Violência policial no Suai: associação de pessoas com deficiência, jurista e ONG exigem punição para membros do Serviço Nacional de Inteligência

Elementos da PNTL e das F-FDTL são destacados para o SNI, que responde diretamente ao primeiro-ministro/Foto: PNTL

Na passada quarta-feira (1.05), elementos do SNI espancaram e partiram o braço de um deficiente visual. Um agente ainda disparou um tiro, atingindo as costas de um jovem, que está internado no HNGV em estado grave.

Em conferência de imprensa, realizada na segunda-feira (6.05), a Associação Halibur Deficiência Matan Timor-Leste (AHDMTL), entidade que defende os direitos dos cidadãos com necessidades especiais, condenou a “atuação brutal” de membros do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), que agrediram e partiram o braço do deficiente visual Cipriano Cardoso, de 27 anos. No incidente da passada quarta-feira (1.05), no suco de Baiseuk, posto administrativo Tilomar, município de Suai-Covalima, um dos agentes ainda atingiu, com um disparo de arma de fogo, as costas de Elizardo Cardoso, 20 anos, internado no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) em estado grave.

O porta-voz da AHDMTL, Carceres Arcatura, enfatizou que as autoridades demonstraram “total falta de preparação” e infringiram o artigo 3º do decreto-lei n.º 4/2011, que prevê o uso da força apenas “depois de esgotados os meios possíveis de resolução não-violenta do conflito”. “Ninguém os ameaçou a ponto de agirem com extrema violência e desproporção. Exigimos que a Polícia Nacional de Timor-Leste e o SNI tomem providências e expulsem todos os envolvidos na situação”, afirmou o porta-voz da AHDMTL.

Conforme o decreto-lei n.º 3/2009, o SNI “é um serviço personalizado do Estado (…) impedido de praticar atos que envolvam a violação de direitos, liberdades e garantias consagradas na Constituição ou que sejam da competência exclusiva das demais autoridades que exerçam funções de segurança interna (…) estando vedado aos seus agentes proceder à detenção de pessoas”. Integram o SNI membros da PNTL, F-FDTL e civis.

O mesmo decreto define que o SNI goza de autonomia administrativa e financeira, responde diretamente ao primeiro-ministro e tem a incumbência de produzir “informações que contribuam para a salvaguarda da independência e interesses nacionais, da segurança externa e da garantia da segurança interna, da prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem, da criminalidade organizada e dos atos que pela sua natureza possam alterar ou destruir o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido.”

Segundo os familiares do rapaz baleado, ele e mais um grupo de 11 pessoas tinham participado numa cerimónia para celebrar o Dia da Nossa Senhora e, quando regressaram, decidiram tomar café na varanda da casa de Elizardo Cardoso, onde também funciona um quiosque.

Alegadamente, às 22h, um carro preto da marca Hilux, sem matrícula, terá parado no local e quatro indivíduos com a cara tapada terão saído da viatura: um dos agentes do SNI, que seria conhecido de uma das jovens que estava com os rapazes, levou-a para o veículo e arrancou. Cerca de 15 minutos depois, voltaram para buscar a outra cidadã, sendo então questionados pelo restante do grupo e iniciando-se a confusão, que culminou na fuga dos indivíduos e no tiro de pistola que atingiu Elizardo Cardoso. O rapaz foi socorrido e levado ao hospital por familiares, sendo transferido posteriormente para o HNGV.

Por sua vez, o Tribunal Distrital do Suai (TDS) instaurou um processo para investigar o autor do disparo pelo crime de ofensa à integridade física grave.

Já Cipriano Cardoso terá sido espancado por estar no lugar errado à hora errada. Pouco depois do incidente, dirigiu-se ao quiosque, tendo sido apanhado pelos agentes – que suspeitaram que o rapaz estava com o grupo. Após ser agredido, foi colocado no veículo Hilux, porém, como gritava de dor por ter o braço partido, os agentes deixaram-no na rua.

Em entrevista ao Diligente, o provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, criticou a atuação dos elementos do SNI. “A situação constitui uma clara violação dos direitos humanos”, sublinhou. Um relatório divulgado pela provedoria no final do mês passado revelou que, nos três primeiros meses deste ano, cerca de 70% das queixas de maus tratos a cidadãos registadas na entidade envolvem polícias.

Na avaliação do jurista Armindo Moniz, docente do curso de direito no Instituto de Filosofia e Teologia (ISFIT), a medida do TDS contra o elemento do SNI que atirou em Elizardo Cardoso é equivocada, pois considera que o episódio configura, na verdade, uma tentativa de homicídio. “O arguido deveria ficar em prisão preventiva, de modo a evitar a fuga, repetição do ato, intimidação das associações de apoio a vítimas e destruição de provas”, destacou.

Armindo Moniz observou que, “tratando-se de um caso grave, deveria ter sido um juiz coletivo a avaliar a situação, de acordo com os princípios de um estado de direito democrático.”

Para o jurista, o TDS favoreceu o suspeito, “que beneficia de um bom salário e privilégios supostamente para proteger o povo, mas atira em cidadãos como se fossem animais.”

Neste sentido, recomendou que as instituições de segurança e defesa invistam na “formação dos seus membros na área de direitos humanos e averiguem a saúde mental dos candidatos, de modo a evitar a contratação de psicopatas.”

O comandante da PNTL do município de Covalima, superintendente Calisto Gonzaga, em conferência de imprensa na última sexta-feira (3.05), reconheceu, sem dar maiores detalhes, que “houve um desentendimento” entre os agentes do SNI e os jovens, entretanto “não podemos indicar quem foi o autor do conflito”. Informou ainda que foram apreendidas quatro armas e recolheram a bala, “mas ainda será necessário fazer um teste balístico para determinar se a bala pertence às respetivas pistolas.”

“Como é que o líder do SNI, que não tem integridade, pode controlar o uso de armas de fogo?”

Num comunicado de imprensa, divulgado na passada sexta-feira (3.05), a Fundação Mahein (FM), Organização Não Governamental (ONG) que desde 2009 monitoriza a segurança pública em Timor-Leste, ressaltou que os membros das F-FDTL destacados no SNI não receberam uma preparação adequada do “serviço personalizado” para o desempenho das funções.

Referente às armas, a FM observou que, embora o SNI tenha o direito de as transportar e utilizar, não possui procedimentos legais que regulamentem o seu uso, tão-pouco regras sobre o destacamento de elementos armados das F-FDTL e PNTL para a força de segurança. “Não há um regulamento específico para orientar o uso de armas no SNI, o que leva a que os membros das F-FDTL e da PNTL ajam em desacordo com as regras e procedimentos do serviço de inteligência”, cita a FM.

A ONG também criticou a escolha de Longuinhos Monteiro para diretor-geral do SNI, nomeado para o cargo em setembro do ano passado pelo primeiro-ministro Xanana Gusmão. Em janeiro de 2023, o diretor-geral chegou a ser detido pela Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC) por posse ilegal de arma proibida – no caso, pistolas e munições.

“Como é que o líder do SNI, que não tem integridade, pode controlar o uso de armas de fogo?”, questiona a FM no comunicado.

A FM recomenda ao Parlamento Nacional que seja realizada uma fiscalização urgente ao SNI, no sentido de verificar o destacamento de membros das F-FDTL e da PNTL, uma vez que não estão em conformidade com a legislação (decreto-lei n.º 3/2009). Sugere também a criação de uma comissão parlamentar de inquérito sobre o funcionamento, liderança e gestão do SNI e o uso de armas de fogo.

A ONG solicita ainda aos ministérios da Defesa, do Interior, ao comando das F-FDTL e à PNTL que revejam os critérios de seleção dos seus elementos para integrarem o SNI.

Por fim, a FM apela ao comando das F-FDTL e às autoridades competentes para que o episódio de violência no Suai seja devidamente investigado e os envolvidos, punidos, de modo a garantir justiça para as vítimas das ações dos elementos do SNI.

Array

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?