O Governo timorense aprovou, no final de janeiro, o diploma que regula a comercialização dos substitutos do leite materno. O decreto-lei apresentado pela ministra da Saúde, Odete Belo, estabelece regras para a comercialização, informação, publicidade e controlo de qualidade dos leites destinados (direta ou indiretamente) à alimentação de crianças até três anos.
O diploma aprovado em Conselho de Ministros “procede à regulação das substâncias nutritivas e dos critérios de composição dos substitutos do leite materno, estabelece as regras da sua publicidade, define as regras relativas à informação, rotulagem e embalagem e indica quais as entidades competentes para a autorização de comercialização”.
Yane Maia, 28 anos, revisora linguística de conteúdos informativos em português, mãe de dois filhos, um de dois anos e outro com um, não conseguiu amamentar, porque as crianças tiveram dificuldade na “pega da mama”. “Enquanto mães, tentamos fazer sempre tudo pelos nossos filhos” e Yane conta que ainda tentou extrair leite materno com uma bomba manual, mas “era muito cansativo e doía muito”, lamenta. “Fiquei muito triste por não conseguir amamentar e o leite de substituição foi o último recurso.”
Viu-se assim obrigada a alimentar os dois filhos com leites de substituição, nomeadamente “Lactogrow” (Nestlé) ou SGM (marca indonésia, à venda nos quiosques da cidade). Confessa que, quando compra o leite de substituição, não verifica, por exemplo, a percentagem de açúcar e está mais atenta às vitaminas e aos minerais. Contas feitas, gasta cerca de 150 dólares americanos por mês, 100 para o filho mais velho e 50 para o mais novo, a quem já conseguiu introduzir outros alimentos além do leite.
Relativamente à regulação aprovada, considera “benéfica, uma vez que garante que estamos a comprar produtos de qualidade para os nossos filhos.”
De acordo com o porta-voz do Conselho de Ministros, Fidélis Magalhães, é essencial “padronizar o leite em pó para as crianças, porque muitos destes produtos não têm valor nutritivo e apresentam elevadas quantidades de açúcar”, o que contribui para a desnutrição das crianças que consomem leites de substituição.
Yane revela ainda que conhece casais que optam pelo leite de substituição “por considerarem que tem mais qualidade do que o leite materno, mesmo tendo a mãe condições físicas para amamentar”. Alerta para o facto de esta escolha se dever “à falta de conhecimento ou consciência relativamente aos benefícios do leite materno”.
Mónica de Araújo, professora de português, 28 anos, é mãe de um bebé de 11 meses e está grávida de quatro meses, do segundo filho. Defende que “o leite materno é capaz de suprir todas as necessidades nutritivas do bebé”. Por isso, o leite materno foi sempre a sua primeira opção. No entanto, assim como Yane, as leis do corpo humano também travaram a escolha. Conseguiu amamentar o primeiro filho até aos quatro meses, mas, “quando a licença de maternidade terminou e tive de regressar ao trabalho, comecei a introduzir o biberão através do extrator de leite, o que fez com que o meu leite secasse”, lembra. Como passava muitas horas no trabalho, também acabou também por ter de introduzir o leite de substituição. “Custa muito, porque, quando amamentava a minha filha, sentia mais proximidade, uma ligação maior e agora sinto um afastamento.”
Relativamente à introdução do leite de substituição, Mónica realça a importância do aconselhamento médico para poder fazer uma escolha informada. Durante a gravidez, “sempre fui acompanhada por uma ginecologista, mas há muitas mulheres grávidas que não têm consciência da importância do leite materno ou de qual é a melhor alimentação para o bebé e até para a mãe.” No hospital público, “às vezes, o acompanhamento também não é o melhor” e as mães acabam por comprar sem aconselhamento nenhum.
“Fui à médica e ela sugeriu o leite S-26. É muito caro. Gasto entre 150 a 180 dólares americanos por mês, mas, felizmente, tenho possibilidade de comprar sem que isso interfira muito no orçamento familiar”. A jovem mãe, que concorda com a regulamentação dos leites de substituição, deixa um alerta: “Nem todos os pais têm poder de compra para adquirir o leite mais caro. É importante que os preços sejam acessíveis a todos, com a mesma qualidade”.
Lamenta ainda que, em muito locais de trabalho, “não haja condições para as mães poderem amamentar ou espaços privados onde possam extrair leite e evitar que a produção diminua”, como foi o seu caso: “Extraía às 8h da manhã e depois só podia voltar a extrair às 19h”, explica.
Por último, sugere ao Ministério da Saúde que estude a possibilidade de criar um banco de leite materno e de estabelecer um incentivo financeiro para as mães com mais dificuldades económicas poderem comprar leites de substituição de qualidade.
No lançamento da construção do novo edifício de Pediatria e Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Nacional Guido Valadares, a ministra da Saúde, questionada sobre o diploma, destacou “a importância do leite materno nos primeiros meses de vida do bebé”. Também nesse sentido, o diploma realça a necessidade de assegurar “a qualidade dos respetivos substitutos, mas também a não interferência da sua promoção e distribuição com a proteção do aleitamento materno, seguindo as recomendações do Código Internacional de ‘Marketing’ de Substitutos do Leite Materno e das resoluções subsequentes da Assembleia Mundial da Saúde”.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2022, mostra que “os fabricantes de leite artificial usam redes sociais e têm um número significativo de seguidores para gerar interesse em determinada marca, serviço ou produto através das referências ou das recomendações que se fazem nesses meios, terem acesso direto a mulheres e aumentarem as vendas”, numa indústria que está avaliada em 55 mil milhões de dólares americanos. A publicação refere-se a “ações de marketing que prejudicam os esforços para aumentar as taxas de amamentação”, realçando os anúncios promocionais que os consumidores não entendem como publicidade.
O projeto de Decreto-Lei aprovado pelo Governo entrará em vigor depois de promulgado pelo Presidente da República, José Ramos-Horta. Para além de contraordenações pecuniárias, que podem ir dos mil aos 4 mil dólares americanos, prevê também sanções como “a suspensão da comercialização do produto”.
Oh leite materno, oh leite materno a quanto obrigas.
A minha querida mae que Deus a tenha, nos anos 40 e 50, em Timor, nao tinha leite proprio nem de cabra ou vaca. Leite em po proveniente da Australia foi o que fortificou.
O Sr Albano Mutin do Comoro ainda tentou engarrafar leite de cabra, mas considerem-se felizardos em terem hoje escolha.