Apaixonada pelo jornalismo. Defensora dos direitos humanos. Duas características numa só mulher: Zevónia Vieira, 40 anos, jornalista timorense. Firme nos seus ideais, vai contra tudo e contra todos, quando se trata de defender as vítimas de abuso e violação ou combater as desigualdades na sociedade timorense.
A paixão pelo jornalismo vem de longa data. Em criança, gostava de imitar os apresentadores de televisão: imaginava-se a focar a câmara ou brincava com qualquer objeto que servisse de microfone. Quando estudava no ensino básico, em Lospalos, Zevónia gostava de ler e escrever para o jornal de parede ou histórias, um hábito que, acredita, contribuiu para o desenvolvimento da sua criatividade e visão crítica do mundo.
A esta paixão junta-se a preocupação com os direitos humanos, valor que aprendeu na família. A mesma família que lhe reconheceu o direito à propriedade, apesar de ser mulher, algo difícil numa sociedade patriarcal. “Normalmente, em Lospalos, as mulheres perdem o direito aos terrenos da família ao casarem, mas os meus pais dividiram-nos de forma igual para todos”.
Os pais desligaram-se também da cultura do “maun boot”, que obriga os jovens a seguir os irmãos mais velhos, e deram às filhas o mesmo espaço de discussão e partilha de ideias. “Tive a sorte de não ser discriminada pela família e de não sofrer qualquer preconceito cultural. Isto foi um hábito que me ajudou muito a crescer e a ajudar outras mulheres,” conta.
Essa “sorte” não a deixou, contudo, insensível às injustiças. Indigna-se com a atual discriminação gerada pela cultura e violência contra as mulheres timorenses, apontando o dedo ao barlaque, o dote que a família do noivo tem de dar à da noiva, por considerar que causa violência. Indigna-se com a injustiça social e má governação. E indignou-se com as atrocidades cometidas, durante a ocupação indonésia, entre 1975 e 1999.
Para Zevónia, o jornalismo não serve apenas para transmitir informações. Permite transformar a sociedade. É um meio de defesa dos direitos humanos. E argumenta: “Quando uma pessoa viola os direitos dos outros, quando a boa governação não acontece, quando há guerras e conflitos, o jornalista tem de divulgar informações que contribuam para acabar com estes problemas”.
No entanto, a paixão pelo jornalismo, como tudo que é importante na vida, tem um preço. Não é fácil, para esta mãe solteira, conciliar trabalho e família. Depois de um longo dia de trabalho, tenta passar algum tempo com o filho. Quando a criança vai para a cama, Zevónia volta às suas tarefas e dedica-se à escrita. A mãe, a mulher e a profissional olham para este desafio como uma oportunidade de crescimento e tentam-no encarar de forma positiva. As refeições que tem com a família e o filho servem para o debate e o diálogo.
Zevónia é uma mulher do mundo e isso sente-se na forma como se relaciona com as pessoas . Descontraída e sem complexos, trata os outros de igual para igual. As experiências internacionais começaram com o ensino secundário, que terminou na Indonésia, em 2001. A jovem regressou então a Timor-Leste e começou a trabalhar como jornalista voluntária na House Production de Sahe Media Popular, em Díli.
Continuou os estudos na Universidade de Díli (UNDIL), mas não conseguiu terminar por causa dos problemas da saída de professores desta instituição de ensino superior. Foi então que concorreu ao prémio Sérgio Vieira de Melo, sendo a única selecionada, e recebeu a bolsa de jornalismo de Reham al-Farra Memorial Journalism para estudar na Organização das Nações Unidas (ONU). Foi assim que começou a aventura nos Estados Unidos da América (EUA), onde viveu durante seis meses, de junho a novembro de 2007.
Estudou e acabou por fazer o estágio na sede da ONU, na secção da rádio. Ajudou na cobertura sobre a participação do Estado de Timor-Leste na Assembleia-Geral das Nações Unidas, trabalhando reportagens para a Rádio UN, depois emitidas na Rádio e Televisão de Timor-Leste.
Para Zevónia, foi uma experiência “extraordinária”: “Aprendi com os jornalistas mais experientes do que eu. Vivi numa cultura diferente, trabalhei num ambiente diferente”. Adaptou-se à realidade através da “comunicação”, pedindo sempre que necessário ajuda. Uma humildade ao mesmo nível da curiosidade que fizeram com que conseguisse ultrapassar todas as dificuldades.
A experiência nos EUA aguçaria ainda o espírito jornalístico: “Mostrou-me que podia ser independente, autoconfiante e aumentou o meu pensamento crítico. E assim ganhei coragem para fazer um jornalismo sobre assuntos sensíveis, como os direitos das mulheres e crianças ou o respeito pelos direitos LGBT”.
Quando voltou dos EUA, em 2007, Zevónia começou a dar formação sobre investigação e reportagens no Centro de Desenvolvimento dos Media de Timor-Leste (TLMDC, em inglês).
Acabou por se demitir em 2009 e, na mesma altura, começou a trabalhar em produção de televisão, nas Nações Unidas, onde se focou na questão dos direitos humanos como oficial de informação. Mas, por causa das saudades da profissão, em menos de um ano, desistiu deste trabalho. “Não me sentia livre. Despedi-me e voltei a trabalhar como jornalista. Eu, os meus colegas Virgílio Guterres, Hugo Fernandes e outros fundámos um órgão online chamado KLAK,” diz.
Um trabalho voluntário: “Investigámos muitos casos que afetavam o país. Um deles foi o atentado de 11 de fevereiro de 2008, que resultou na morte do Major Alfredo Reinado e da sua escolta, assim como nos ferimentos graves de José Ramos Horta”.
Atualmente, trabalha como chefe de redação do órgão online Neon Metin e é Presidente da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL).
Jornalista há 21 anos, Zevónia diz que o jornalismo em Timor-Leste não é um mar de rosas. A burocracia no acesso aos dados é um inimigo da profissão. “Algumas pessoas nas instituições ainda não compreendem o trabalho dos jornalistas e que estes são um pilar importante para o desenvolvimento do país,” defende.
A dirigente da AJTL quer promover mais informação sobre temas sensíveis: “Já demos formação aos membros da associação sobre como fazer reportagens sobre a mulher e o seu papel na sociedade, abusos sexuais, mas também sobre as eleições”.
David da Costa, um dos formandos da AJTL, fala-nos sobre a preocupação constante de Zevónia em relação às injustiças, à desigualdade de género, à violação dos direitos humanos e acrescenta: “É uma pessoa flexível, que gosta de partilhar conhecimentos com os novos jornalistas”.
Albérico da Costa, colega com quem trabalhou no TLMDC, destaca a natureza crítica e a coragem para defender os seus ideais. “Quando as pessoas criticaram o Neon Metin e quiseram que o órgão retirasse os vídeos sobre declarações das vítimas do ex-Padre Richard Dasbach, em Topu Honis, Oecusse, condenado pelo crime de pedofilia, a chefe de redação bateu o pé e manteve a divulgação desta informação,” conta.
O que fará Zevónia feliz? “Acabar com a violação dos direitos das crianças e das mulheres. Que a justiça chegue a todos”. Só aí será uma mulher verdadeiramente feliz.
Boa noite.
Gostei de ler esta reportagem.
Apenas sugiro as seguintes pequeninas alterações, a saber:
1.
1.a. Onde está escrito
“…perdem o direito aos terrenos família…”
1.b. Deveria estar escrito
“…perdem o direito aos terrenos da família…”;
2.
2.a. Onde está escrito
“…fizeram com conseguisse ultrapassar…”.
2.b. Deveria estar escrito
“…fizeram com que conseguisse ultrapassar…”.
Muitos parabéns.
João Melo
Muito bom conhecer, através desse texto, um pouco mais sobre o jornalismo timorense. Parabéns ao autor e à engajada e séria jornalista objeto da matéria.
Parabens e que alcances tudo o que sonhas fazer na vida. Mas nao te esquecas que es apenas um “capuchinho vermelho” e o Nosso Rai Doben Timor Leste esta infestado de “lobos maus” , especialmente na coisa suja que chamam politica. Admiro a tua vontade ferrea!
Timor-Leste precisa mais mulheres como a mana Zevonia. Parabens mana!
Sobre o barlaque e a discriminação das mulheres, sugiro a Zevonia Vieira revisitar (se é que não o fez já) a polémica que agitou os meios intelectuais (e políticos) de Díli no início dos anos 70, entre Inácio de Moura e Jaime Neves por um lado, e Abílio Araújo e Nicolau Lobato por outro.
Há muito a fazer em Timor Leste, em todas as áreas. Mas… O poder dos que estão no governo, a fraca formação dos professores, médicos, engenheiros, etc, não proporciona voz ativa para que possam modificar a sociedade. Tudo que está errado, dizem ser da cultura. Olhem para o futuro, timorenses, e deixem o passado em paz. Parabéns a esta jornalista… Tem os horizontes alargados!
Gostei da notícia, porém, que estes desejos ardentes se coloquem realmente na prática para a construção e desenvolvimento do nosso País sobretudo para que todos possamos ter o mesmo direito e a mesma dignidade como filhos de Deus neste nosso País, que vive ainda nesta cultura patriarcal tão forte. Parabéns grande mulher…..