Dia Mundial da Língua Portuguesa: o futuro do idioma em Timor-Leste está nas mãos dos jovens

De acordo com o Instituto Camões I.P., o português é a língua materna de 3,7% da população mundial, sendo a quarta mais falada no mundo/Foto: UNESCO

Para tentar saber a situação atual da língua de Camões no país e de como pode ser mais bem promovida, o Diligente conversou com algumas personalidades empenhadas nessa missão.

Lá vem o machibombo, alguém diz em Moçambique. Em Angola, como em Portugal, avisam que o autocarro está a caminho. No Brasil, porém, o transporte coletivo é designado ônibus. Já em Timor-Leste, o veículo, de menores dimensões, pode ser chamado tanto de microlete (para viagens dentro do município) como de biscota (para viagens entre municípios). Denominações diferentes de culturas distintas, mas que têm em comum o facto de pertencerem à mesma língua: a portuguesa.

Em 2022, o Instituto Camões I.P. – organismo público sediado em Portugal, que promove a língua e a cultura portuguesa no mundo – destacou que o idioma português é a língua materna de cerca de 3,7% da população mundial, sendo, portanto, a mais usada no hemisfério sul e a quarta mais falada no mundo (atrás do mandarim, espanhol, inglês e seguida de perto pelo hindi).

Em 2009, as nações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da qual Timor-Leste é membro, decidiram que o dia 5 de maio deveria marcar o Dia Internacional da Língua Portuguesa e, uma década depois, a UNESCO ratificou a data como Dia Mundial da Língua Portuguesa, para celebrar a pluralidade como valor identitário de tanta gente.

Em Timor-Leste, a par do tétum, o português é uma das línguas oficiais do país desde a restauração da independência, a 20 de maio de 2002. O idioma é parte da identidade, da história e da cultura da população, sendo também considerada a língua da resistência, por ser usada como principal forma de comunicação no confronto com os militares indonésios, por não a compreenderem.

Por ter sido  proibida durante 24 anos de ocupação indonésia, o desenvolvimento da língua atrasou-se e o Governo esforça-se para recuperar o tempo perdido. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística de Timor-Leste (INETL), mais de metade da população timorense sabem escrever, ler e compreender português. A percentagem é diferente dos dados anteriores que o Diligente recebeu da mesma instituição, sem conseguir obter uma explicação para a mudança.

Para tentar saber a situação atual da língua de Camões no país e de como pode ser mais bem promovida, o Diligente conversou com algumas personalidades empenhadas nessa missão.

“O futuro da língua portuguesa em Timor-Leste tem a ver com opções de identidade que o país e os jovens timorenses venham a abraçar”

Manuela Bairos, Embaixadora de Portugal em Timor-Leste/Foto: Diligente

“Transformar a língua portuguesa numa língua confortável para os timorenses depende muito de haver mais português na sociedade, e isso passa pelas televisões, comunicação social, eventos culturais, bibliotecas, mais leitura orientada nos municípios, e formação de professores.

É difícil para qualquer povo aprender uma língua que depois, fora da escola, não se fala. A língua implica prática. E isso passa pela cultura, leitura, teatro, pois o país tem muito talento na tradição oral, e tudo isso tem de ser estimulado em língua portuguesa, destacando a sua parte lúdica, em vez de ser sempre uma coisa muito séria e maçadora.

Timor-Leste precisa de funcionar na região e no mundo, aprendendo línguas internacionais, como português e inglês. Falar duas línguas já não é um fator diferenciador, pois o mundo está cada vez mais multilingue e temos de saber funcionar com muitas línguas. Timor-Leste sabe bem o que significa ter várias línguas e o português faz parte do contexto da linguística timorense.

Os timorenses devem falar português, pois é a quarta língua mais falada no mundo, principalmente em África, América Latina e Europa, para além da Ásia. Como o líder histórico, Roque Rodrigues, referiu, o português é uma língua com que podemos promover a paz no mundo, porque podemos dialogar com os vários continentes.

Atualmente, fala-se em transformar a língua portuguesa numa língua das Nações Unidas, porque há esta coligação entre vários países que falam português e há o país colossal, que é o Brasil, que tem uma força. O espaço da língua portuguesa tem de ser um espaço afirmado para que não haja apenas uma maneira de pensar o mundo, pois as línguas, em princípio, são uma forma de estar no mundo. A forma de estar no mundo dos países da CPLP é diferente da dos outros. A cultura partilhada pela CPLP é bonita e inclusiva, e, com isso, a CPLP tem uma mensagem a transmitir ao mundo. Além disso, Timor-Leste tem a responsabilidade de trazer a cultura asiática para dentro deste espaço. Só o país pode fazê-lo.

O esforço de Portugal em divulgar e promover a língua portuguesa é uma tentativa de dar resposta ao pedido do Governo timorense.

Em relação à educação, foram solicitados ao projeto Centro de Aprendizagem e Formação Escolar (Café) 150 professores e Portugal, este ano, trouxe mais 30 docentes, totalizando 180.

Em relação à comunicação social, tem de ser feito um esforço maior, porque tem de haver mais contexto, pois o português só na escola não é suficiente. É muito importante haver mais presença da língua portuguesa nas televisões.

Vejo o futuro da língua portuguesa com tranquilidade, porque, em lugares onde Portugal já não está há séculos e que a presença foi muito reduzida, reza-se o rosário em português, ainda mais em Timor-Leste que já tem uma afirmação da língua portuguesa muito mais consolidada.

O futuro da língua portuguesa em Timor-Leste tem a ver com opções de identidade que o país e os jovens timorenses venham a abraçar.

Os pais da nação é que escolheram estas línguas para formar a identidade do país. Se os jovens querem seguir essa via, o futuro é deles. Há muita força para que as duas línguas caminhem juntas, porque são línguas irmãs, que se apoiam mutuamente. O tétum tem muitos empréstimos em português e o português, para se afirmar junto da população, que não tem acesso fácil à língua, tem de ser através do tétum. Elas caminham em conjunto, uma mais de afirmação a nível interno e outra mais de afirmação do que é a vossa cultura a nível internacional.”

“Tem de haver seriedade por parte do Ministério da Educação, investindo na formação de professores e na formação em língua portuguesa”

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Sabina da Fonseca, diretora do Centro de Língua Portuguesa/Foto: Diligente

“Foi no século XVI que o português chegou a Timor-Leste, trouxe a religião e a cultura e, com o passar dos anos, caminhamos para a nossa independência com a ajuda do idioma. Durante a invasão indonésia, éramos obrigados a falar e ensinar em indonésio, por isso, tínhamos de lutar e fazer planos em português para o inimigo não compreender. Esta língua foi um elemento essencial durante a resistência contra a ocupação, sendo a força que uniu a resistência clandestina, armada e diplomática.

Os alunos que chegam das escolas públicas vêm com muitas dificuldades, escrevem com muitos erros e não conseguem elaborar frases simples corretamente. Recebemos alunos sem as condições necessárias para podermos fazer um trabalho melhor.

É um problema que enfrentámos há vários anos. Os materiais didáticos estão em português, mas a comunicação na sala de aula é maioritariamente em tétum, porque os alunos não conseguem expressar-se em português. Não é difícil aprender a língua, é preciso ter vontade.

Todos têm de se esforçar para que a língua se desenvolva. Tem de haver seriedade por parte do Ministério da Educação, investindo na formação de professores e na formação em língua portuguesa. É preciso rigor, tanto por parte da escola como da família para que a nova geração use a língua no dia a dia.

O projeto FOCO.UNTL leciona cursos de português a várias instituições, incluindo em alguns departamentos da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), contribuindo para o desenvolvimento da língua. Vejo uma porta aberta, se todos tiveram vontade de caminhar em frente, porque o português define o nosso passado.”

“Os estudantes e professores, incluindo os docentes da disciplina de Língua Portuguesa, na maioria das escolas, não praticam a língua. Não queremos que, no futuro, o português seja falado apenas por estudantes do CAFE e da Escola Portuguesa de Díli”

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Crismância Sereno, professora na escola CAFE de Díli/Foto: Diligente

“Precisamos muito de aprender mais português, uma vez que é uma das línguas oficiais. Os professores devem ensinar em português e os estudantes devem falar, não só na escola, mas também na rua e em casa.

A percentagem de falantes é reduzida, porque a maioria não quer aprender por acreditar que a língua só se aprende na sala de aula. Fora da escola, usa-se tétum.

O CAFE é um bom exemplo de difusão da língua por ter professores portugueses, que trabalham em conjunto com docentes timorenses, no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.

Sendo uma língua não materna, o português enfrenta muitos desafios. Por um lado, a flexão verbal, que faz com que muitos cidadãos pensem que é difícil aprender. Por outro lado, o facto de muitas pessoas não considerarem o português como a nossa língua, apesar de estar consagrada na Constituição da República Democrática de Timor-Leste (RDTL).

Quando estava no ensino secundário, tinha muitas dificuldades e não gostava de aprender português. No entanto, quando ingressei no Departamento de Língua Portuguesa da UNTL, comecei a adorar  português e senti que saber esta língua me abriu muitas portas.

Solicito ao Ministério da Educação que coloque professores portugueses a ensinar nas escolas públicas, pois os estudantes e professores, na maioria das escolas, incluindo os docentes da disciplina de Língua Portuguesa, não praticam a língua. Não queremos que, no futuro, o português seja falado apenas por estudantes do CAFE e da Escola Portuguesa de Díli.

É importante investir na educação, principalmente na formação de professores, para poderem ensinar em português.”

“Interessa que a língua seja confortável e agradável, sendo usada de uma forma mais solta, mais alegre, com mais ânimo e prazer”

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Lina Vicente, coordenadora portuguesa do CAFE/Foto: Diligente

“Portugal está muito empenhado na consolidação do português e o projeto CAFE é um exemplo disso. A cooperação tem dado muitos frutos, porque os resultados são muito bons, os estudantes falam português, quando entram na universidade.

Há timorenses que falam muito bem português e há quem tenha vergonha de não falar tão bem. O que considero importante é comunicar em português, tanto de Portugal como de outros países. É diferente a língua portuguesa falada no Brasil, em Portugal, Cabo Verde, ou seja, cada um fala de acordo com o seu país de origem. É uma das riquezas do português.

Em Timor-Leste, deixamos de dizer que fala bem português, mas fala português. Falar bem, falar mal, o que é importa é falar português. Falar, ler poemas, trocar mensagens, ouvir música e notícias, contar anedotas e adivinhas, tudo em português.

Esse prazer em falar português vai levar a que mais gente fale a língua, e, consequentemente, falará melhor português. Interessa que a língua seja confortável e agradável, sendo usada de uma forma mais solta, mais alegre, com mais ânimo e prazer.

Eu falo português e trabalho numa cooperação portuguesa, o maior desafio é conseguir que as famílias tenham vontade de falar esta língua, alargando assim o idioma a 12 mil famílias (dos estudantes do CAFE), que vão contagiar outros na comunidade. É um desafio enriquecedor.

Os timorenses devem falar português, porque é uma das línguas oficiais e é sempre uma vantagem serem bilingues. Por outro lado, o tétum tem muitos empréstimos do português, na cultura, na escrita e nas ciências.”

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