Relatório publicado recentemente pela ONU Mulheres em Timor-Leste revela que 70% das cidadãs inquiridas se sentem inseguras em espaços públicos. Prática de assédio sexual no país não é considerada crime.
“Por diversas vezes tenho sido vítima de assédio sexual por homens timorenses de várias idades. No passado dia 25 de abril, vivi mais um episódio confrangedor. Tudo aconteceu na praia do Cristo Rei. Deitei-me, perto de duas meninas e, em poucos minutos, percebi que estava a ser observada por um rapaz, a cinco metros de distância. Ao levantar-me, vi que estava a masturbar-se, completamente visível para mim e para as meninas. Quando o filmei e disse que o iria denunciar, fugiu de mota. As jovens também já tinham tirado fotografias e estavam com bastante medo. São momentos horríveis para uma mulher”.
A vítima, que não quer ser identificada, é apenas mais uma entre tantas cidadãs a viver em Timor-Leste e que frequentemente são importunadas sexualmente ou assediadas em diferentes contextos. É difícil encontrar uma mulher no país que já não tenha passado por alguma situação embaraçosa e traumática, devido ao comportamento abjeto de alguns homens.
“Ao contrário dos homens, temos a nossa vida condicionada. Não podemos ir aonde nos apetece, à hora que queremos, porque corremos o risco de viver episódios desagradáveis, ou mesmo perigosos”, sublinhou Efigénia Makikit, 25 anos, estudante de Engenharia na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL).
A jovem contou ao Diligente que o assédio também acontece na instituição de ensino. “Muitos rapazes ficam perto da casa de banho para poderem espiar-nos. Não podemos estar em paz”, confidenciou.
Efigénia Makikit partilhou que basta sair de casa, sobretudo à noite, para se sentir insegura, e que deixou de fazer exercício físico na região do Cristo Rei devido às atitudes reprováveis de homens de idades variadas. “Ao que parece, os espaços públicos não foram feitos para nós”, observou.
O jardim 5 de maio é outro local que concentra inúmeros casos de casos de assédio sexual. Maria das Regras, 24 anos, estudante de Direito na UNTL, afirmou que, uma vez, enquanto lia um livro sentada num banco, um homem, que se aproximou de forma sorrateira, lhe tocou. “Senti-me muito mal. E ele ainda parecia estar a divertir-se com a situação”, recordou.
A jovem disse ainda que sabe de muitas outras mulheres, inclusive amigas suas, que passaram por alguma situação semelhante. “Tenho a impressão de que as pessoas acham normal isto acontecer. Os homens sentem que podem dizer e fazer o que quiserem connosco. Infelizmente, não têm sido tomadas medidas para impedir que estes casos aconteçam”, lamentou.
Nem mesmo nos transportes públicos as cidadãs têm paz, como o Diligente revelou numa reportagem.
ONU Mulheres: 70% das cidadãs em Timor-Leste sentem-se inseguras em locais públicos
Todas estas situações refletem o que o relatório da ONU Mulheres, organização das Nações Unidas dedicada à promoção da igualdade de género, constatou. Intitulado “Auditoria da segurança das mulheres nos espaços públicos”, o estudo, divulgado no passado dia 25 de abril, revelou que mais de 70% das cidadãs dos municípios de Díli, Baucau, Covalima e Oé-cusse se sentem inseguras fora de casa.
A pesquisa, realizada em parceria com a Rede Feto, Organização Não Governamental de defesa dos direitos das mulheres em Timor-Leste, analisou 24 locais públicos. A amostra envolveu questionários aplicados a 598 pessoas do sexo feminino entre outubro de 2022 e outubro de 2023.
O documento cita a necessidade de concretizar uma série ações: desde o reforço da iluminação à promoção de campanhas de consciencialização que realcem a importância de princípios ligados à igualdade de género.
No país, por mais que a prática de assédio sexual seja interpretada como uma forma de violência, tal como consta na resolução do Governo n.º 31/2022 (Plano Nacional contra a Violência Baseada no Género 2022-2032), o ato em si não é considerado um crime.
Em Timor-Leste, o assédio sexual configura uma infração disciplinar, nos termos do n.º 1 do artigo 75º da Lei nº 8/2004 (Estatuto da Função Pública).
No intuito de promover os direitos das mulheres, com vista a uma maior segurança para as cidadãs, a resolução do Governo n.º 31/2022, cita uma série de intervenções, como ações junto das comunidades para “desmantelar mitos sobre agressão sexual e trabalhar com homens e meninos para mudar atitudes e comportamentos” e “desafiar a desigualdade de género e transformar normas sociais que perpetuam a violência contra mulheres e meninas”. Para isso, o documento prevê “mudanças em leis, políticas e estruturas discriminatórias, bem como trabalhar com organizações religiosas e instituições tradicionais para prevenir a violência”.
A secretária de Estado da Igualdade, Elvina Sousa Carvalho, durante um encontro das Nações Unidas em Nova Iorque, em março deste ano, na sua intervenção, destacou, entre outras questões, o empenho do atual Governo em cumprir as medidas incluídas no Plano Nacional contra a Violência Baseada no Género 2022-2032.
Contudo, enquanto o assédio continuar a não ser considerado crime e não sejam tomadas medidas efetivas, as mulheres seguirão com o sentimento de insegurança. Todas as fontes ouvidas pelo Diligente partilham da opinião que, na verdade, há uma cultura de relativização de comportamentos masculinos inapropriados contra as cidadãs.
Na realidade, quem assedia continua impune, e quem é assediada tem de lidar com o desconforto, a humilhação, o medo e a sensação de impotência.