Em Ermera, muitos dos casos de violência doméstica são resolvidos na família e considerados um assunto da umane e da manefoun (da família da mulher e do homem). Grande parte da população considera tratar-se de um assunto privado que não é necessário ser do conhecimento público. Para fazer face a esta realidade, foi inaugurado, na terça-feira, um Espaço Seguro, no Centro Comunitário de Saúde de Gleno, com o objetivo de garantir o acompanhamento e a segurança das mulheres que queiram denunciar estes casos.
Beata Soares, habitante de Railaku, município de Ermera, contou ao Diligente que, por diversas vezes, assistiu a situações de violência doméstica, mas nunca interferiu por considerar que é um assunto do foro privado . “Quando uma mulher é vítima de violência doméstica por parte do marido, na maioria das vezes, o problema resolve-se entre as famílias de ambos. A mulher pode fazer queixa na polícia, mas isso só acontece quando o problema não fica resolvido na família”, explicou.
Albânia de Deus, moradora em Ponilala, no mesmo município, confessa, que nesta comunidade, a violência doméstica é algo frequente. Normalmente, a vítima faz queixa ao chefe de aldeia ou ao chefe de suco e este sugere que “o agressor pague uma multa em dinheiro ou ofereça animais à família da mulher como forma de compensação . Nunca vão à polícia”.
Não obstante, o artigo 36.º da Lei n.º7/2010, contra a violência doméstica, refere que estes crimes “têm natureza pública”, o que significa que o procedimento criminal não está dependente da apresentação de uma queixa por parte da vítima, sendo apenas necessário haver uma denúncia ou o conhecimento do crime para que o Ministério Público instaure um processo.
No sentido de reverter este cenário, para que os casos de violência doméstica sejam tratados nas instâncias competentes e haja o devido acompanhamento profissional às vítimas, desde 7 de março, que as sobreviventes da violência baseada no género podem contar, em Ermera, no Centro Comunitário de Saúde de Gleno, com um Espaço Seguro (Fatin Hakmatek, em tétum), preparado para prestar apoio de primeira linha, com uma equipa com formação especializada no acompanhamento destes casos.
Na cerimónia de inauguração do Espaço Seguro para as vítimas de violência de género, que aconteceu esta terça-feira, o médico do Centro Comunitário de Saúde de Gleno, Horácio de Araújo Maia, reforçou que, muitas vezes, os casos de violência baseada no género acabam por ser resolvidos no seio familiar, na maior parte das vezes por motivos financeiros. “A típica família timorense tem muitos filhos e o marido, por ser o único a auferir um salário, considera-se no direito de exercer qualquer tipo de violência sobre a esposa, que, por norma, não quer apresentar queixa à polícia com medo de que a sua única fonte de rendimento , o marido, seja preso e ela fique sem meios para sustentar os filhos”.
O profissional de saúde revelou que muitas destas vítimas precisam de recorrer a cuidados de saúde, mas omitem a causa dos ferimentos apresentados. “Agora poderão ser encaminhadas para o Espaço Seguro, onde vão receber apoio de uma equipa médica especializada no atendimento destes casos, que estará também encarregada de dar conhecimento às autoridades policiais da ocorrência deste crime público”.
Posteriormente, nos casos em que se justifique, as vítimas podem ainda ser transferidas para as casas de abrigo (uma mahan, em tétum) das organizações não governamentais nacionais (ONG) Praedet, Alfela (Assistência Legal para Mulheres e Crianças) e para outras organizações, em Díli, que acolhem temporariamente as sobreviventes deste tipo de violência.
A criação do Espaço Seguro resulta de uma parceira entre o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês) e da União Europeia (UE) para reforçar a resposta do setor da saúde à violência de género e eliminar qualquer tipo de violência contra mulheres e raparigas. Trata-se do segundo Espaço Seguro que surge como fruto da colaboração entre as duas organizações, depois de o primeiro ter sido inaugurado, no ano passado, no município de Viqueque.
O diretor regional da UNFPA, Bjorn Anderson, destacou que estas situações ocorrem devido à fraca qualidade dos serviços. “Há pouca coordenação entre os vários setores envolvidos neste tipo de casos: setor da saúde, serviço policial, sistema jurídico e a área da segurança social, o que representa um grande obstáculo para dar resposta efetiva à violência de género na região Ásia-Pacífico”.
Para o Embaixador da União Europeia em Timor-Leste, Marc Fiedrich, quando a violência baseada no género acontece na comunidade, nem todas as pessoas reagem da mesma maneira. “Muitas reagem imediatamente, outras, por considerarem ser um acontecimento normal na sociedade timorense e como comummente ouvimos bikan kanuru mak baku malu, em português ‘entre marido e mulher não se mete a colher’, não denunciam o crime”.
A Ministra da Saúde, Odete Belo, sublinhou que a violência baseada no género é um crime público e que “nenhum ato violento pode ser normalizado, porque atenta contra os direitos humanos.” Avançou ainda que o Governo tem tomado medidas para erradicar este problema. “No ano passado, o Ministério de Saúde desenvolveu um currículo nacional de formação para os profissionais de saúde, que fornecerá as ferramentas necessárias a todos os profissionais de saúde, permitindo-lhes estar devidamente preparados para atender casos de violência de género”.
O comandante da Polícia do município de Ermera, Justino Menezes, informou que, nos dois primeiros meses deste ano, o posto policial de Gleno registou dez casos de violência doméstica. “Normalmente, a polícia detém o suspeito durante 72 horas e examina o local do crime, leva a vítima ao hospital no caso de haver feridas graves e, finalmente, transfere-a para as casas de abrigo, em Díli. Posto isto, o processo é enviado para o Ministério Público”.
Já o Diretor-Geral da Secretaria de Estado da Igualdade e Inclusão, Armando da Costa, avançou que pretende estabelecer, também em Gleno, um centro focado no aconselhamento para as vítimas de violência de género. “O presidente da autoridade de Ermera já ofereceu um terreno, aguardamos a aprovação do orçamento”.
Segundo dados de 2016 dos Inquéritos Demográficos e de Saúde, 58% das mulheres no município de Ermera são vítimas de violência de género. Em todo o território timorense, de acordo com os mesmos dados, 50% das mulheres sofrem violência física e sexual por parte do seu parceiro.
E essa atitude alheia de “assunto privado” que nao ajuda a melhorar o problema.
Se um ser humano teu, irmao ou irma e vitima de maus tratos sejam eles quais forem, deve-se comunicar as autoridades competentes. Em muitos paises existe uma linha de telefone para o fazer anonimamente.
Acho que TL devia adoptar essa forma.