Acessibilidade e inclusão essenciais para que pessoas com deficiência contribuam para o desenvolvimento do país

Treino de basquetebol em Díli/Foto: César Carvalho

O jornalismo tem o poder de sensibilizar para a integração social, mas o seu mau uso pode ter o efeito contrário e contribuir para a exclusão, alerta organização que defende a participação das pessoas com necessidades especiais na sociedade.

A deficiência manifesta-se quando as limitações físicas se encontram com as barreiras sociais estabelecidas por pessoas e instituições, que restringem o acesso aos serviços públicos. Esta é a definição partilhada pelo oficial da Organização Não Governamental (ONG) Raes Hadomi Timor Oan (RHTO), César Augusto Carvalho, durante a formação sobre jornalismo inclusivo para os profissionais da comunicação social, realizada na segunda-feira (29.04), no Conselho de Imprensa.

As atitudes da sociedade e dos familiares de pessoas com deficiência, que muitas vezes humilham esses cidadãos através de linguagem imprópria, constituem um entrave à inclusão. Da mesma forma, critérios como “ter boas condições físicas” em processos de seleção de emprego, ausência de um tradutor de língua gestual ou a inexistência de artigos ou publicações em braille configuram exemplos de discriminação.

O também fotógrafo freelancer, que devido a uma doença deixou de andar, explicou a importância da acessibilidade aos serviços públicos. “Se existirem rampas nas escolas e instituições, as pessoas com alguma limitação de mobilidade podem estudar e trabalhar como qualquer um”, sublinhou.

César Carvalho também chamou a atenção para o uso inadequado de determinadas terminologias no país, que, destacou, contribui para que os indivíduos com diferenças funcionais se sintam menosprezados. Surdos, cegos e mudos são alguns exemplos de nomenclaturas equivocadas, observou o oficial da RHTO.

Outra questão importante diz respeito ao conceito do que é normal. Quando a normalidade é tida como uma condição típica daqueles sem qualquer necessidade especial, as pessoas com alguma limitação podem sentir-se ofendidas. “Quem cria o conceito de normal somos nós. E eu considero-me normal, porque consigo trabalhar como qualquer outro cidadão sem qualquer deficiência. Por isso, não aceitamos que digam que somos anormais, porque não é verdade”, realçou o formador.

Desafios

Com apenas um ano, César Carvalho começou a desenvolver uma doença nas pernas que nunca foi diagnosticada, nem mesmo por médicos internacionais, como o saudoso doutor Daniel Murphy, médico norte-americano que trabalhou durante muitos anos na Clínica do Bairro Pité, em Díli.

Contudo, ainda conseguia andar e até aprendeu a conduzir mota. Quando entrou no secundário, piorou e passou a deslocar-se de joelhos. A falta de compreensão das pessoas, mesmo na sua terra natal, Aileu, levou a que fosse discriminado, o que lhe causou danos psicológicos – talvez mais graves do que os físicos.

Recorda que ficou um ano sem sair de casa, com medo de ser menosprezado, humilhado. Um de seus amigos, porém, não desistiu de querer ajudar e conseguiu levar César Carvalho a participar de um encontro na Raes Hadomi Timor Oan. Lá, deparou-se com um grupo de cidadãos com deficiência, que o acolheu, e passou a frequentar formações sobre inclusão e acessibilidade.

Foi assim que aprendeu a lidar com a reação dos outros e já não se sente ofendido quando alguém o tenta humilhar. Já não se importa com o que as pessoas dizem sobre ele e foca-se em ser uma pessoa melhor todos os dias. O sentimento de pertença a uma comunidade salvou-o.

O jovem, que usa a fotografia como um escape para o stress, refere que as autoridades devem olhar com mais atenção para as pessoas com necessidades especiais, promovendo os seus direitos e participação na sociedade. “Mas não façam caridade, isso só favorece a preguiça”, alertou.

César Carvalho observou que a comunidade nas áreas urbanas já começa a ter noção de como tratar as pessoas com deficiência, mas, nas zonas rurais, sucos e aldeias, os cidadãos ainda não estão informados. Por isso, apela para que os governantes realizem ações de sensibilização nesses locais, voltadas primeiramente para as famílias.

A importância do jornalismo inclusivo

César Carvalho considera que o jornalismo tem poder de sensibilizar para a inclusão social, mas teme que o mau uso possa levar à exclusão. O oficial da RHTO, organização que defende a participação das pessoas com deficiência na sociedade, destacou a importância de usar uma linguagem apropriada em notícias sobre pessoas com deficiência, pois o jornalismo reflete e condiciona a opinião pública.

“O trabalho que as organizações estão a fazer vai ser em vão se os media, que têm o poder de orientar a opinião pública, não fizerem a sua parte. Tem de ser um trabalho contínuo, caso contrário as pessoas esquecem-se e a exclusão continua”, conclui.

Segundo o guião de Jornalismo Inclusivo, produzido e lançado pelo Conselho de Imprensa, no início deste mês, termos como aleijado, inválido e incapaz são considerados ofensivos e depreciativos e, por isso, devem ser evitados.

A expressão “pessoas com deficiência” tem sido usada desde 2006, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Antes, usava-se o termo “portador de deficiência”, que é considerado inadequado por destacar a deficiência, em vez de o lado humano.

“Muitas vezes, os jornalistas focam-se na limitação física, em vez de valorizarem os esforços dos indivíduos com deficiência, e isso leva a que as pessoas tenham pena, quando, na verdade, deveriam respeitar e admirar estes cidadãos, que, apesar das suas dificuldades, fazem tudo o que podem para contribuir para a sociedade”, afirmou César Carvalho.

O jornalista do órgão de comunicação social online Hatutan, Rogério Pereira Cárceres, observou que ainda há pouca cobertura jornalística de assuntos relacionados com pessoas com deficiência.

Considera que os textos que abordam este assunto destacam apenas as opiniões das pessoas importantes ou das elites, quando se deveriam focar nos cidadãos comuns com necessidades especiais. “É importante os jornalistas escreverem de forma inclusiva, envolvendo todas as pessoas, independentemente das suas condições físicas, mentais ou classe social, falando diretamente com os interessados”, ressaltou o jornalista.

Neste sentido, Rogério Cárceres apelou para que os jornalistas se concentrem na potencialidade das pessoas com diferenças funcionais e em como contribuem para o desenvolvimento do país.

De acordo com o censo de 2022 (o mais atual), existem 17.061 pessoas com deficiência no país, das quais 8.517 são homens e 8.544 mulheres. A população de Timor-Leste é de aproximadamente 1,3 milhões de habitantes.

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