Timor-Leste sobe sete posições no Índice de Perceção da Corrupção, mas resultado não reflete a realidade, consideram especialistas

Publicado anualmente desde 2012, o IPC é considerado uma referência na análise da corrupção no mundo, sendo elaborado pela Organização Não Governamental (ONG) Transparência Internacional/Foto: DR

A falta de comissário da CAC, mudanças na legislação sobre comutação de pena e falta de transparência são apontadas como razões para a desconfiança.

Timor-Leste subiu sete posições no Índice de Perceção da Corrupção (IPC) de 2023, situando-se agora no 70.º lugar entre os 180 países analisados. O documento, divulgado na terça-feira (30.01), revela que a nação timorense, em relação ao levantamento de 2022, aumentou um ponto, obtendo a nota 43 (em que 100 é percecionado como transparente e 0 muito corrupto) – precisamente a média no âmbito global.

Publicado anualmente desde 2012, o IPC é considerado uma referência na análise da corrupção no mundo, sendo elaborado pela Organização Não Governamental (ONG) Transparência Internacional.

Contudo, especialistas em Timor-Leste consideraram que o estudo pode não refletir a realidade local, porque, no período, entidades que realizam investigação, como a Comissão Anticorrupção (CAC), ficaram alegadamente enfraquecidas. “Durante muito tempo não são feitas investigações, porque não há um comissário”, argumentou o jurista Armindo Amaral.

Criada em 2010, a CAC tem a missão de prevenir e investigar os crimes de corrupção nas formas consagradas no Código Penal timorense: peculato, abuso de poder, tráfico de influências, entre outros. Segundo a CAC, quase 25 milhões de dólares americanos de recursos públicos foram desviados em Timor-Leste entre 2016 e 2022. Desde o início de 2023 até o momento o órgão segue sem um comissário e, por isso, muitas denúncias e processos já instaurados ficaram parados.

Outros fatores, como a alteração à Lei da Comutação da Pena e o indulto dado pelo presidente da República, José Ramos-Horta, a duas ex-governantes condenadas por participação económica em negócio são apontados por Armindo Amaral como exemplos de situações que fazem duvidar dos resultados do IPC 2023 em relação a Timor-Leste.

“A corrupção no nosso país ainda continua a crescer devido à fragilidade das leis e à falta de seriedade dos líderes perante a questão”, afirmou o jurista.

Peritos da La’o Hamutuk, ONG que desde 2000 monitoriza o contexto socioeconómico de Timor-Leste, também se mostraram céticos relativamente à posição do país no IPC 2023. Os números do estudo, analisou a antropóloga e pesquisadora Ana Carolina Oliveira, “não revelam uma mudança estrutural no cenário de corrupção de Timor-Leste”.

Avançou que, mesmo que o IPC seja uma fonte importante para medir a questão, a evolução de Timor-Leste em 2023 pode estar relacionada com a piora de outros outros países, que desceram de posição. Para a antropóloga e pesquisadora, a perceção da comunidade timorense sobre a corrupção continua a ser igual. “As pessoas vivem uma situação bastante crítica, em termos de acompanhamento e questão de justiça”, avaliou. E acrescentou: “O índice constrói-se a partir dos stakeholders dos países, como o Banco Mundial e o Fórum Económico Mundial, que participou na pesquisa. Isso pode ser usado como fator político”.

Já Marta da Silva, pesquisadora da La’o Hamutuk para os assuntos da boa governação e direitos humanos, alertou para as possíveis interferências em instituições de investigação. “Muitos casos de corrupção são organizados. A lei defende que o dono de um processo em tribunal é o Ministério Público. Se houver uma intervenção política nesta instituição, pode ser que determinado caso não avance”, argumentou. Neste contexto, sublinhou que a falta de transparência no processo de Justiça contribui para a corrupção.

Marta da Silva observou ainda que os projetos mal cumpridos, em termos de qualidade e tempo de finalização, “devem ser investigados, pois trata-se de uso indevido dos recursos públicos”. Por fim, a pesquisadora enfatizou que os casos de corrupção se agravam na altura das campanhas eleitorais, uma vez que muitos empresários financiam os partidos para garantir que, se determinado partido ganhar, possam ser retribuídos com iniciativas públicas.

Enfraquecimento da justiça

O IPC 2023 evidencia que mais de dois terços dos países, como Timor-Leste, têm uma pontuação inferior a 50 pontos, “o que indica fortemente que têm graves problemas de corrupção”.

No entanto, a nação timorense é citada como um exemplo de melhoria no combate à corrupção, pois desde 2015, ano em que obteve apenas 28 pontos, tem aumentado a sua pontuação.

 

Índice de Perceção da Corrupção em Timor-Leste desde 2015 (Fonte: IPC)

No Sudeste Asiático, só Singapura e a Malásia estão em melhores posições, 5.º e 57.º lugares, respetivamente. O Camboja, na 158.ª posição, e Myanmar, na 163.ª, são os últimos da região no combate à corrupção.

A análise da Transparência Internacional no IPC 2023 baseia-se na forma como a injustiça e a corrupção se afetam mutuamente em todo o mundo. De acordo com a ONG, regista-se uma tendência global de enfraquecimento dos sistemas de justiça, o que “está a reduzir a responsabilização dos funcionários públicos e permite que a corrupção prospere”.

“Tanto os líderes autoritários como os democráticos estão a minar a justiça. Isto está a aumentar a impunidade da corrupção e até a encorajá-la ao eliminar as consequências para os criminosos”, refere o documento.

São ainda mencionadas as desigualdades no domínio da justiça: “Onde a corrupção é a norma, as pessoas vulneráveis têm acesso restrito à justiça, enquanto que os ricos e poderosos capturam sistemas de justiça inteiros, à custa do bem comum”.

Para a sua formulação, o IPC recorre a peritos, empresários e a dados retirados de 13 diferentes inquéritos e avaliações de corrupção recolhidos por uma variedade de instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fórum Económico Mundial.

O relatório do IPC 2023 deixa o alerta: “Quando a justiça é comprada ou sofre interferências políticas, são as pessoas que sofrem. Os líderes devem investir plenamente e garantir a independência das instituições que defendem a lei e combatem a corrupção”.

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  1. Joao Pestana, 9 anos, da escola primaria de Aitarak laran, chega a casa e diz pra sua maezinha; maezinha hoje vim a saber que subimos 7 pontos na percepcao da corrupcao.
    Seu irmao Carlinhos responde prontamente: subimos de elevador ou na escada da santissima trindade?

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