Uso excessivo do telemóvel prejudica a saúde mental e física, sobretudo dos jovens, alertam especialistas

Na pesquisa, metade dos timorenses classificou-se como dependente ou viciado no uso do telemóvel e 70% disseram que não conseguem ficar separados do aparelho por mais de cinco horas/Foto: Diligente

Pesquisa realizada pelo Diligente revelou que 74% dos utilizadores sentem tristeza e ansiedade quando estão longe dos aparelhos. Utilização desmedida afeta o raciocínio e contribui para o aparecimento de doenças como a depressão.

Ao longo do dia, o jovem Pedro (nome fictício), 23 anos, estudante da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL), é um jovem sociável, sorridente e sempre disposto a ajudar os colegas. Esse bem-estar, contudo, depende de uma condição: ter o telemóvel sempre ao seu alcance. “Fico stressado e ansioso, se não tiver o telemóvel na minha mão. É a primeira coisa que procuro ao abrir os olhos pela manhã”, contou.

O jovem acrescentou que, por norma, só deixa de usar o telemóvel quando o aparelho fica sem bateria. “Está bem para mim não tomar o pequeno-almoço, mas quando não me conecto ou o dispositivo está longe de mim, sinto um grande vazio. Não consigo respirar”, afirmou. Não são raras as vezes em que o jovem diz ter desmarcado ou adiado algum encontro com um amigo ou amiga para ficar a navegar pelas redes sociais.

Arnaldo José, por sua vez, 18 anos, estudante de enfermagem da Universidade de Timor Oriental (UNITAL), relatou que conheceu os jogos online, quando a irmã lhe ofereceu um smartphone. Desde então, confessou, tem manifestado comportamentos compulsivos. “Não consigo parar de jogar. É uma vontade incontrolável, um desconforto, que só passa quando estou a usar o telemóvel”, desabafou.

Já não se alimenta bem, passou a ter dificuldades com os estudos e a trocar o dia pela noite. “Passo mais tempo nas redes sociais do que a dormir. Estou sempre cansado. Já não sei o que fazer. E vejo que todos os meus amigos estão como eu”. Tal como Pedro, o estudante de enfermagem tem preterido os encontros reais por se sentir mais confortável no ambiente virtual.

Pode-se dizer que os comportamentos apresentados por Pedro e Arnaldo são característicos dos tempos atuais, em que as interações digitais são cada vez mais adotadas. Ficar sem telemóvel, ainda que temporariamente é, para muita gente, ficar sem uma forma de comunicar e contactar com o mundo e daí vem o medo e o desconforto. Esta sensação tem vindo a ser classificada pela Ciência como nomofobia – o medo de ficar sem acesso ao telemóvel.

Diversos estudos constataram que os estímulos rápidos gerados pelos ecrãs dos aparelhos, através de comentários, “gostos” (likes) e atualização infinita do feed nas redes sociais, libertam dopamina no cérebro – um neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e satisfação. A libertação de dopamina, alertam os especialistas, vicia, prejudicando o raciocínio e a saúde mental.

Crianças e adolescentes, por estarem numa fase da vida de muitas mudanças e amadurecimento de personalidade, são os grupos mais vulneráveis, argumentam os estudiosos.

“O vício destruiu a nossa capacidade de solucionar diferentes problemas na vida real”

A psicopedagoga Manuela Fontes destacou que o uso descontrolado dos telemóveis, além de limitar a capacidade criativa da pessoa, estimula o aparecimento de pensamentos negativos. “O vício [nos telemóveis] destruiu a nossa capacidade de solucionar diferentes problemas na vida real e também contribui para o aparecimento de problemas e de doenças, como a depressão”, observou.

Na avaliação da profissional, para evitar que o problema se manifeste e atrapalhe o desenvolvimento intelectual e cognitivo, principalmente de crianças e jovens, a comunicação no seio familiar, nestes estágios de crescimento, é fundamental.

“Os pais devem incentivar os filhos à leitura de livros, à prática de atividades desportivas ou promover outras dinâmicas lúdicas. Para o uso do telemóvel, se for o caso, devem ser criadas algumas regras, por exemplo, definindo limites de tempo”, opinou.

O psicólogo Elvis do Rosário, Diretor do Centro de Apoio à Saúde São João de Deus, em Laclubar, corrobora a análise de Manuela e reforça a importância de se criar espaço para diálogo entre os pais e os meninos e meninas. Em relação ao uso do telemóvel, é importante que se mantenham vigilantes, argumenta.

“É necessário criar o hábito de se utilizar os telemóveis em tempo e espaço adequados. A internet tem muitas vantagens. É preciso focarmo-nos nelas, usando essa ferramenta com moderação”, avaliou.

O uso abusivo das redes sociais, informou Elvis, tem um forte impacto na vida das pessoas e no sujeito que não se consegue separar do telemóvel. Pode provocar profundos desequilíbrios emocionais. “São fatores que prejudicam as pessoas e alteram o que é considerado normal em todos os aspetos sociais, físicos e psicológicos”, enfatizou Elvis.

Para quem, a exemplo de Pedro e Arnaldo, está a sofrer com os sintomas relacionados ao vício no telemóvel, o psicólogo aconselhou buscar ajuda profissional o quanto antes e, dentro do possível, adotar medidas preventivas. “É importante dar sempre prioridade às relações pessoais e conversas presenciais, desligar (ou largar) o telemóvel por pelo menos cinco horas por dia e lembrar-se de como era a vida antes da chegada das redes sociais”, concluiu.

Questionário revela que utilizadores têm consciência dos prejuízos, mas não conseguem deixar o telemóvel de lado

Segundo os dados da plataforma DataReportal, responsável por compilar informações sobre o uso de telemóveis e da internet, em Timor-Leste, em 2022, existiam 1,4 milhões de telemóveis ativos numa população de 1,3 milhões de habitantes. Os números revelam, portanto, que muitas pessoas no país possuem mais de um dispositivo telefónico – por exemplo, um telemóvel para o uso pessoal e outro para o trabalho.

Com o objetivo de conhecer melhor o cenário do uso de telemóveis pelos timorenses, o Diligente realizou um estudo anónimo com 30 utilizadores. Os participantes, de diferentes perfis e idades, responderam a um questionário com 12 perguntas.

O resultado revelou que 90% dos inquiridos estão conscientes de que o uso abusivo do telemóvel afeta a saúde física e mental. Reconheceram também que, através das redes sociais, as pessoas podem odiar-se, fazer e sofrer bullying, além dos constantes insultos que surgem em comentários a publicações. Apesar disso, admitem que continuam a gastar muito tempo nos dispositivos e aplicações como Facebook, Instagram e Tik Tok.

Mais de 50% das pessoas reconheceram que, todos os dias, passam, pelo menos, 10 horas nas redes sociais e cerca de 70% afirmaram que não conseguem ficar separados do telemóvel por mais de cinco horas. Metade dos participantes considera-se dependente ou viciado e confessa que “os dedos estão sempre a mover-se no ecrã do telemóvel, mesmo que não tenha mais ideias para pesquisar”.

Quase 80% dos utilizadores disseram que já deixaram de se encontrar com amigos e familiares para ficar no telemóvel. Contaram que, mesmo num encontro real com alguma pessoa querida, muitas vezes não há comunicação entre as partes, concentrando as atenções e o olhar no respetivo aparelho.

Por sua vez, para 74% dos participantes do questionário as sensações de tristeza, ansiedade e vazio existencial assombram-nos quando estão longe dos referidos dispositivos eletrónicos. “(Sem telemóvel) Sinto-me na escuridão, como se a minha vida estivesse incompleta. Acho que uma parte do meu corpo é o telemóvel”, resumiu um utilizador.

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