Mulheres denunciam tentativas de abuso e assédio em táxis em Díli

Estudo apontou que a maioria dos casos de assédio em Díli aconteceu em transportes públicos, como os táxis/Foto: Diligente

Passageiras relatam episódios traumáticos durante viagens; vítimas dizem sentir medo de andarem sozinhas ou com condutores desconhecidos.

O relógio marcava 17h. Chuviscava. Escolheu a roupa mais bonita para ir à festa de familiares, em Bidau. Encontrou-se com uma amiga e ficaram algum tempo à espera que passasse um táxi à frente de casa. Chegou um táxi amarelo. Indicaram a localização ao condutor e negociaram o preço. O lugar do evento não era muito longe da residência, de Audian para Bidau são apenas alguns minutos de viagem. Entraram no táxi, o motorista, com cerca de 40 anos, começou a viagem mais aterrorizante da vida das duas amigas.

“O taxista deveria seguir o caminho mais rápido para chegarmos ao local, porque faltava pouco tempo para a festa começar. No entanto, optou pelo percurso mais longo. A meio do caminho, começamos a discutir com ele, que, a certa altura, disse que não podia levar ‘as manas’ para a festa e que queria levar-nos para a praia”, contou-nos Fitriana Magno, de 26 anos.

Chovia e estava frio, mas as mãos suadas das duas jovens denunciavam o terror que estavam a viver. Uma viagem que deveria demorar dez minutos já ia em 20 e, na cabeça delas, parecia uma eternidade. “Estávamos muito preocupadas e traumatizadas”, afirmou a jovem ainda visivelmente nervosa por relembrar a situação.

O medo, a insegurança e a confusão reinavam no carro velho. Assustadas e a anteciparem o pior, temendo serem abusadas e agredidas, as duas mulheres pediram ao motorista que parasse a viatura. “Batemos nos bancos do carro e pedimos que parasse, mas ele fechou os vidros e continuou a conduzir a alta velocidade em direção contrária ao nosso destino. Estávamos com muito medo e tínhamos consciência de que estávamos em perigo, mas não sabíamos como pedir ajuda. Eu não tinha o telemóvel comigo e a minha amiga estava sem saldo no telemóvel. Fingiu que ligava para alguém a contar o que estava a acontecer, o que fez com que ele acelerasse ainda mais”, contou.

No entanto, as duas passageiras não se conformaram perante esta situação aflitiva “Por sorte, vimos dois amigos na beira da estrada, perto da bomba de combustível em Bidau, abrimos os vidros e gritámos. O taxista continuou a andar, porém abri a porta do táxi e ele acabou por parar”, revelou a fonte que considera que temeu pela sua vida e pela a da amiga.

A presença dos amigos na estrada demoveu o taxista do que quer que seja que tivesse planeado fazer às duas mulheres, contudo não as salvou do trauma. Por exigência do taxista, atiraram uma nota de cinco dólares para pagar o inferno que viveram e fugiram. “O condutor recebeu o dinheiro e vociferou alguns palavrões, mas não nos importámos, só queríamos sair dali o mais rapidamente possível e livrar-nos daquela situação. Penso que fomos assediadas, porque o comportamento do taxista provocou-nos desconforto e medo”, refletiu. As duas amigas não apresentaram queixa por não quererem reviver a situação e quererem esquecer o que lhes aconteceu.

Comportamentos semelhantes foram apontados por outra passageira, Crizélia Lopes, funcionária da Organização Não Governamental (ONG) Ba Futuro, de 28 anos. A jovem contou ao Diligente que depois de ter visitado familiares em Balide, voltou para casa um pouco tarde. Já estava a escurecer, e por uma questão de segurança e rapidez, decidiu apanhar um táxi para casa, em Manleuana.

“Parou um táxi amarelo, conduzido por um homem com idade já avançada. Estava cansada, mas nem por isso deixei de reparar que o taxista olhava constantemente para mim através do espelho retrovisor, o que me incomodou e deixou desconfortável, porém tentei não dar importância e pensar positivo”. No entanto, o incómodo de Crizélia aumentou, à medida que o homem começou a fazer-lhe perguntas de foro íntimo, como por exemplo se era casada e com quem vivia. Respondeu, já extremamente desconfiada, e com medo. “Já eram quase 19h e o taxista não seguiu o caminho mais rápido para minha casa. Decidiu ir por outro caminho, alegando que não tinha luz no táxi e que aquela estrada era mais iluminada”.

O pavor da mulher intensificou-se quando o motorista, em Fatuhada e depois ter atendido uma chamada de telemóvel, deu duas opções à jovem: ou iam os dois a casa dele buscar uma mota ou Crizélia teria de procurar outro transporte. “Achei muito estranho e, mesmo sem saldo no telemóvel, fingi ligar a familiares para me virem buscar”, contou. Assustada, ordenou ao taxista para a deixar na rotunda de Elemloi. A jovem, temerosa que estava, pagou 3 dólares e afastou-se do táxi o mais rápido que pôde.

Medo de assédio muda a vida das mulheres

No seguimento das experiências traumáticas vividas por mulheres em táxis, muitas só entram em veículos cujo motorista já conhecem.

Uma outra fonte, que prefere manter o anonimato, prefere usar o táxi azul, “pois mesmo que seja mais caro, é mais limpo e seguro”.

Considera que os taxistas mais velhos sabem como tratar os clientes, “ao contrário dos mais novos que não respeitam a privacidade dos passageiros”, apontou.

Crizélia, quando sai tarde do trabalho e não consegue apanhar microlete, já não apanha um táxi, prefere ir a pé ou pede boleia à familiares. “Ainda tenho medo de ir sozinha de táxi, porque alguns taxistas comportam-se de forma estranha”, disse.

Ainda perturbada com o que lhe aconteceu, Crizélia considera que os taxistas devem garantir as condições de segurança, de conforto e de respeito pela privacidade e dignidade dos passageiros.

Taxistas reconhecem que “alguns desrespeitam as passageiras”

Mariano dos Santos, 30 anos, condutor de táxi amarelo, afirmou que ser taxista é uma profissão que exige muita paciência e capacidade para interagir com os passageiros. Questionado sobre as denúncias de tentativas de abuso e de assédio praticadas por taxistas, o homem, que está neste ofício há mais de 10 anos, lamenta os relatos, mas põe em causa a veracidade dos mesmos.

“As mulheres gostam de especular sobre tudo. Estamos preocupados em ganhar dinheiro para sustentar a nossa família, não queremos ter problemas com os passageiros, temos de os respeitar, porque são eles que nos pagam”, afirmou.

Reconheceu que, por vezes, “alguns condutores desrespeitam as passageiras”. “Certos taxistas gostam de fazer perguntas privadas às passageiras e olhar para elas de uma forma inapropriada, deixando-as desconfortáveis. No meu caso, só converso com os passageiros se eles assim o desejarem. O meu trabalho é transportar as pessoas em segurança, não é conversar. Recebi estas orientações por parte da empresa”, disse.

Já Eustáquio Leo Xavier, condutor de táxi azul, afirmou que este transporte público garante a segurança dos passageiros. “Quando os passageiros esquecem algum objeto, o telemóvel, pasta e outros, devolvemo-los ao centro dos táxis e aguardamos que os clientes os venham buscar”.

Sobre a insegurança que, muitas vezes, as mulheres dizem sentir, o condutor afirmou que os critérios da empresa de táxis azuis preveem a garantia de segurança dos clientes.

Eustáquio revela ainda que, mesmo existindo um conjunto de regras a cumprir, alguns taxistas ainda as violam, mas sofrem as consequências. “No ano passado, alguns colegas foram expulsos pelo centro por infringirem algumas regras. Os clientes apresentaram queixa ao centro, por maus-tratos e o centro demitiu-os”, contou.

Código de conduta: para quando?

Segundo um estudo de caso sobre assédio sexual em Díli, realizado pela Organização Não-Governamental (ONG) Juventude Desenvolvimento Nacional (JDN), registaram-se 80 casos de abuso e assédio sexual, sendo que a maioria teve lugar em transportes públicos como táxis, microletes e autocarro.

Em Timor-Leste, o Diploma Ministerial n.º 5/2010 define o serviço de táxi como transporte público, “que depende de outorga de concessão para sua exploração”. A autorização é de responsabilidade da Direção Nacional de Transportes Terrestres (DNTT).

A presidente do JDN, Belizia Maria Mesquita, afirmou, em entrevista ao Diligente, que o assédio sexual ainda é normalizado no país. “Todas as pessoas têm de se unir na luta contra todas as formas de assédio sexual, uma vez que se trata de uma violação dos direitos humanos”.

No período do estudo, a ONG realizou várias formações e seminários para a comunidade em Díli, de forma a prevenir e combater o referido problema.

“Organizámos um seminário destinado a 25 condutores de transportes públicos de Díli. Notámos que ainda não é suficiente, por isso, gostaríamos que as instituições relevantes aceitassem o nosso pedido, apresentado no ano passado, ao Ministério dos Transporte e Telecomunicações (MTT), no sentido de se criar um código de conduta para os condutores de transportes públicos”, afirmou.

Belizia acredita que esta medida pode contribuir para reforçar “a segurança dos passageiros, sobretudo das mulheres que dizem não se sentirem confortáveis nos transportes públicos. Eu própria tenho medo de entrar sozinha num táxi e ser vítima de assédio”, confidenciou.

Já Bernardo Vicente Fernandes, Chefe do Departamento de Transportes Públicos da DNTT, informou que a direção dá orientações aos condutores para que garantam a segurança dos seus clientes.
Questionado sobre o código de conduta, o responsável respondeu apenas que a DNTT “submete todas as propostas ao Governo e tem de aguardar a sua aprovação”.

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