O Diligente saiu num fim de semana para conhecer a realidade da noite em bares e discotecas de Díli. Encontrou divertimento, mas ouviu queixas sobre as dificuldades de transporte, insegurança e casos de assédio sexual
Um passeio pela capital timorense numa sexta-feira ou sábado à noite revela o ambiente festivo que se vive na cidade. De Metiaut a Hudi Laran, zonas concorridas na noite da capital, luzes, música, carros e motas a preencherem os estacionamentos, seja à beira-mar ou em prédios, onde, no topo, se aglomeram dezenas ou até centenas de pessoas. Mas nem tudo é divertimento e “luz” na noite de Díli.
Sair à noite é, na opinião de alguns, arriscado. Octaviano Ferreira, 26 anos, tradutor e revisor de linguístico de conteúdos informativos, residente em Comoro, prefere ficar em casa e a razão é só uma: a insegurança. Para o jovem, “não é uma questão de medo, mas de prevenção”. O revisor fala dos homicídios com armas brancas, apedrejamentos entre grupos de artes marciais e rituais ou confrontos. “Evito sair depois das 21h”, confessa.
A preocupação do jovem não é descabida. São frequentes em Díli os distúrbios causados por grupos de artes marciais. Em setembro do ano passado, a morte numa cela da Polícia Nacional de Timor-Leste de um jovem pertencente ao PSHT levou a confrontos nas ruas da cidade entre elementos deste grupo, os 77 e as forças de segurança e defesa. Resultado: quatro feridos e quatro detenções.
À insegurança junta-se a falta de patrulhamento, diz. O jovem considera que as autoridades não tomam medidas adequadas para garantir a segurança da população durante o período noturno. Não se veem polícias nas estradas e a cidade não está totalmente iluminada: ainda há ruas sem luz à noite.
Contudo, não é só a insegurança que impede a saída à noite. As microletes de Díli circulam das 6h às 19h e os táxis, no máximo e com sorte, até às 22h. A mesma hora em que bares e discotecas abrem, o que faz com que quem não tem veículo próprio fique dependente de boleias.
Ofélia Martins, 26 anos, estudante da Universidade Nacional de Timor-Leste, costuma sair à noite, mas lamenta a inexistência de transportes públicos nesse período. Para a jovem, uma das vantagens da circulação de transportes seria a prevenção de acidentes, “porque muitos se devem ao excesso de álcool dos condutores”.
A violência não acontece só nas ruas. Bares e discotecas são também palco de confrontos e assédio sexual, problemas para os quais contribuem a embriaguez. A jovem conta um episódio de importunação que a assustou: “Numa discoteca, um bêbado perdeu o controlo e tentou aproximar-se para conversar. Com medo, afastei-me dele. Começou a gritar e apontar-me o dedo”. Fugiu imediatamente para casa.
É por esta razão que Paula Barros, 25 anos, funcionária da Eletricidade de Timor-Leste (EDTL), nunca sai sozinha para bares e discotecas. Tem sempre a companhia de, pelo menos, quatro ou cinco amigas ou de um amigo. “Muitos homens, quando estão bêbados, não se controlam e podem tocar-nos sem permissão”.
Não é essa a perceção de Paula Oliveira, portuguesa, 47 anos, professora da Escola Portuguesa de Díli. Está em Timor-Leste desde 2018 e também sai sempre aos fins de semana. Sente-se segura, tanto sozinha como acompanhada. “Ando de carro com vidros abertos. Nunca levei com pedras ou setas. Nada de nada. É um país muito seguro”. Acrescenta que, por vezes, há problemas, mas não com estrangeiros. “Os [jovens] timorenses sabem estar, conviver e divertir-se”, defende.
O Diligente falou com a proprietária do espaço noturno LA-CLU-BAR, em Metiaut, Leonarda da Silva Moniz, 56 anos, para saber como o estabelecimento assegura a resolução de eventuais problemas. A proprietária explica que o bar tem seguranças, que atuam sempre que o álcool começa a falar mais alto do que o civismo e para acalmar a situação. Revela-nos que, em julho, este estabelecimento vai celebrar um ano e ainda não registou qualquer confronto.
Apesar dos problemas, Ofélia Martins nota que há cada vez mais mulheres a sair e a divertirem-se em bares e discotecas, um facto que considera revelador de uma maior igualdade de género. “Antes, as mulheres não saíam por terem medo de a família e a sociedade as julgarem. Eu saio à noite e divirto-me. O importante é que não prejudico ninguém”, salienta.
Também a professora portuguesa destaca a maior presença de mulheres timorenses em espaços de divertimento. “Acho que as pessoas já perceberam que, independentemente do género, masculino ou feminino, as pessoas têm o direito de se divertirem e saírem à noite sem serem mal interpretadas pela sociedade. Já se nota esta grande evolução”.
Nem sempre a lei é cumprida à noite, nomeadamente pelos fumadores. O artigo 5.º do Regime de Controlo do Tabaco, aprovado em 2014, prevê a proibição de fumar “em todos os recintos públicos fechados, locais de trabalho e transportes públicos, como nos restaurantes, bares, salas de dança, karaoke e salas de jogos”. Não foi o que o Diligente observou em alguns bares e discotecas de Díli, apesar dos avisos da proibição visíveis nestes estabelecimentos,
É também clara a falta de controlo nas entradas. Bares e discotecas são frequentados por menores. Questionada sobre este problema, Leonarda da Silva Moniz diz que é muito difícil controlar a entrada de menores. Dá o exemplo da Austrália, onde é necessário mostrar o cartão de identidade e, se forem menores, são mandados logo para a casa. Diz, contudo, que já pediu às autoridades competentes para escreverem uma carta a chamar a atenção dos responsáveis de bares e discotecas para não permitirem a entrada de menores.