Subida de preço do arroz afeta famílias carenciadas em Timor-Leste

Grande parte do arroz comercializado em Timor-Leste ainda é importada de outros países/ Foto: Diligente

Inflação, aumento das taxas de importação e dos custos de transporte obrigam comerciantes a vender o arroz a um preço que muitos consumidores não conseguem acompanhar.

“Não tenho dinheiro suficiente para comprar um saco de arroz, porque o preço já é muito elevado. Decidi comprar apenas duas latas de arroz avulso por 1,50 dólares para poder alimentar os meus quatro filhos”, foi assim a conversa com Anabela Pinto Sarmento, de 42 anos, numa segunda-feira, num supermercado do Bairro Pité, em Díli. Desempregada, a mulher suspira quando questionada sobre o impacto do aumento do preço do arroz, base da alimentação dos timorenses.

Diz que, hoje, já não consegue acompanhar os preços do mercado. “Um saco de arroz de 25 quilogramas custava, no máximo, 14 dólares. Ainda era um valor compreensível. Agora o preço subiu muito e não tenho capacidade financeira para conseguir comprar a mesma quantidade que adquiria anteriormente”, admitiu.

A mulher relatou que ela e o marido, que trabalha como segurança, agora só consomem um pouco de arroz quando o homem consegue um dinheiro extra. “Duas latas de arroz não são o suficiente para todos”, contou a mulher, com um semblante triste, num supermercado no Bairro Pité.

Não é só a família de Anabela Sarmento a sentir dificuldades. Muitas outras em Timor-Leste estão na mesma situação nos últimos dias, quando o preço do arroz subiu. Um saco de 25 quilogramas passou a rondar os 18 dólares.

Após a conversa com Anabela, a equipa encontrou ainda no Bairro Pité, mas em outra zona, Ana de Deus, 34 anos, a tentar ganhar algum dinheiro com a venda de doces e frutas em frente a uma loja chinesa.

Mãe de seis filhos, a trabalhadora também luta para alimentar a família, lamentando a inflação dos preços de bens alimentares. “O preço já está muito alto. No entanto, tenho de me esforçar para garantir que os meus filhos possam continuar a comer arroz. Se não, o que vamos comer?”, deixou no ar a questão.

“Por mês, consumimos dois sacos de arroz. Com este preço atual, já não conseguimos comprar a mesma quantidade. Estamos a tentar garantir o dinheiro para pagar os estudos dos nossos filhos, mas não estamos a conseguir, porque aumentaram muito as despesas com alimentação”, confessou Ana, embaraçada.

O marido da Ana é vendedor de peixe e o rendimento depende da sorte. Num dia bom, pode ganhar 10 dólares e o dinheiro vai diretamente para os estudos dos filhos. O que sobra, é para cobrir as necessidades básicas da família.

Com 34 anos e com dificuldades em sobreviver num país afetado pela inflação, Ana sugeriu que o Governo controlasse as empresas distribuidoras, para baixar o preço do arroz. Só desse modo, explica, é que “as famílias carenciadas podem conseguir comprar, nem que seja um saco de arroz por mês”.

Em linhas gerais, o aumento no preço do arroz está relacionado com a subida no valor no produto nos países exportadores. Grande parte do arroz consumido em Timor-Leste vem do estrangeiro, já que o país ainda não produz em quantidade suficiente para responder à demanda local.

Comerciantes também reclamam

Dono de uma loja no Delta 2, Abdul Husen ressalta que os comerciantes “não inventam o preço do arroz”. Abdul explica que a empresa PERISSOS está a par do problema, sabendo que “estamos aqui a revender o arroz. Com os gastos que temos, no final ganhamos apenas 25 ou 50 centavos por cada saco”. A PERISSOS é uma das responsáveis por distribuir o arroz importado que chega a Timor-Leste.

Abdul, natural do Bangladesh, confirmou que o preço de arroz começou a subir em maio deste ano, depois das eleições parlamentares. “Antes comprávamos um saco de 25 quilos por 13 dólares e meio e vendíamos por 14 dólares. Agora, um saco com a mesma quantidade custa 16,50 e temos de vender por 17 dólares ou mais”, esclarece, enquanto atende alguns clientes.

Já no Bairro Pité, Francisca Barreto Martins, dona de uma loja, corroborou as declarações de Abdul. A comerciante contou que têm sido frequentes as vozes de protesto dos clientes, que reclamam dos preços elevados e culpam os comerciantes por isso.

Francisca, contudo, argumenta que os comerciantes têm de acompanhar a inflação. “O preço do arroz na minha loja depende do valor de cada saco que compramos à empresa distribuidora. Por exemplo, na empresa PERISSOS, um saco de 25 quilogramas custa 17 dólares, então vendo-o a 17,50, para ter uma margem de lucro de 50 centavos, em cada saco”, justificou.

O Diligente entrou em contacto com o dono da PERISSOS, porém não obteve resposta até à publicação deste artigo.

Aumento de preços

Dados do Banco Mundial revelam um aumento de 4,6% no preço do arroz em julho em relação a junho. A instituição utilizou como referência os valores de dois dos maiores exportadores mundiais do produto, Índia e Vietname. De acordo com os números, em apenas um mês o preço médio de uma tonelada do arroz saltou de 503,5 dólares para 526,8 dólares. O valor médio atual da tonelada do produto, em comparação com os valores de janeiro e março deste ano, subiu aproximadamente 11%.

O Banco Mundial também revelou uma subida de 8,2% no preço do barril de petróleo. Em junho, a média era de 73,2 dólares e, em julho, passou a ser de 79 dólares. Esse aumento destoa da tendência mostrada no primeiro semestre, período em que o valor do barril vinha apresentando uma diminuição.

A situação do aumento no preço do arroz foi tema de discussão no Parlamento Nacional. Em sessão plenária na semana passada, a deputada Cristina Rebelo dos Santos, da FRETILIN, pediu ao Governo que tome medidas urgentes para evitar que os valores subam ainda mais.

“A AIFAESA [Autoridade de Inspeção e Fiscalização da Atividade Económica, Sanitária e Alimentar] deve intervir no mercado o mais rápido possível, para evitar a manipulação de preços. Isso é uma solução a curto prazo. A longo prazo, o Governo deve investir mais no setor produtivo para diminuir a dependência dos produtos importados”, afirmou.

Já o deputado Gabriel Soares, do CNRT, defendeu uma mudança na lei para diminuir as taxas de importação. “Os comerciantes não têm culpa. Precisamos debater aqui no Parlamento sobre as taxas associadas aos produtos importados”, opinou.

No último sábado (5/08), o ministro do Comércio e Indústria, Nino Pereira “Prego” declarou, na sua página do Facebook, que a subida do preço do arroz se deveu, primeiramente, ao aumento do preço nos países que exportam o produto para Timor-Leste. Além disso, explicou, existe “a aplicação da taxa de descarga no porto de Tibar e o custo do transporte desde o porto até ao armazém da empresa distribuidora”.

A publicação foi motivada por uma visita surpresa que o ministro e sua comitiva fizeram ao armazém da distribuidora PERISSOS, em Hudi Laran. O governante, na ocasião, escreveu na rede social que a inflação associada ao arroz “relembra-nos da urgência em investir seriamente na produção agrícola dentro do país. Vivemos numa terra fértil, mas a nossa barriga continua a depender dos produtos importados”.

No ano passado, o Ministério da Agricultura e Pescas (MAP) revelou que Timor-Leste produziu, em 2022, aproximadamente 86 mil toneladas de arroz, enquanto que a demanda necessária para dar resposta ao consumo anual seria de, no mínimo, 130 mil toneladas.

“Consumir arroz importado já faz parte da cultura dos timorenses. Temos de mudar este costume e passar a utilizar os produtos que cultivamos. Os timorenses devem acordar para esta realidade e começar a aproveitar as várzeas e as hortas que temos”, alertou o ministro.

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