Tatuagens: uma arte que a sociedade timorense ainda discrimina

Eduardo Valente do Carmo começou a tatuar em 2022/Foto: DR

“És criminoso e ladrão. No futuro, vai ser muito difícil conseguires emprego” ou expressões como “Bikan Tinan Kiik”, que significa, em português, “és prostituta”. São insultos que Martinho Araújo, 25 anos, técnico jurídico, e Amélia (nome fictício), doméstica, 24, já se habituaram a ouvir das pessoas que, baseadas em estereótipos de que quem tem tatuagens é “drogado” ou “criminoso”, dizem da “boca para fora ”. Outras como “tu tens de sair do seminário, porque não gostamos que tenhas tatuagens” foram as palavras de um padre que acabaram com o sonho de Mário (nome fictício), 30 anos, de ser sacerdote em Timor-Leste.

Apesar de vivermos no século XXI, são muitas as pessoas no país que ainda criticam e discriminam quem tem tatuagens. Os homens são apelidados de criminosos. No caso das mulheres, são consideradas prostitutas. Ter uma tatuagem visível pode ser determinante numa entrevista de trabalho, porque, muitas vezes, os possíveis empregadores atribuem-lhes uma conotação negativa e chegam até a não selecionar candidatos tatuados, mesmo que estes cumpram os requisitos necessários.

Martinho Araújo contou ao Diligente que quando se candidatou a uma vaga de trabalho numa instituição bancária, passou na análise curricular e no teste, mas “quando cheguei à fase da entrevista, viram o meu pescoço tatuado e questionaram-me logo sobre isso, o que me deixou desconfortável ”. Na mesma hora, independentemente de qual pudesse vir a ser o resultado da seleção, “ganhei coragem e abandonei a entrevista, porque percebi logo que as tatuagens iam ser motivo de comentário”.

O jovem acredita também que noutro lugar vai “ser escolhido pela minha capacidade e não pelo meu aspeto. Os trabalhadores devem ser escolhidos de acordo com o seu mérito e não pela sua imagem. É preciso acabar como este sistema que estigmatiza as pessoas com tatuagens”, defendeu.

Araújo explicou ainda que prefere trabalhar em Organizações Não Governamentais (ONG´s) internacionais do que em instituições do Estado, porque nos estabelecimentos internacionais não se preocupam com o aspeto dos funcionários, desde que preencham os requisitos necessários para desempenharem determinada função.

“Timor-Leste é um país democrático e todas as pessoas têm o direito e liberdade de se expressar e fazer com o seu corpo aquilo que bem entenderem, desde que não prejudiquem ninguém”, sublinhou .

São várias as instituições que discriminam candidatos por terem tatuagens, independentemente do seu currículo e experiência. Exemplo disso mesmo é também o que aconteceu a 10 de novembro de 2022, na página oficial do Banco Mandiri: foram anunciadas duas vagas de trabalho e um dos requisitos era precisamente não ter tatuagens.

Amélia, mãe de três filhos, tatuou o nome do filho na mão, em 2018. Domingos (também nome fictício), seu marido, também tem tatuagens e apoia a esposa na sua decisão de querer tatuar o corpo.

Em 2020, Amélia tatuou flores nas costas e, em 2021, borboletas na perna. “A minha família olha para mim e não diz nada, mas sei que me julgam em silêncio. No entanto, não me preocupo, porque não fiz mal a ninguém e a opinião dos outros não me interessa”, confessa.

Martinho Gonçalves Araújo fez a sua primeira tatuagem, em 2018, quando fez 18 anos, porque adora arte e encara o seu corpo como “uma tela em branco que deve ser preenchida”.

Questionado sobre a reação da família, Araújo afirma que a maioria gosta, mas alguns tiveram medo que ele pudesse ter contraído alguma doença ao fazer a tatuagem. Confessou ainda que relativamente à primeira tatuagem, a sua namorada da altura não gostou, “mas o que importa é o que eu quero fazer com o meu corpo e o que eu gosto”.

Ultra Ink Studio, em Díli, cumpre todos os requisitos de higiene e segurança/Foto: DR

Em março de 2018, vários órgãos de comunicação social fizeram eco das palavras do Papa Francisco sobre tatuagens. O sumo pontífice falava, num encontro com jovens que pretendem seguir a vida religiosa, sobre os desafios das novas gerações cristãs, aconselhando-os “a não terem medo de tatuagens”.

As declarações do pontífice contrastam com o que aconteceu com Mário, que foi expulso do Seminário Maior em Díli, em 2019, precisamente por ter uma tatuagem. O ex-seminarista contou ao Diligente que fez uma tatuagem em 2005, quando tinha 19 anos. Passados 4 anos, em 2009, decidiu entrar no Seminário Menor em Balide, Díli. Na altura, alguns padres viram a tatuagem, “mas consideraram que foi algo que fiz no passado e que, naquele momento, já me tinha convertido e o importante era a minha vontade de estudar e de dedicar a minha vida à Igreja”.

No entanto, a partir de 2013 e até 2019, período em que continuou os seus estudos, desta feita no Seminário Maior, também em Díli, o “caso mudou de figura ”. O reitor do seminário, na altura, exigiu que ele removesse a tatuagem. O jovem seminarista dirigiu-se, então, a uma clínica que faz remoção de tatuagens, para ceder à exigência. No entanto, apesar de muitas sessões, não foi possível eliminar por completo a tatuagem. O mesmo padre tê-lo-á chamado e dito: “tu tens boas notas e a tua vida espiritual é boa, mas não gostamos que tenhas o corpo tatuado, por isso decidimos que não podes continuar a estudar no seminário”.

O jovem não teve outra hipótese a não ser aceitar a decisão do reitor, apesar de considerar que não ter uma tatuagem não é sinónimo de ser bom cristão. “Muitas pessoas rezam diariamente e não têm tatuagens, mas no dia a dia são pecadoras e contrariam todos os preceitos do cristianismo. Se as pessoas com tatuagens são más, como é que há tantas pessoas que vão à missa todos os dias, mas em casa são violentas com as suas esposas e filhos? Como é que há religiosos, que se dizem mensageiros de Deus na terra, vestem a batina branca, mas depois abusam sexualmente de menores? Como é que os líderes vestem fato e gravata, mas tantos são corruptos?” O jovem, cujo sonho de ser padre foi destruído por preconceitos da própria Igreja católica, apela a que “se deixe de julgar as pessoas pela sua aparência”.

Eduardo Valente do Carmo, proprietário do Ultra Ink Studio, estúdio de tatuagem em Díli, explicou ainda, relativamente às questões de saúde e higiene, que todo o processo de realização de tatuagens é muito rigoroso e cumpre todos os requisitos obrigatórios: “uma agulha para cada cliente, luvas enquanto se tatua, para além de todo o equipamento ser sempre esterilizado para evitar possíveis contágios”. Para além disso, garante sempre que a pessoa que vai tatuar tem mais de 18 anos.

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