Despejadas pelo Governo e sem terem para onde ir, famílias vivem de favor em casa de conhecidos

Despejos forçados afetaram centenas de famílias/Foto: Diligente

Em protesto, algumas pessoas chegam a dormir nas proximidades das habitações destruídas. Governo sublinha que medida respeita a lei, irá continuar e apela para cidadãos “colaborarem”.

Neste mês, os moradores e negociantes de vários pontos de Díli voltaram a chorar. Não por causa das inundações, que há três anos deixaram um rasto de destruição pela cidade, mas por terem sido expulsos de seus lares e estabelecimentos por determinação do Governo – que colocou em prática uma medida para “limpar” a cidade, porém, sem qualquer planeamento. Diante da falta de indemnização ou ajuda para serem realojadas, algumas famílias vivem de favor na casa de terceiros. Há cidadãos, por sua vez, que dormem na rua.

Perto dos destroços do que era uma casa em Bidau Santa-Ana, encontramos, na passada sexta-feira (26.04) Esmeralda Braz, de 34 anos, com o seu marido e o bebé do casal. Dividiam a antiga e pequena moradia de dois quartos e varanda com mais cinco filhos. Expulsos durante a ação da Secretaria de Estado dos Assuntos da Toponímia e Organização Urbana (SEATOU), no passado dia 18, vivem agora na residência de um amigo. Porém, Esmeralda e o parceiro têm voltado, quase todos os dias, ao local onde moravam, à procura de pertences que não conseguiram recolher a tempo.

“Estava dentro da casa com o meu bebé, que tinha saído do hospital há apenas três dias. De repente, a equipa do Governo chegou e mandou-nos sair. Não recebemos qualquer notificação de que devíamos sair. Naquela manhã, estava a chover, então o meu marido encontrou-se com Germano Brites, o responsável da SEATOU, e implorou que não destruísse a nossa casa, porque eu estava com um bebé recém-nascido, mas não serviu de nada. Passado pouco tempo, a equipa do Governo entrou no nosso lar e começou a tirar armários, panelas, roupas. Em seguida, veio um trator e derrubou algumas paredes e o teto”, contou.

Esmeralda Braz, a recuperar do parto e com o bebé ao colo, ainda tentou falar com Germano Brites. Como resposta, ouviu que o Governo apenas poderia ajudar no transporte para a casa de outros familiares, em Díli. Contudo, a mulher e o marido não têm nenhum parente a viver na capital. Acabaram por ir para casa de um conhecido. “É complicado viver assim. As crianças estão a ter dificuldades para ir para a escola. Na destruição, alguns materiais escolares e roupas desapareceram”, confidenciou.

A mulher expressou que não gostaria de regressar a Bobonaro, porque o suco onde residiam “era muito longe da vila e as crianças tinham de atravessar uma ribeira para chegarem à escola”.

“Engolir o ar”

Com o rosto virado para o mar, na região do Farol, Amélia dos Santos, 52 anos, vendedora, inicialmente recusou-se a conversar com o Diligente. Foi uma das despejadas de Bidau Santa-Ana. Contudo, encorajada por alguns colegas, concordou em partilhar algumas impressões.

“Destruíram tudo, a nossa moradia e a nossa dignidade. Estou sem forças para trabalhar, por estar muito triste. O dinheiro está a acabar e daqui a pouco terei de engolir o ar para me alimentar, mas é preciso cooperar com o Governo, não é?”

Contou que é viúva, tem três filhos e vivia em Bidau Santa-Ana desde a restauração da independência de Timor-Leste (20 de maio de 2002). Neste momento, no entanto, mora de favor na casa de uma conhecida e os filhos estão espalhados em casas de outras pessoas.

“Apenas queríamos viver em paz, mas destruíram tudo, a nossa moradia e a nossa dignidade. Estou sem forças para trabalhar, por estar muito triste. O dinheiro está a acabar e daqui a pouco terei de engolir o ar para me alimentar, mas é preciso cooperar com o Governo, não é?”, diz, enquanto olha em direção ao horizonte azul do mar.

A indignação também é o sentimento de Julieta Maria da Costa, 38 anos, mãe de três filhos. Desde que o seu estabelecimento foi destruído pela SEATOU em Bidau Santa-Ana, no passado dia 18, dorme numa tenda, perto do local onde era o seu restaurante.

“Durmo aqui para continuar a manifestar-me. O Governo tem de se responsabilizar. Porque é que não nos indemniza?”, questiona.

Em Bidau Santa-Ana, 25 famílias foram afetadas pelo Governo, das quais 18 receberam notificação sobre a remoção forçada. Durante a evicção, o Governo transportou cinco agregados familiares para Baucau.

Os despejos também afetaram centenas de pessoas de Bidau Akadiru-Hun, Metiaut, Aitarak Laran, Campu Alor e Terminal de Becora.

Evicção em Bidau Santa-Ana/Foto: DR

“Os cidadãos devem colaborar”

Em conferência de imprensa, na passada sexta-feira (26.04), no Palácio do Governo, o titular da SEATOU, Germano Brites, afirmou que a ação visa a manutenção da ordem pública e higiene. Na sua fala, reforçou que o Governo não tem obrigação de indemnizar os cidadãos.

“No decreto-lei (nº 3/2024) sobre a higiene pública não consta que o Governo deve indemnizar os cidadãos com moradias a ocupar indevidamente o espaço público. Por isso, a minha orientação baseia-se nesta lei e quem não aceitar pode apresentar queixa no tribunal”, sublinhou.

O secretário pediu aos cidadãos que vivem perto de ribeiras, na beira de estradas ou próximos do mar que desocupem as habitações, pois as ações de despejo da SEATOU vão continuar.

Questionado sobre a falta de políticas para realojar as famílias afetadas, Germano Brites esquivou-se e destacou apenas que o Governo precisa de desenvolver a capital do país, “por isso os cidadãos devem colaborar”. Nesta segunda-feira (29.04), o secretário foi recebido pelo primeiro-ministro Xanana Gusmão, e reforçou que as ações irão prosseguir por tempo indeterminado.

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Germano Brites e Xanana Gusmão em encontro no Palácio do Governo esta segunda-feira (29.04) /Foto: Governo de Timor-Leste

Na semana passada, durante um evento em Portugal, o primeiro-ministro timorense disse à agência de notícias Lusa que tinha ficado “espantado” com as evicções da SEATOU e que estava “muito triste” com a situação.

Apesar de Díli, há mais de uma década, dar sinais de que estava a crescer de formar desordenada, com a vinda de pessoas dos municípios à procura de melhores oportunidades de trabalho, as autoridades não concluíram a Política de Ordenamento Territorial, que, em tese, serviria para orientar, de forma organizada e planeada, a ocupação do espaço público na capital.

Apresentada em fevereiro deste ano em reunião do Conselho de Ministros, a referida política continua sem previsão para ser terminada. A previsão mais otimista é de que poderá ser implementada apenas em 2026.

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