Vítimas de violência doméstica e sexual já contam com “casa segura” em Atabae

Inaugurada “Casa Segura” no centro de saúde comunitário de Atabae/Foto: Diligente

Nasceu em Atabae, município de Bobonaro, uma casa de acolhimento (Uma Mahon, em tétum) para vítimas de violência doméstica e sexual. Em Bobonaro, de acordo com dados de 2016 da Pesquisa Demográfica e de Saúde, 32% das mulheres a partir dos 15 anos já foram alvo de violência física. O novo espaço que pretende dar apoio nos cuidados de saúde, aconselhamento e direcionar as vítimas que pretendam apresentar queixa às autoridades competentes, vem juntar-se às primeiras duas casas construídas no país, a primeira no município de Viqueque e a segunda em Ermera.

É mais uma “Casa Segura”, inaugurada na sexta-feira e que resulta de uma parceria entre o Ministério da Saúde (MS) timorense e o Fundo das Nações Unidas Para a População (UNFPA, em inglês), através do programa Spotlight da União Europeia (UE). A colaboração prevê o financiamento da UE para a construção das casas, a aquisição dos equipamentos hospitalares e ainda apoio técnico e formação aos profissionais de saúde, para aumentar a capacidade de resposta a estes casos, garantindo a privacidade e confidencialidade das vítimas.

A iniciativa Spotlight é uma parceria plurianual entre a União Europeia (EU) e as Nações Unidas, com um investimento global de 550 milhões de dólares americanos por parte da UE. Em Timor-Leste, o investimento de três anos no valor de 15 milhões de dólares tem entre outros objetivos, o de “aumentar o acesso a serviços de apoio para sobreviventes de violência”.

Construído nas instalações do centro de saúde comunitário de Atabae e apetrechado com uma sala de exames médicos, um espaço para aconselhamento e um quarto para albergar as vítimas em caso de necessidade, a casa está preparada para receber mulheres adultas e, se for caso disso, os filhos destas pelo tempo que for necessário.

Segundo a Pesquisa Demográfica e de Saúde de 2016, do Governo de Timor-Leste, um terço das mulheres no município de Bobonaro experienciou algum tipo de violência física desde os 15 anos. Entre estas 386 mulheres do município que admitiram sofrer de violência nesses últimos 12 meses, 30,4% disseram que acontecia “frequentemente ou às vezes”.

Elsa Caeiro, 42 anos, habitante do suco de Aidaba Leten, participou na inauguração e conhece a magnitude do problema. Mostrou-se agradecida e confidenciou sentir-se mais segura com este novo espaço: “se vier a enfrentar violência grave, já sei que posso procurar proteção neste lugar”.

Para esta mãe de sete filhos, as mulheres de Atabae já estão, contudo, conscientes de que perante casos de violência doméstica e sexual é preciso apresentar queixa na polícia: “por acompanharmos as notícias na televisão, sabemos que a violência de género é um problema que viola os direitos humanos e deve ser denunciada. Temos de lutar contra este flagelo. Não podemos ficar caladas, porque somos iguais”.

Segundo Filomeno Pires, responsável do centro de saúde comunitário de Atabae, esta unidade de saúde registou, desde 2020, mais de dez casos de violência doméstica e um de abuso sexual de menores. “No caso de abuso, a vítima foi transferida para o abrigo de Maria Tapó em Maliana”, tendo a criança passado para a responsabilidade desse centro.

O responsável acredita que o novo espaço, inserido no centro de saúde, pode ajudar os profissionais da área a proteger de “forma mais digna e confidencial as vítimas de violência de género”. Com um “número suficiente de profissionais para este apoio”, olha também para a casa como uma motivação para que as vítimas denunciem e encontrem soluções dentro das alternativas que lhe forem apresentadas.

Já a representante da Autoridade do Município de Bobonaro, Gisela Pires, considera que a origem da violência doméstica está na família e é aí que tem de ser resolvida: “A compreensão entre homens e mulheres, mas também filhos, numa família, é muito importante para erradicar e cortar a corrente da violência de género no país. A raiz do problema está na família”.

No que toca ao papel das autoridades, Gisela Pires lembra a parceria entre a Secretaria de Estado para a Inclusão e a Unidade de Pessoas Vulneráveis (UPV) da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) que também potenciou a criação do abrigo em Maliana, conhecido como Uma Mahon Maria Tapó, no âmbito de uma iniciativa local. No mesmo sentido, avança ainda que a autoridade municipal continua a disponibilizar formação para as mulheres, envolvendo também os homens, para que todos tenham consciência e conhecimento sobre violência de género e o impacto do problema.

Porém, Gisela Pires sabe que, perante a dimensão da violência neste município, a medida não é suficiente e apela ao Governo que estenda as casas seguras a outros postos administrativos de Bobonaro.

Presente na inauguração, o vice-ministro da Saúde, Bonifácio Maucoli dos Reis, destacou que a violência de género é “um problema de saúde pública” e, por isso, estes espaços seguros nas unidades de saúde surgem como o “primeiro apoio às vítimas”. O problema da violência contra as mulheres “é muito sério e exige um esforço e intervenção de todas as entidades para resposta e prevenção. A área da saúde é o primeiro ponto de contacto com os casos e tem maior responsabilidade de mitigar as consequências graves da violência contra as mulheres”, disse.

Maucoli lembrou igualmente a aprovação pelo Ministério da Saúde, em 2018, de um guião nacional para ajudar os profissionais de saúde a lidar com este problema. O Instituto Nacional de Saúde, com o apoio técnico do UNFPA e da La Trobe University de Melbourne, na Austrália, desenvolveu um currículo nacional para os profissionais darem resposta aos casos de violência doméstica. “Este ano já realizámos formação para estes profissionais em Díli, Ermera e Liquiçá. O Governo vai alargá-la a outros municípios”, informou.

“Um local de proteção, uma plataforma de educação e sensibilização e um centro de colaboração”, foi desta forma que o embaixador da UE em Timor-Leste, Marc Fiedrich, também presente na inauguração, se referiu ao centro. “Um espaço para as vítimas de violência de género poderem recuperar e iniciar a sua vida livre de estigma. A Uma Mahon ou Casa Segura vai receber também as mulheres e os homens para discutir aberta e honestamente sobre o género, igualdade e a necessidade de mudar a mentalidade”, acrescentou.

Para Marc Fiedrich, a luta contra a violência de género “exige compromisso e participação ativa dos cidadãos para promover um diálogo aberto, a erradicação de convenções que não são benéficas e a criação de uma sociedade que valorize e respeite as aspirações e contribuições de todos”. E defendeu: “Temos de abraçar este espaço como um símbolo de esperança, resiliência e progresso. Juntos podemos criar um futuro livre de violência de género e um futuro mais igualitário e justo”.

Dados de 2021 da ONU Mulheres mostram que o caminho para um futuro livre de violência doméstica em Timor-Leste ainda é longo – 58,8% das mulheres timorenses sofrem ou sofreram, durante a vida, de violência física e/ou sexual de um parceiro íntimo e 13,9% de uma pessoa que não era parceira.

Os municípios de Viqueque, Ermera e Bobonaro foram os locais escolhidos para a construção das primeiras três casas seguras de Timor-Leste, por terem sido identificados como locais com maior prevalência de casos de violência. O espaço de Viqueque, que abriu portas em julho de 2022, já acompanhou 29 casos e o de Ermera, inaugurado em março, cinco.

A quarta “Casa Segura” do país vai ser inaugurada no município de Liquiçá, na sexta-feira, dia 2 de junho. Ao mesmo tempo encontram-se já em construção outras duas casas, uma em Díli (Bairro Formosa) e outra em Covalima (Suai).

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