Tabu: Timor-Leste precisa de falar sobre o suicídio

O suicídio, na nossa sociedade, é visto como tabu por se acreditar que falar sobre o assunto pode estimular as pessoas a suicidarem-se. O tabu nasce das experiências de cada um, da sociedade, dos valores e dos princípios de determinada cultura ou religião.

A crença religiosa em Timor-Leste afirma que a vida não é da pessoa, é de Deus. Quando acontece um suicídio numa família, toda a família fica com vergonha e sente-se culpada ao invés de procurar compreender as causas. Ou seja, o foco é no facto e não no processo que levou à sua consumação.

Muitas pessoas romantizam o suicídio, dizendo que é uma opção de vida, mas não é. Quem fala assim não tem conhecimento sobre o assunto. A própria natureza humana sente-se desconfortável com a morte, não a aceita.

O tabu também se manifesta na vergonha das próprias pessoas que estão a passar por algum tipo de sofrimento psicológico. Tendem a fingir e a esconder a sua dor por medo de serem julgadas pela sociedade, que as chega a considerar loucas. No entanto, quando o sofrimento não é partilhado e compreendido, quando não se procura ajuda de um profissional, qualquer pessoa pode querer pôr termo à sua vida, independentemente da classe social, cultura ou religião.

O suicídio e o processo que leva alguém a praticá-lo devem ser discutidos nas escolas, nas famílias, na comunidade e nos centros de saúde. O tabu do suicídio deve ser entendido por todos através da compreensão da história da pessoa que o comete, dos seus valores, das suas dores, do seu pensamento e sentimentos, não através de crenças de proibição. A cura começa pela fala, pelo diálogo.

Timor-Leste é um país em desenvolvimento, com muitos desafios, obstáculos, problemas sociais, políticos e económicos. Este contexto requer ainda muito suporte e apoio externo.

Quando falamos de saúde mental em Timor-Leste, devemos estar conscientes de que o país não tem uma política própria de saúde mental organizada técnica e profissionalmente nem uma estratégia nacional de prevenção do suicídio. Assim, não há dados de suicídio a nível de aldeias, sucos, postos administrativos, municípios ou a nível nacional. Não há programas de saúde mental que abranjam toda a população, falta uma rede de saúde psicossocial com profissionais especializados. Não existem equipas estruturadas de saúde mental em cada centro de saúde e há falta constante de medicamentos psiquiátricos. Tudo isto faz com que o número de recaídas no processo de cura das doenças mentais aumente. Apesar de ser uma área que carece de ajuda urgente, o Estado, especificamente o Ministério da Saúde, não investe na saúde mental.

Prevenir os problemas é essencial para uma sociedade saudável. Se não cuidarmos da saúde mental dos nossos cidadãos e da nossa família hoje, estamos a criar um “vírus” para a nossa sociedade futura, que será caótica e com muitas pessoas com transtornos mentais.
Pesquisas mostram que o índice de suicídio é alarmante a nível mundial. A cada 40 segundos, uma pessoa suicida-se e, a cada 20 segundos, uma pessoa tenta suicidar-se.

Sinais de alerta mais comuns

Há características e sinais de alerta que podemos identificar, diferenciadamente, nas crianças, adolescentes, adultos e idosos de modo a prevenir o suicídio. Os sintomas mais comuns são o isolamento afetivo, o sentimento de desamparo e desesperança, a baixa autoestima, problemas de relacionamentos, irritabilidade excessiva, violência psicológica, física, sexual, problemas de saúde mental, sofrimento e inquietações sobre a sexualidade, interesse por conteúdos de comportamento suicida ou autolesão em redes sociais e virtuais.

Durante a pandemia, registaram-se muitos suicídios devido à depressão e ansiedade causados devido ao isolamento social, ao desemprego, ao medo de morrer, ao medo de ser infetado, ao stresse de perder entes queridos e à falta de apoio económico, social e psicológico.

O suicídio tem causas multifatoriais relacionadas com o mal-estar biológico, social, psicológico e espiritual. Se o suicídio é uma questão de saúde mental e de saúde pública, cabe ao Ministério da Saúde, como pilar importante, traçar planos e programas concretos de prevenção.

Os transtornos mentais e outros traumas são também fatores determinantes que podem levar a pessoa a ter pensamentos suicidas. Pode ver-se isso de forma clara e consistente a partir da experiência de atendimento clínico a pacientes com transtornos mentais, do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais e de Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento.

Portanto, os transtornos mentais que apresentam maior probabilidade de desenvolver características comportamentais e pensamentos de suicídio são traumas de abusos físicos, sexuais, psicológicos, depressão, transtorno de personalidade borderline, stresse agudo, uso excessivo de drogas e bebidas alcoólicas, esquizofrenia, transtorno bipolar na fase maníaca e depressiva, comportamentos violentos, luto de entes queridos, entre outros.

Em Timor-Leste, percebe-se que alguns fatores sociais (condições sociais e económicas pobres e precárias), culturais (dote, lia mate-lia moris, lia mean lia metan, crenças tradicionais e religiosas) e políticas mal interpretadas contribuem negativamente para a saúde mental e biológica do povo. Os fatores de risco devem ser identificados na família, na escola, nas instituições e nos locais de trabalho.

Atuação do profissional de saúde mental no tratamento e prevenção

A intervenções de prevenção do suicídio começam a partir da verbalização para o outro, da dor e do sofrimento da própria pessoa. Depois é necessário criar uma equipa própria e programas de prevenção e de tratamento. A verbalização da dor é o começo da cura e isso só acontece quando há compreensão da dor do outro. Recomenda-se que a pessoa em sofrimento procure sempre profissionais especializados em saúde mental, psicólogos e psiquiatras para acompanhamento e tratamento adequados.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 90% dos suicídios são potencialmente evitáveis. O que deve ser feito no dia a dia na nossa família e com os vizinhos é compreender que o suicídio é um assunto complexo e multifatorial. É necessário sensibilizar as pessoas para perceberem o tema, ter empatia, informar onde procurar ajuda, respeitar o luto, usar e divulgar fontes de informação confiáveis, interpretar cuidadosamente os sinais, abordar os sinais de risco e alerta e mostrar que há alternativas ao suicídio.

Elvis do Rosário

Psicólogo Clínico e Diretor do Centro de Apoio à Saúde São João de Deus (CAS-SJD), no suco de Funar, em Laclubar, município de Manatuto. Também é Ecónomo da Missão da Ordem Hospitaleira São João de Deus em Timor Leste, Responsável da Pastoral Juvenil e Vocacional, Membro da Comissão Geral da Formação da Ordem Hospitaleira a nível mundial e regional da Ásia-Pacífico.

É formado em Ciências Religiosas pelo Instituto de Ciências Religiosas (ICR), em Díli, Psicologia pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE), em São Paulo/Brasil, especializado em Psicanálise pela Faculdade Unyleya e Psicologia Clínica e da Saúde pela Sociedade Brasileira de Psicologia, em São Paulo.

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  1. A maioria dos politicos em Timor ou em qualquer outra parte do globo terreste, esta desfasado da realidade nua e crua da vida quotidiana dos seus constituintes. Eles vivem uma realidade completamente diferente. Porque? Porque nao sofrem na pele aquilo que mais de 90% da populacao sofre. Eles nao dao um chavo, ser politico nos dias de hoje e como qualquer outra profissao. Triste mas e a realidade!
    Os politicos de Timor Leste sofrem daquilo que eu nao sendo psicologo, afirmaria de PSTD, “POS STRESS TRAUMATIC DISORDER”!
    Por isso e que ponho todos os meus ovos na geracao vindoura. Nao estou a criticar ninguem nao me sinto no direito de o fazer, e apenas um “achega” como filho de TL!

  2. A vida a “passos largos” nos dias de hoje, requer de todos nos uma atitude completamente diferente dos nossos pais e antepassados. E necessario ser capaz de acompanhar as mudancas, e necessario fazer das “tripas CORACAO, e necessario aprender, desamprender e apreender de novo”!
    Que nao se confunda ” CULTURA” com “NECESSIDADE”, a cultura e um sonho como qualquer “miragem”, a NECESSIDADE e um “BICHO QUE GOVERNA A REALIDADE ”
    Como e que eles podem andar de “mao em mao”?
    Pergumtem ao Maromak Maubisse
    Eu pecador me confesso estou perplexo.

  3. As agruras da vida, a necessidade de estar e acompanhar a mudanca, e o factor fundamental de qualquer POVO de qualquer Nacao, de qualquer individual. Os cidadaos de qualquer outro pais tem dificuldade de acompanhar o
    ritmo acelerado da mudanca. Timor, o nossTimor tem de trabalhar “TRIPLE TIME”
    Pensar de outra maneira, e ser ingenuo, ser sonhador! Eu durmo sem sobresaltos 7 horas todas as noites a nao ser quando estou num “hader maten” ou kore metan.

  4. O suicido politico causa mais suicidios humanos. A fe crista ou outra muitas vezes causa suicidios, desespero.
    O suicidio ou querer para-lo e como querer erradicar seja o que for. Pode-se minimizar, mas erradicar?
    Para muitos governos e politicos, o suicidio e positivo, significa gente a menos para pagar pensao, encargos, aquilo que os humanos tem direito.
    Os humanos usam o suicidio como ultima maneira, ultima solucao. Nao acredito que usem o suicidio porque esta em voga, porque e da praxe.
    Cabe aos politicos e as autoridades que: “step up a gear”!

  5. Muitos parabéns, Diligente pelo grande trabalho.
    Tenho lido as vossas notícias e vejo que vocês têm trazido temas e assuntos muitíssimo pertinentes, mas quase esquecidos e desvalorizados pela maioria.
    Diligente, enquanto órgão de comunicação social timorense, é um exemplo para os outros, em vários níveis: pelos temas e assuntos tratados nas suas notícias, pelo rigor na sua escrita, contribuindo para o ensino-aprendizagem do português.
    É disso que a sociedade timorense precisa.

    Bom trabalho e Muitos sucessos para toda a equipa

  6. Parabéns a OHSJD, por ter o primeiro irmão timorense, formado em Psicologia clinica.
    Parabéns irmao Elvis, por estar preparado profissionalmente, numa area tao especifica, que fará da sua vida e da sua missao, um autentico “ministério sacerdotal” ao servico do povo de timor. Rezo para que assim seja!
    Parabéns!
    Uma missionaria em Timor.
    Irmã maria da luz

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