está também preocupada com o impacto da não renovação destes milhares de professores para as escolas e os alunos: “Muitas escolas dos municípios vão fechar. Um exemplo concreto de duas escolas em Baucau, a Dom Carlos Filipe Ximenes Belo e escola Básica Filial Osso-Uaque. Os fundadores desta escola são professores contratados em 2023, que estão a pensar fechá-la. Quem sai prejudicado da história e da falta de boas políticas são os estudantes”.
Rosa Afonso acredita também que os conselhos de pais “não vão ficar calados e vão manifestar-se contra a decisão do Ministério da Educação”.
Segundo a Tatoli, em 2020, Timor-Leste contava com 15.726 professores, 5203 dos quais contratados. É também um dos países do Sudeste Asiático com o rácio aluno-professor mais elevado, de acordo com dados de 2018 do Banco Mundial. Cada professor tem em média 27 alunos, um número só suplantado pelas Filipinas, com um rácio de 29 estudantes por docente. Na vizinha Indonésia, havia um professor para cada 17 alunos.