Dia Internacional contra a Homofobia: “Não podemos continuar a ser discriminados”

A diretora-executiva da Fundação Codiva, Romiaty Barreto/Foto: DR

Em conversa com o Diligente, a diretora da Fundação Codiva, Romiaty da Costa Barreto, partilhou os desafios enfrentados pelas pessoas LGBTQIA+ no país e falou sobre a necessidade de continuar a lutar pelos direitos da comunidade.

Celebra-se hoje, 17 de maio, o Dia Internacional contra a Homofobia, data lembrada desde 2005 com o objetivo de consciencializar a população para a importância da diversidade, tolerância e garantia dos direitos das pessoas LGBTQIA+. O dia 17 de maio foi escolhido como um marco da decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS) de retirar a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, em 1990.

Em Timor-Leste, uma das organizações que defende a comunidade e promove a sua cidadania é a Fundação Codiva.

Na avaliação da diretora-executiva da entidade, Romiaty da Costa Barreto, a falta de sensibilidade das famílias e da sociedade em geral é percebida nas dificuldades que cidadãos LGBTQIA+, devido à orientação sexual ou identidade de género, têm de enfrentar para estudar, trabalhar ou até conseguir atendimento médico.

“A compreensão da sociedade timorense sobre identidade de género é mínima, por isso é que há tanto preconceito e discriminação. Neste sentido, trabalhamos com as famílias em Díli e nos municípios para que entendam e respeitem os filhos que têm uma orientação sexual ou identidade de género diferentes”, sublinhou Romiaty Barreto.

A diretora-executiva é a primeira mulher transgénero de Timor-Leste a concluir um curso numa instituição de ensino superior. Em 2022, graduou-se em contabilidade pela Universidade da Paz, em Díli.

Em conversa com o Diligente, Romiaty Barreto partilhou os desafios enfrentados pelas pessoas LGBTQIA+ no país e falou sobre a necessidade de continuar a lutar pelos direitos e honra da comunidade.

“Todos os cidadãos são iguais perante a lei e o Governo tem de tratar todas as pessoas de forma igualitária, sem discriminações de género, raça, estatuto social, religião, orientação sexual e identidade de género”, enfatizou.

No dia 17 de maio, celebra-se o Dia Mundial contra a Homofobia. O que a Fundação Codiva prevê para a data e qual a sua importância para Timor-Leste?

A organização não celebra esta data, uma vez que não temos fundos para organizar atividades. Porém, vamos organizar, em junho, a marcha para comemorar o dia mundial da diversidade. Celebramos sempre esta data especial para mostrar que a comunidade LGBTQIA+ existe em Timor-Leste. Aproveitamos a ocasião para apelar à população para respeitar os nossos direitos, como qualquer outro cidadão.

A marcha da diversidade é uma forma de sensibilizar as famílias, a sociedade e o governo para que tratem todas as pessoas de forma igual, apesar de terem uma orientação sexual ou identidade de género diferentes.

Quais são os principais desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIA+ em Timor-Leste?

Quando falamos sobre desafios, todos enfrentamos, mas a comunidade LGBTQIA+ e as pessoas com deficiência são os grupos mais vulneráveis. A sociedade timorense ainda pensa que quando alguém nasce homem, deve ser homem para sempre, mesmo que não se identifique com esse género. Quando alguém contraria esta ideia, a sociedade aponta o dedo e diz que está a trair a cultura e a religião.

Quando falamos sobre os direitos da nossa comunidade, muitas vezes, as pessoas não concordam, esse é o primeiro desafio. Consequentemente, a maioria dos membros da nossa comunidade não tem acesso a oportunidades de emprego, devido à sua aparência, quando, na verdade, apenas as competências deveriam ser tidas em conta no processo de seleção. Muitos também desistem de estudar, porque são discriminados.

A Fundação Codiva regista muitos casos de homofobia no país? Quais são as situações mais graves?

Não registamos casos de homofobia, porque o nosso papel é defender os direitos da comunidade. Na verdade, há muitos casos que acontecem no meio familiar e na sociedade. Nos últimos anos, recebemos alguns casos que entregámos à Alfaela.

Não temos recursos suficientes para fazer o levantamento de dados sobre os casos de homofobia, então focamo-nos em desenvolver ações de sensibilização sobre os direitos da comunidade.

Como é que as questões de identidade de género são compreendidas e tratadas na sociedade timorense? Existem espaços seguros e recursos disponíveis para pessoas transgéneras?

A compreensão da sociedade sobre as questões de identidade de género é mínima, por isso é que há tanto preconceito e discriminação. Neste sentido, trabalhamos com as famílias, em Díli e nos municípios, para que entendam e respeitem os filhos que têm uma orientação sexual ou identidade de género diferentes.

Os espaços seguros para a nossa comunidade são insuficientes. Algumas Organizações Não Governamentais têm espaços para acolher os membros da comunidade que tenham sido vítimas de algum tipo de violência ou discriminação, mas o Governo, infelizmente, ainda não criou lugares próprios para receber membros da nossa comunidade que estejam a passar por alguma dificuldade.

“Quando os nossos membros entram na escola são imediatamente alvos de bullying. O Ministério da Educação tem uma direção sobre a educação inclusiva, mas as diretrizes estão apenas no papel, nada é implementado. Algumas pessoas da nossa comunidade conseguiram terminar os estudos porque tinham uma mentalidade forte e foram capazes de aguentar todos os insultos e agressões. A maioria não aguenta esta pressão diária e acaba por desistir de estudar”

Como a organização luta para defender os direitos desta comunidade? Tem planos para reivindicar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, como em outros países?

Estamos a esforçar-nos para que todas as pessoas estejam informadas sobre a comunidade LGBTQIA+. Oferecemos formação sobre educação para a saúde, porque muitos jovens timorenses ainda escondem a sua orientação sexual ou identidade de género dos seus familiares. Além disso, estamos a lutar para que todos os cidadãos LGBTQIA+ tenham acesso a educação, saúde, emprego sem serem discriminados, pois o artigo 16.º da nossa Constituição garante a igualdade.

Promovemos diálogos com as famílias, uma vez que são o primeiro ambiente dos nossos membros e onde, muitas vezes, são mal tratados.

Relativamente ao direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo é uma questão para a qual ainda não temos planos. Se a própria família não é sensível aos assuntos da nossa comunidade, como é que vamos conseguir alcançar esse direito? Por enquanto, estamos a exigir um tratamento igual ao que os outros cidadãos recebem, não podemos continuar a ser discriminados.

Qual é a situação dos direitos LGBTQIA+ no sistema educativo timorense? Existem políticas ou programas específicos para promover a inclusão e a segurança desses alunos?

O acesso à educação da comunidade LGBTQIA+ é difícil, uma vez que os próprios professores discriminam estudantes da nossa comunidade. Os regulamentos das escolas são discriminatórios, por exemplo, se um transgénero homem não quiser vestir calças e preferir vestir saia, o regulamento não permite. As escolas não são espaços seguros para podermos aprender. Quando os nossos membros entram na escola são imediatamente alvos de bullying.

O Ministério da Educação tem uma direção sobre a educação inclusiva, mas as diretrizes estão apenas no papel, nada é implementado. Algumas pessoas da nossa comunidade conseguiram terminar os estudos, porque tinham uma mentalidade forte e foram capazes de aguentar todos os insultos e agressões. A maioria não aguenta esta pressão diária e acaba por desistir de estudar.

“Ficamos doentes como qualquer outra pessoa, nem mais nem menos, mas quando precisamos de cuidados médicos, somos discriminados pelos próprios profissionais de saúde que nos deveriam ajudar”

Como é o acesso aos serviços de saúde para a comunidade LGBTQIA+ em Timor-Leste? Há discriminação?

Quando os nossos membros recorrem a hospitais, os profissionais de saúde em vez de os tratarem, julgam-nos pela aparência e partem do princípio que devido à imagem têm muitas doenças. Acham, erradamente, que por termos relações sexuais com pessoas do mesmo sexo temos doenças. É uma generalização errada e faz com que não nos sintamos seguros, quando precisamos de cuidados médicos. Ficamos doentes como qualquer outra pessoa, nem mais nem menos, mas quando precisamos de cuidados médicos, somos discriminados pelos próprios profissionais de saúde que nos deveriam ajudar.

Por isso, preferimos ir a clínicas privadas, como a Marie Stopes ou a clínica do Bairro Pité, onde os profissionais de saúde nos respeitam e estão devidamente informados.

Qual é a situação legal da comunidade LGBTQIA+ em Timor-Leste? Existem leis que protegem contra a discriminação e o preconceito com base na orientação sexual e identidade de género?

Em Timor-Leste, não existem leis específicas para a comunidade LGBTQIA+, mas baseamo-nos na Constituição e nas convenções dos direitos humanos.

Estas leis dão-nos força e coragem para continuarmos a defender os direitos da nossa comunidade. Todos os cidadãos são iguais perante a lei e o Governo tem de tratar todas as pessoas de forma igualitária, sem discriminações de género, raça, estatuto social, religião, orientação sexual e identidade de género.

Como é que os órgãos de comunicação social retratam e abordam questões relacionadas com a comunidade LGBTQIA+? Existe uma representação justa e rigorosa?

A cobertura dos media sobre assuntos relacionados com a comunidade LGBTQIA+ é reduzida. Penso que os jornalistas preferem abordar os problemas das pessoas com deficiência, mas não falam sobre os nossos.

Os membros da nossa comunidade são vulneráveis, enfrentam agressões por parte da família e muitos são expulsos de casa. Alguns ficam a dormir no porto de Díli ou em casas de amigos. Porém, os órgãos de comunicação social não abordam estas situações, pelo contrário, “fazem vista grossa”. No entanto, a Rádio Liberdade já abordou estes assuntos e convidaram os nossos membros a participar num programa.

Quais são as formas de apoio disponíveis para os jovens LGBTQIA+ em Timor-Leste? Existem grupos de apoio ou redes de suporte estabelecidas?

Quando os nossos membros enfrentam problemas, são encaminhados para a Uma Mahon – espaço seguro. A organização trabalha com as redes nos municípios: Pradet, Alfaela e outras.

Qual é o papel das instituições religiosas em relação aos direitos e à aceitação da comunidade LGBTQIA+ em Timor-Leste? Existe diálogo ou cooperação entre essas instituições e as organizações de direitos LGBTQIA+?

Ainda não estabelecemos cooperação com as instituições religiosas, uma vez que seria  difícil chegarmos a um consenso.

Em anos anteriores, algumas madres participaram na marcha da diversidade, mas fomos proibidos de publicar as suas fotos. Porém, nada mata a nossa vontade, porque lutamos pela dignidade humana.

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