Zacarias da Costa: “Tem de haver um esforço mais sério das nossas autoridades para promover o ensino da língua portuguesa”

Zacarias da Costa, Secretário Executivo da CPLP/Foto: Diligente

No âmbito de uma visita oficial a Timor-Leste, que terminou este sábado, Zacarias da Costa, Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), destacou o que considera ser uma maior representatividade do país nas instituições da CPLP, mas lamenta que haja ainda pouca participação por parte da sociedade civil na vida da organização. Relativamente à promoção da língua portuguesa, defende metas mais concretas, mais vontade política e mais apoio a formas de informação em língua portuguesa. Prestes a terminar o seu primeiro mandato, e depois da sua recandidatura já ter sido aprovada pelo Governo, faz um balanço positivo do trabalho desenvolvido e traça como principal prioridade, em caso de reeleição, a reestruturação do secretariado.

Como cidadão timorense, como avalia a posição de Timor-Leste na CPLP comparativamente com os outros Estados que integram a comunidade?

Se for uma avaliação em termos de participação, posso dizer que Timor tem aumentado a sua participação. Muito embora distante geograficamente, tem havido um esforço de Timor-Leste e, quando digo Timor-Leste, refiro-me às instituições governamentais que participam no dia a dia das atividades da CPLP. Tenho de referir, contudo, que ainda não sinto a participação da sociedade civil, que também tem o seu espaço dentro da CPLP através dos observadores consultivos, na vida da nossa comunidade. Como sabem, nós temos os Estados-membros que são nove, observadores associados, que são trinta e dois, trinta e oito Estados e quatro organizações internacionais, e temos cento e tal observadores consultivos, que são constituídos essencialmente por organizações da sociedade civil, como as ONG (organizações não governamentais), associações, instituições empresariais dos mais variados tipos, agrupados em grupos temáticos, dependendo da área e da especialidade. São eles que contribuem para a reflexão, o debate, o fundamento de questões que dizem respeito à nossa comunidade e que depois sobem para os órgãos especializados, nomeadamente o Comité de Concertação Permanente, que é o Comité de Embaixadores Junto à CPLP, e depois o Conselho de Ministros e o Chefe de Estado e do Governo. Há uma participação das bases da sociedade civil até ao topo, que é a Conferência de Chefes de Estado e do Governo ou o CIMEG (Comité Interministerial de Estatística e Geografia). Voltando à sua questão, parece-me que começa a haver um aumento de participação dos órgãos ou das instituições do Governo, na vida, nas decisões da nossa comunidade, mas ainda há pouca participação da sociedade civil organizada na vida da CPLP.

“Tem de haver um esforço das nossas autoridades para promover o ensino da língua portuguesa e sustentar esse esforço com apoio a formas de informação em língua portuguesa, uma televisão em língua portuguesa e mais bibliotecas”

De que forma a CPLP está a promover cooperação entre os países membros em áreas como a educação, a saúde e desenvolvimento económico?

De variadíssimas formas. Depende também, como disse, do input que as organizações da sociedade civil dão, que depois sobem aos órgãos próprios da CPLP para debate e decisão, as formas mais apropriadas de cooperação entre a CPLP. Obviamente, há iniciativas que são apoiadas. Recordo, por exemplo, que logo após a pandemia tivemos não só conferências mas reuniões regulares com os nossos ministros da Saúde para olhar para a questão das vacinas, como é que podíamos rapidamente apoiar-nos uns aos outros, para populações dos nossos Estados-membros poderem ter acesso às vacinas. E apoiámos. Portugal apoiou bastante Timor. O Brasil apoiou bastante os países africanos, porque também produzem vacinas. Portanto, onde podemos, temos sempre possibilidades imensas de cooperação, de apoio, de forma a que os nossos cidadãos, que são o centro e a razão de ser da CPLP, possam beneficiar dessa pertença à nossa organização ou à nossa comunidade.

Que esforços são necessários para consolidar o português em Timor-Leste e aumentar a percentagem das pessoas que dominam a língua?

É um esforço, primariamente, dos nossos líderes políticos, particularmente os que estão no Governo, porque numa altura em que já estamos a falar de uma percentagem bastante elevada de falantes de português em alguns dos nossos países, por exemplo em Angola na maior parte das províncias o português já é a língua materna, em Timor ainda falamos de como é que vamos desenvolver o português, porque há ainda uma ideia de que temos também, paralelamente, de desenvolver as línguas maternas. É uma ideia relativamente à qual eu não tenho nada contra, mas acho que tem de haver um esforço mais sério, mais empenhado das nossas autoridades para promover o ensino da língua portuguesa e sustentar esse esforço com apoio a formas de informação em língua portuguesa, uma televisão em língua portuguesa e mais bibliotecas em língua portuguesa.

Eu gostaria de ver ações mais concretas e metas mais concretas. Quero dizer, dentro de cinco anos temos 50%, dentro de 10 anos teremos 80% e, daqui a 15 anos, teremos 90%. Eu sei que esse é um esforço que tem de ser continuado, mas ainda não vi isso claramente dito e, sobretudo, implementado nas políticas públicas ou na vontade política de fazer as coisas.

“A CPLP não interfere nos problemas ou em situações de violação de cada país. Acompanha com preocupação algumas destas situações, mas respeitamos a soberania de cada um dos países”

Como está a CPLP a abordar as questões relacionadas com os direitos humanos e a promoção da democracia nos países membros?

Nós colaboramos com as instituições que existem, em cada um dos países, para os capacitar, para lhes dar os meios necessários para poderem lidar com as situações de violação dos direitos humanos. Mas, como sabe, a CPLP não interfere nos problemas ou em situações de violação de cada país. Acompanha com preocupação algumas destas situações, mas respeitamos a soberania de cada um dos países e respeitamos também a forma como as instituições de cada país lidam com essas mesmas situações de violação dos direitos humanos.

No encontro com o Presidente da República, José Ramos Horta, de que forma abordaram a cooperação empresarial da CPLP com os países da ASEAN?

As empresas são o motor das atividades económicas de um país. Acontece em Timor, como na CPLP, como na ASEAN – Associação das Nações do Sudeste da Ásia. O importante é criar um quadro favorável, um quadro regulatório e legal, que permita, em primeiro lugar, que a cooperação económica e empresarial possa acontecer, aumentar dentro da CPLP. Numa segunda fase, podemos também estender essa cooperação tanto à ASEAN como às outras organizações regionais ou sub-regionais em que os Estados-membros estão inseridos.

“É bom sermos todos líderes em Timor, mas não é fácil sermos líderes lá fora. E nós temos capacidade, temos pessoas que estão bem informadas, mas é preciso também ter a ambição de aspirar a essas posições”

 Dos encontros institucionais que já realizou nesta visita de três dias a Timor-Leste, quais os aspetos que destaca?

O engajamento contínuo de Timor-Leste com a CPLP, uma maior interação das autoridades deste país com as autoridades dos outros Estados-membros da CPLP e uma maior participação nas atividades. E não me refiro só às reuniões. Refiro-me também a outras atividades que a CPLP desenvolve e, naturalmente, uma maior representatividade do próprio país nas instituições da CPLP, nomeadamente no secretariado executivo, que neste momento é liderado por um timorense.

De que forma contribui para a promoção de Timor-Leste o facto de o secretário executivo da CPLP ser um cidadão timorense?

Naturalmente é sempre uma projeção muito grande ter uma organização internacional como a CPLP liderada por um timorense. Nunca aconteceu. É a primeira vez que acontece. Eu penso que isto em si só projeta o valor da nossa democracia, a importância que também Timor tem de ter a nível internacional e, particularmente, mostra que também somos capazes de liderar uma organização internacional. Fiz um apelo, nos órgãos de comunicação, também em encontros privados: hoje deveremos também aspirar, não estou a falar em sonhar, em participarmos plenamente nas diversas organizações internacionais de que fazemos parte. É bom sermos todos líderes em Timor, mas não é fácil sermos líderes lá fora. E nós temos capacidade, temos pessoas que estão bem informadas, mas é preciso também ter a ambição de aspirar a essas posições.

O mandato de dois anos enquanto Secretário Executivo da CPLP termina em agosto deste ano. Qual o balanço que faz?

O mandato termina em 27 de agosto, quando tiver lugar a Conferência de Chefes de Estado e de Governo, a que nós normalmente chamamos Cimeira da CPLP. Este é um momento alto, em que termina um mandato e começa o outro com a eleição do novo ou do atual secretário executivo.

É um balanço naturalmente muito positivo. Modéstia à parte, penso que fizemos muita coisa. Também porque estamos num período em que, não digo a 100%, mas estamos praticamente livres da covid, em que existe a possibilidade de realizarmos mais atividades e todos estávamos ansiosos de fazermos muito mais depois de uma paragem de cerca de dois anos.

Eu fico muito grato por ter tido esta oportunidade. Nós avançámos em áreas que têm a ver com a mobilidade dos cidadãos dentro do espaço da CPLP. Avançámos com a agenda económica e com a cooperação nas mais diversas áreas. Na saúde, foi um sucesso, tenho de dizer, a cooperação que existiu e existe ainda no quadro da CPLP para lidarmos não só com a situação pandémica, mas também com possibilidades no futuro de outras situações sanitárias que poderão afetar os nossos Estados-membros. Existe hoje uma rede bastante efetiva para acionarmos os mecanismos necessários para lidar com essa problemática. Temos uma consciência muito maior e planos de ação também, creio que claros, para lidar com a questão da urgência climática. Temos também trabalhado na questão da segurança alimentar e também nas outras áreas, como a educação, a cultura. Na educação, por exemplo, temos hoje um mecanismo de acreditação que está a ser pensado e que, muito em breve, terá corpo nas universidades de língua portuguesa. A nível económico, volto a referir, além da agenda estratégica aprovada pelos nossos ministros do Comércio, Economia e Finanças, temos também operacionalizado o fórum das agências de promoção de investimento em que, certamente, poderão também trabalhar nesta agenda económica que foi aprovada. O mais importante de tudo é que hoje a CPLP está mais perto dos cidadãos. Esse é o objetivo.

“Precisamos de reforçar essa capacidade de cooperação, porque hoje os problemas que afetam a nossa comunidade são problemas que afetam de uma forma geral o mundo”

O Governo timorense aprovou a sua recandidatura ao cargo de secretário executivo da CPLP para mais dois anos. Está confiante que vai assumir um novo mandato?

Eu estou consciente que, depois da proposta do Governo de Timor-Leste, os nossos chefes de Estado e do Governo terão essa possibilidade de me eleger para um segundo mandato. Esta +e uma prerrogativa que se me oferece, através dos estatutos que falam numa recondução, desde que o Estado que tem direito, neste caso Timor-Leste, proponha o seu candidato para o segundo mandato.

Está a acontecer. Eu acho que fiz um trabalho que é reconhecido por todos os Estados-membros. Sou apenas um humilde servidor, não só do nosso país, mas também dos nossos Estados-membros, e tudo farei para continuar o trabalho. Penso que é validado por todos. Precisa também de ter essa continuidade para o bem da nossa própria comunidade.

Se for reeleito para mais um mandato de dois anos, quais serão as maiores prioridades?

São sempre várias as prioridades, porque temos sempre muitos desafios pela frente. Mas, desde já, o primeiro objetivo é reestruturar o secretariado. Vamos fazer 27 anos no dia 17 de julho e o secretariado é ainda um secretariado primeiro, com parcos recursos humanos, e em termos financeiros precisamos de ajustar. Temos novos desafios pela frente, desde já a nova direção de assuntos económicos, dada a criação de um novo pilar, que é o pilar económico. Temos de criar rapidamente uma direção de assuntos económicos e empresariais.

Temos também o grande objetivo de lidar com a promoção da língua portuguesa, particularmente na Guiné Equatorial, para que se possa integrar plenamente na nossa comunidade. Mas também claro, em Timor-Leste, Guiné-Bissau, Moçambique, para referir apenas alguns. Também quero reforçar a cooperação multilateral. Nós temos memorandos de entendimento com várias organizações internacionais, regionais e sub-regionais. Precisamos de reforçar essa capacidade de cooperação, porque hoje os problemas que afetam a nossa comunidade são problemas que afetam de uma forma geral o mundo e, só dando as mãos, é que podemos encontrar soluções para resolver esses problemas. Temos também o desafio da transformação digital. Numa altura em que os outros países já têm uma agenda digital e já fizeram essa transição, nós ainda estamos, por exemplo, aqui em Timor, com um acesso à internet muito difícil. Já para não falar em outros temas como a inteligência artificial, um tema que ainda nem sequer é falado na CPLP.

Temos o desafio da transição energética. Temos a questão da insegurança alimentar, não só nos nossos países, mas também no mundo, como consequência também da guerra na Ucrânia, com que temos todos de lidar e saber responder a este grande desafio.

São muitos os desafios e só temos dois anos. Mas, em primeiro lugar, está a reestruturação do secretariado para poder responder também de uma forma segura e cabal a todos os desafios, implementar a agenda económica e consolidar a implementação do acordo de mobilidade. Obviamente, vamos ter, nos próximos dois anos, o tema “Juventude e Sustentabilidade”. Não sei ainda o que é que a presidência irá propor, mas sem dúvida implementar os objetivos a que CPLP se propõe.

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  1. Infelizmente estamos ainda numa caminhada de ( caracol) na aprendizagem da Língua portuguesa. Concordo realmente com estas ideias concretas. Consciente de que não está a ser fácil de colocar a Língua portuguesa como língua oficial, embora todos sabemos que segundo a nossa Constituição da RDTL no artigo 13 está a ser bem clara e definida que as duas línguas oficiais do nosso País, são; Tétum e Português, mas enfim, o que fazemos para isso se concretize na realidade……..Creio que para isso se concretizar depende muito de quem já tem algum avanço na Língua portuguesa tem que ser muito forte para ajudar os mais novos que estão a começar, porque eles estão a agarrar- se muito a língua materna…… Obrigada ,apenas isto que queria partilhar, ao ver a realidade do nosso País neste momento.

  2. TL tem que investir muito mais em Língua Portuguesa, principalmente na qualidade de líderes e autoridades timorenses quando serem representantes dentro ou fora do pais para garantir uma boa imagem deste país em representação. O nosso país adoptou o porruguês como língua oficial. É uma vergonha sé os nossos líderes ou autoridades não conseguem comunicar em português, enquanto os outros países não CPLP desenrascaran aprender falar português, em vez de os filhos timorenses. A quem quiser ser líderes ou autoridades têm todas obrigações de saber e falar português.

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