O brilho do sol ainda não se espalhou no coração do país, Díli. O ambiente é de silêncio. A maioria das pessoas dorme e ainda há pouca movimentação de carros e motas. O relógio marca 5h30 e, uma a uma, começam a chegar aos escritórios do notariado, no Ministério da Justiça, caras que não reconhecemos, mas rostos familiares entre os que ali trabalham. São funcionários da limpeza de uma empresa que trabalha nesta área.
Celestina Hoit, de 46 anos, é uma dessas funcionárias. Sai de casa, no Bairro Pité, em Díli, todos os dias, sem tomar o pequeno-almoço e só volta ao final da tarde, já perto do anoitecer – rotina que se repete de segunda-feira a sábado. Natural de Oecusse-Ambeno, precisa deste trabalho para sustentar as duas filhas. Tem como rendimento mensal 120 dólares, apenas mais 5 dólares do que o salário mínimo de 115 dólares – valor fixado em 2012 pela Comissão Nacional do Trabalho (CNT) para o setor privado, à semelhança do salário mínimo aplicado à Função Pública, e que não sofreu qualquer atualização até hoje.
O quotidiano de Celestina, no trabalho, consiste em limpar todas as divisões do edifício, esvaziar os cestos do lixo e arrumar as cadeiras e as mesas dos funcionários. Tarefas que faz diariamente desde 2019.
Também na capital de Timor-Leste vive Saul Pinto, de 33 anos, trabalhador de apoio técnico numa instituição do Estado, que optou por não revelar “por medo de represálias”. Começou a trabalhar como voluntário naquela instituição em 2019, depois de um recrutamento por mérito.
Na altura, enquanto voluntário, recebia apenas um subsídio de 50 dólares por mês. De lá para cá, passados dois anos, acabou por ser contratado e agora sustenta-se a si e à sua família também com um ordenado de 120 dólares.
Para este pai, com um filho, o salário é insuficiente. “Falar sobre o salário é sempre motivo de dor de cabeça. Quanto é que preciso para pagar a renda da casa, alimentação, transporte e eletricidade? Acha que dá? “Não”, lamenta, lembrando que, quando era jovem e não tinha ainda família, os 120 dólares até chegavam.
Celestina Hoit e Saul Lemos fazem parte dos 53 mil trabalhadores timorenses no setor formal (público) e informal (privado) do país, que, segundo dados de 2019 da Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE), recebem cerca de 115 dólares.
Saul Pinto confessa que, duas semanas após receber o salário, fica sem nada. A situação obriga-o a pedir dinheiro emprestado a amigos e colegas. “O salário não dá para a nossa vida. Tenho de pagar 50 dólares de renda e, além disso, guardo 20 dólares por mês para pagar semestralmente o curso da minha mulher, que estuda Gestão na Universidade da Paz”. O que sobra é para “alimentação, eletricidade e transportes para ir trabalhar”, diz com um semblante preocupado.
Para tentar melhorar estas condições, Saul quer criar um pequeno negócio em casa para vender cigarros e saldo de telemóvel.
Há mais de uma década que o salário mínimo em Timor-Leste não é revisto. Os baixos vencimentos fazem com que muita gente não se alimente adequadamente, viva sem condições mínimas e contraia dívidas.
Um aumento de 120 para 150 dólares chegou a ser proposto em 2019 pela CNT depois de uma reunião com a SEFOPE, a Confederação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Timor-Leste (KSTL, em tétum) e a Câmara de Comércio e Indústria de Timor-Leste. Em consenso, apresentaram ao Ministro Coordenador dos Assuntos Económicos (MCAE), um esboço de lei com a proposta de aumento para 150 dólares, mas o valor estabelecido em 2012 continua sem qualquer atualização até hoje.
Mais recentemente, de acordo com uma notícia publicada no Timor Post, o Ministro Coordenador dos Assuntos Económicos (MCAE), Joaquim Amaral, afirmou que o aumento do salário mínimo não é, para já, “um assunto prioritário” tendo em conta “a subida exponencial da inflação”.
Comer, estudar e (sobre)viver com o mínimo
“Numa noite em que não tínhamos mais comida, cozinhámos só um copo de arroz e um pacote de massa instântanea que teve de dar para quatro pessoas. Eu não comi. Guardei o meu prato para o dia seguinte para as minhas filhas poderem comer antes da escola”, conta Celestina com a voz embargada por não conseguir preparar uma refeição adequada para a família.
O marido, atualmente desempregado, era trabalhador na extração de areia na ribeira de Comoro. Cada ret, nome que se dá à quantidade total de areia que o camião consegue recolher, era vendida por 10 dólares. “Muitas vezes, estávamos um mês sem ninguém comprar”, diz Celestina.
Alimentos nutritivos são difíceis de encontrar nos pratos desta família. A falta de dinheiro leva esta mãe a pedir ajuda aos vizinhos. “O que eu preciso é de muito arroz. Já nos habituámos a comer sem vegetais”, confessa. A solidariedade mata-lhes a fome, mas não a vergonha.
Para se alimentar convenientemente, a família de Celestina precisaria de cerca de 168 dólares mensais. O estudo “Preencher as lacunas nutricionais de Timor-Leste” de dezembro de 2019, conduzido por várias entidades governamentais e não governamentais, dá conta que uma família de cinco pessoas residente em Díli necessita de 60 dólares mensais para se alimentar só de arroz e óleo. Uma dieta nutritiva custa 211 dólares. Em todos os municípios estudados, os custos de uma alimentação saudável ultrapassam o salário mínimo nacional.
Se só comer arroz, Celestina já gasta metade do salário. Mas ainda há a escola e a casa. Cada uma das duas filhas pede 1,50 dólares por dia para pagar a microlete (transporte público) e para alguma despesa que possa surgir na escola, em Becora. A mais velha, Maria Manuela Marçal, de 15 anos, frequenta o 10.º ano e a mais nova, Zénia Pascoela Marçal, de 13 anos, está no 8.º ano.
Em conversa, Celestina conta que, por vezes, não consegue fechar os olhos à noite, preocupada com o futuro das filhas. Sonha vê-las na universidade. “Não quero que as minhas filhas acabem como eu. Elas precisam de continuar os estudos para terem uma vida melhor”, desabafa.
Com o olhar perdido, o corpo pequeno e cansado, enterrado numa cadeira de plástico no alpendre da pequena casa de cimento, Celestina ouve o companheiro, Elísio da Silva, a contar que teve de vender a mota para ajudar a pagar as dívidas que o falecido marido de Celestina deixou.
A idade não corresponde à responsabilidade que este jovem de apenas 26 anos, com o 9º ano de escolaridade, carrega. O dinheiro da venda da mota não foi suficiente para saldar a dívida e a família viu-se obrigada a sair da casa onde morava, em Becora, pois já não conseguia pagar a renda há seis meses. Mudaram-se para Beduku. Aqui viviam num quarto arrendado que custava 35 dólares por mês, até serem expulsos pelo dono. “Pedi-lhe para esperar, expliquei que ia pagar os dois meses atrasados, mas ele respondeu que só tinha prejuízo e que tínhamos de sair”, lembra.
De novo sem conseguirem pagar a renda, tiveram de se mudar, desta feita para o Bairro Pité, onde moram atualmente, por ser mais perto do local de trabalho e mais fácil para apanhar transportes públicos. “Saímos de Beduku, com 16 dólares no bolso. Pagámos 12 dólares pelo aluguer do carro que levou os nossos pertences e sobraram apenas 4 dólares”.
A trabalhadora enviou então a filha mais nova para morar com um tio em Taibesi e mudou-se com o marido e a filha mais velha para um quarto que não tem mais de 12 metros quadrados, no Bairro Pité, também em Díli, que lhes custa 45 dólares por mês. A mesma casa acolhe quatro famílias de diferentes municípios. Por sorte, Celestina encontrou uma prima na residência e ajudaram-se uma à outra.
No quarto da família de Celestina, uma pequena mesa equilibra duas jarras de flores, uma imagem de Deus de mãos abertas e uma estátua de Jesus crucificado. “Temos de entregar tudo o que acontece na vida a Deus, porque Ele é a nossa salvação”, diz a trabalhadora, com a mão sobre o peito e o olhar apontado para o céu, como se esperasse um milagre. Quando falta tudo, Deus é refúgio.
Na mesa da cozinha, amontoam-se latas de açúcar e sal meio vazias, um velho termo e uma panela elétrica oferecidos pela prima. Num corredor estreito, de cimento frio, guardam-se os garrafões vazios para a água, escovas dos dentes em baldes, pratos, talheres e chinelos. Tudo no mesmo sítio onde também se lava a louça. A casa de banho, sem água canalizada, é a mesma para as quatro famílias que aqui moram.
No quarto manchado pela humidade e com cheiro a mofo, ao lado da lipa, tecido que serve de cortina para a luz que não entra, uma mochila, que anuncia em inglês o início do verão “Summer has come”, contrasta com o colchão pousado no cimento que acolhe o caos dos lençóis, das almofadas e da vida desta família que aqui descansa as mágoas do dia a dia. Esmagados contra a parede, amontoam-se sacos, cadeiras, cestos com roupa e documentos.
O aumento que deixou saudades
“Eu já ouvi que o nosso salário vai aumentar, mas não aconteceu. Não tenho poder para exigir, porque preciso mesmo deste trabalho para viver”, responde Celestina quando questionada sobre qual seria o valor ideal para viver na capital. A trabalhadora tem receio de perder a sua única fonte de rendimento.
A falta de perspetivas profissionais no país obriga os timorenses a continuarem a trabalhar, mesmo que o salário não seja suficiente para responder às necessidades das famílias. Saul Pinto é licenciado em Relações Internacionais pela UNPAZ e, apesar de muita procura, ainda não encontrou um emprego que lhe dê melhores condições que as que tem atualmente. “Ainda não tive sorte, tenho de ter paciência” afirma, esperançoso.
O aumento do salário mínimo tem sido assunto de debate em várias reuniões do Governo, em que estiveram presentes redes defensoras dos direitos dos trabalhadores, como a KSTL e grupos empresariais de Timor-Leste, mas ainda não há sinais de avanços.
O presidente da KSTL, Almério de Vila Nova considera que o salário mínimo atual, além de não cobrir as despesas dos trabalhadores, contribui para que grande parte da poppopulação timorense continue a viver abaixo do limiar de pobreza. Dados da ONU indicam que, atualmente, 42% dos timorenses vivem com menos de 1,50 dólares por dia.
“Já está mais do que na hora de o salário mínimo ser reajustado para um valor que seja, de facto, digno. Como está, é um desrespeito para o povo”, sublinha.
Caso as autoridades timorenses atualizem o salário mínimo, é preciso que a população e também o Governo tenham cuidado e atenção. O vice-diretor do Departamento de Ciência Económica da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL), Silvino Augusto Pinto Cabral, alerta para o cenário de uma eventual “manobra de aproveitamento” do tecido empresarial que, “para aproveitar o aumento do salário mínimo, pode decidir também subir o preço dos produtos” – o que, na prática, não configuraria um aumento real no poder de compra dos cidadãos.
Apesar disso, faz questão de sublinhar que o aumento do salário mínimo em Timor-Leste, é “um assunto importante, uma vez que não se pode ignorar os direitos das pessoas”.
Para os 53 mil trabalhadores timorenses que recebem 115 dólares mensais, como é o caso de Celestina e de Saul, resta-lhes esperar por uma atualização deste valor, que tem tardado em chegar. Até lá, trabalhar para sobreviver é a realidade que os continua a esperar, dia após dia.
Triste, muito muito triste, o proprio governo aproveita para explorar os proprios filhos da terra. Sera que o PM e senhores ministros conseguiriam fazer das tripas coracao com 120 dolares mensais?
Onde esta a decencia humana timorense?
Foi de ferias ou licenca ilimitada?
O senhor PR anda a dormir ou foi fazer mais uma viajem de caixeiro viajante?
Uma grande exploracao!
Uma grande exploracao
Do governo a seu filho, meu irmao
Decencia humana, onde esta teu coracao?
Porque teimas em ser aldrabao?
Das com a direita e tiras com a outra mao
Aquela vida de $120, e vida de cao
Oh pobres irmaos filhos de heroica nacao
Sinto vossa dor, estao a levar um safanao
Comer arroz seco, sem vegetais e pao
Massa (supermin) para quem e o futuro grao
A semente de revolta cria-se nesta geracao
Fora com todo Ze da governacao
Fora com todo Ze comilao
Que so da migalhas ao que em Timor e o embriao
De um futuro risonho, prospero, oh Ze fanfarrao
Oh Ze brincalhao
Oh Ze Vasconcelos, oh Ze Gusmao
Os vencimentos precisam de social consertacao
Voces felizardos que andam de carrao
E uma grande exploracao!
Que triste!