Das quatro mil pessoas desaparecidas durante a ocupação indonésia, apenas 160 foram localizadas

Crianças foram as maiores vítimas, informa o CNC/Foto: Martine Perret (UNMIT)

Dados são do Centro Nacional Chega!, instituto público que tenta, com o apoio de outras entidades e organizações, encontrar cidadãos cujo paradeiro, entre 1975 e 1999, se tornou desconhecido.

“Viver separado da família e ficar com um estrangeiro não é fácil para nenhuma criança”, confidenciou Natalino Cardoso Gusmão, natural de Covalima, no posto de Tilomar. Atualmente com 32 anos, o hoje funcionário público do Ministério de Administração Estatal (MAE), foi raptado depois do Setembro Negro no Suai, a 6 de setembro de 1999.

Aquando do massacre, Natalino tinha 7 anos. Na ocasião, às 15h, as milícias indonésias entraram na igreja do Suai, onde o pequeno Natalino estava com a mãe, a irmã mais velha e o filho dela. Os militares mataram a sua irmã e o filho, que ainda não tinha um ano. Natalino Cardoso fugiu e escondeu-se numa casa de banho. A mãe foi presa.

“No dia 7, de manhã, enquanto procurava a minha família na rua, os soldados apareceram e apontaram-me armas, fugi com medo, mas eles apanharam-me”, recordou. Foi levado por um membro das milícias, Ilídio Gusmão, para a Indonésia Besikama, e ficou separado da família durante quatro anos. Nesse tempo, Ilídio tomou conta dele.

Em 2002, com o apoio da Cruz Vermelha Internacional, Natalino Gusmão conseguiu encontrar a mãe na fronteira, mas não conseguiu voltar para Timor-Leste, porque ainda não tinha passaporte. Em outubro de 2003, contudo, regressou a Timor-Leste e reencontrou a família. Reconhece que Ilídio Gusmão o tratou bem, tendo frequentado a escola até ao quinto ano. Em 2004, foi batizado novamente e decidiu colocar o apelido do homem como forma de agradecimento. No entanto, perdeu o contacto com o militar.

Meses antes da tragédia na igreja no Suai, a 23 de abril, Natalino Gusmão já havia visto o pai, Tomás Cardoso, e os irmãos serem assassinados pelas milícias indonésias, no posto de Tilomar, suco Biseuk, município Covalima: os militares invadiram a casa da família e dispararam. Os familiares de Natalino Gusmão eram membros das FALINTIL.

A história do rapaz é semelhante a tantas outras que aconteceram durante os 24 anos de ocupação indonésia, em Timor-Leste, período em que aproximadamente 250 mil cidadãos timorenses perderam a vida. Há ainda os desaparecidos, que, de tantos, estão divididos em duas categorias: ativistas ou combatentes guerrilheiros e crianças que, como Natalino Gusmão, foram levadas à força para o país vizinho.

“Reunificação das pessoas desaparecidas”

O Centro Nacional Chega! (CNC) é um instituto público estabelecido com o decreto-lei número 48/2016, tendo começado a funcionar em 2017 com a missão de implementar as recomendações da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), relativas à institucionalização das memórias e promoção dos direitos humanos.

Um relatório elaborado pela CAVR registou, de 1975 a 1999, pelo menos quatro mil desaparecimentos de cidadãos timorenses. Para os tentar encontrar, o CNC criou, em 2017, a “Reunificação das pessoas desaparecidas”.

Até ao momento, segundo a CNC, 160 cidadãos, cujo paradeiro era desconhecido, foram localizados e alguns, como Natalino Gusmão, voltaram a viver em Timor-Leste.

A maioria das vítimas, segundo o diretor do CNC, Hugo Fernandes, tinha entre 10 e 15 anos quando foram raptadas e levadas para a Indonésia. “Os que viveram com militares com cargos importantes tiveram boa educação. Porém, há casos em que meninas foram sequestradas e violadas”, afirmou.

O encontro com os desaparecidos, contudo, nem sempre é agradável. Muitas das vítimas tornaram-se muçulmanas e enfrentam desconfianças por parte dos familiares timorenses. Há ainda aqueles que foram dados como mortos e registados como combatentes de luta, tornando a família apta a receber um subsídio do Estado. “Se estão vivos, não há mais dinheiro”, observou o diretor.

O trabalho do CNC passa por registar as reclamações dos familiares e direcioná-las para as associações parceiras na Indonésia, de forma a que comecem a busca. Para tal, fornecem todos os dados que têm sobre os cidadãos.

A nível nacional, o CNC coopera com a Asian Justice and Rights (AJAR), Associação chega ba ita (Acbit) Forum Comunicação ba Feto Timor Lorosa’e (Fokupers), Cruz Vermelha de Timor-Leste (CVTL), Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI), Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) e Hukum hak assassi dan keadilan (HAK).

No entanto, o processo de procura é difícil, porque a Indonésia é muito grande e populosa (cerca de 200 milhões de habitantes). “Para além disso, as pessoas desaparecidas não têm cartão de identidade, o que dificulta todo o processo”, lamentou Hugo Fernandes.

Apesar de ser parceiro da CNC, a AJAR em Timor-Leste tece duras críticas à política vigente de localização das pessoas desaparecidas. De acordo com o diretor da Organização Não Governamental (ONG) no país, José Luís Oliveira, a procura desses cidadãos é tarefa e responsabilidade do Estado, porque os familiares têm o direito a um esclarecimento oficial sobre o paradeiro dos seus parentes.

“No entanto, os dois estados parecem não ter interesse no assunto, só estão preocupados com negócios e esquecem-se de fazer justiça por as pessoas que foram levadas durante a ocupação”, criticou.

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