Sem apoio, população do suco Loré, em Lautém, esforça-se para preservar tartarugas

Depois de 21 dias, escava-se a areia para libertar os filhotes de tartaruga no mar/Foto: José Monteiro

Grupo, que desde 2018 diz já ter libertado 3.800 filhotes ao mar, queixa-se da ausência do poder público. Animais estão em risco de extinção e são fundamentais para a manutenção do equilíbrio do ecossistema.

A cerca de 10 metros da praia do suco Loré, no município de Lautém, no meio de um grande jardim florido (Phlox carolina) e protegido por uma cerca de madeira, encontram-se, debaixo da areia branca, pelo menos 400 ovos de tartaruga, divididos em quatro ninhos. A área, de aproximadamente dois metros quadrados, é rodeada por ramos secos de limoeiro com grandes espinhos e por zinco – estrutura para reforçar a proteção contra predadores, tanto animais como humanos.

Este é o trabalho de um grupo que, desde 2018, se dedica à preservação dos ovos de tartaruga. O coletivo, que começou com 60 membros da população local, reduziu-se agora para metade dos elementos devido à falta de remuneração. Atualmente, apenas cinco membros ativos percorrem o areal todos os dias à procura de ovos de tartaruga para conservar.

O movimento surgiu no seguimento de uma ação de sensibilização do então governo para a importância de proteger os quelónios que se encontram em perigo de extinção: os animais são fundamentais para a manutenção do equilíbrio do ecossistema. Segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), seis de sete tipos de tartarugas correm risco de desaparecer.

O técnico de conservação de áreas marinhas protegidas, José Monteiro, informou que em Timor-Leste há três espécies dos animais: tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), tartaruga-verde (Chelonia mydas) e tartaruga-marinha-australiana (Natator depressus). Mesmo que ainda não a tenha avistado, o também mergulhador de até 50 metros de profundidade desconfia que a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriácea) também habite o país.

Entre as três variedades identificadas em Timor-Leste, e de acordo com a UICN, a tartaruga-de-pente está ameaçada e não há dados suficientes sobre a tartaruga-marinha-australiana. Entretanto, a existência da tartaruga-verde, segundo a lista atualizada da UICN, divulgada pela National Geographic de Portugal, encontra-se em estado crítico devido às mudanças climáticas.

“Se não conservarmos as tartarugas, um dia, as gerações futuras podem não as ver diretamente, mas só através de imagens”

Desde 2007, os nove sucos de Lautém (Com, Bauro, Mehara, Tutuala, Muapitine, Loré, Iliomar 1, Iliomar 2 e Alebere) passaram a fazer parte do Parque Nacional Nino Konis Santana.

A criação do Parque Nacional deveu-se à “grande diversidade de espécies, ecossistemas, habitats, florestas tropicais” e ao “elevado nível de endemismos e de biodiversidade marinha”, conforme consta na resolução nº 8/2007, que versa sobre a criação da área.

No Parque Nacional, que ainda abrange o Triângulo de Coral – considerada uma das zonas de mar com maior diversidade biológica no mundo –, são proibidas as atividades que ameacem a sustentabilidade do ambiente e dos recursos naturais, tal como a captura de espécies protegidas, das quais a tartaruga faz parte.

Antes, a população do suco Loré referia-se às tartarugas como alimento. Acácio Ramos, 52 anos, membro do grupo de conservação da espécie, capturava os quelónios, considerando os animais como “modo” (vegetais, tradução literal para português), expressão usada para qualquer tipo de alimento que serve como acompanhamento do arroz, a principal comida dos timorenses.

No entanto, desde a proibição e graças à sensibilização realizada no seu suco, o também agricultor decidiu não consumir mais tartarugas e comprometeu-se a protegê-las, passando a integrar o movimento  de conservação. “Se não conservarmos as tartarugas, um dia, as gerações futuras podem não as ver diretamente, mas só através de imagens”, observou.

Questionado sobre a existência de captura clandestina, Acácio Ramos disse que, depois da proibição, nunca viu ninguém a capturar tartarugas ou os seus ovos.

José da Costa, um residente da aldeia Lori, corroborou, partilhando que deixou de capturar tartarugas por entender a necessidade de as preservar, pois estão em perigo de extinção. Joaquim Ximenes, chefe da aldeia de Vailana, realçou que, “antes, todas as noites, as pessoas iam à praia capturar tartarugas, mas agora há um grupo que controla essa prática”.

Desafios

Todas as manhãs, os cinco membros do grupo percorrem a praia de Loré à procura de ovos. Num ninho, pode encontrar-se cerca de 120 deles. “Devemos deslocar os ovos antes das 9h da manhã, porque depois dessa hora, se os tirarmos, eles não vão eclodir por estarem expostos ao calor”, explicou Acácio Ramos.

Quando encontram o ninho, escavam-no e transferem os ovos para um novo abrigo preparado pelo grupo. Os ovos são deixados na areia durante 21 dias e cada ninho é marcado com uma pedra que regista a quantidade e a data de recolha. Quando chega a altura, escavam os buracos e libertam as crias no mar. Até hoje, o coletivo diz já ter libertado, pelo menos, 3.800 crias de tartaruga no mar.

No entanto, segundo José Monteiro, entre os ovos que eclodem, poucas tartarugas sobrevivem, pois são alvo de ataques por outros animais.

“Quando são pequenas, o cheiro das tartarugas é forte, até mesmo as formigas as atacam”, exemplificou o mergulhador.

O técnico de conservação informou que, em outros países como a Tailândia, a Indonésia e a China, os filhotes de tartaruga são criados até atingirem o tamanho da palma de uma mão adulta, antes de serem libertados no mar.

O grupo em Loré solicitou ao Governo que ajudasse a construir um tanque para manter as crias até ficarem maiores, antes de serem libertadas no mar, mas não obteve resposta.

Acácio Ramos queixou-se da falta de apoio das autoridades para sustentar a vida dos cidadãos no Parque, que abandonaram as atividades de caça, anteriormente a sua fonte de rendimento. “As visitas do Governo, normalmente anuais, consistem apenas em falar sobre o dever de proteger as espécies, mas não há preocupação com a vida dos residentes locais. Nunca nos pagam nada”, lamentou o membro do grupo.

O descontentamento é partilhado por cidadãos. “Perguntam-me: então, já preservamos os ovos da tartaruga e libertamos muitas crias no mar. Onde estão os estrangeiros para virem cá ver os nossos recursos naturais e para que possamos ter lucro e sustentar as nossas vidas?”, confidenciou José Monteiro.

O mergulhador questionou o poder público por não ter preparado alternativas para a população do Parque, antes de impor as proibições. “Deve haver maneiras de sustentar a economia dos cidadãos para que eles não destruam, mas sim conservem o ambiente”, concluiu.

O Diligente entrou em contacto com o ministro da Agricultura, Pecuária, Pescas e Floresta, Marcos da Cruz, mas não obteve resposta até ao momento desta publicação.

Mudanças climáticas e consequências

O tratamento dos ovos de tartaruga é feito de forma tradicional. Não há nenhum aparelho para garantir uma temperatura adequada para o seu desenvolvimento. Nem os ninhos têm uma cerca apropriada.

Devido às mudanças climáticas, observam-se períodos de seca prolongada (julho a janeiro), influenciando a reprodução: por causa do forte calor na areia, alguns animais não conseguem fazer os ninhos. Entre os que são bem sucedidos nesta etapa, muitos dos seus ovos, posteriormente, não eclodem, devido ao elevado aquecimento, explicou Acácio Ramos.

Já quando a chuva é forte e as marés altas, a força das ondas atrapalha as tartarugas de colocar os ovos na praia.

Um estudo realizado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica da Universidade Estadual da Califórnia, em parceria com o Fundo Mundial para a Natureza da Austrália revelou que numa temperatura superior a 29,3º C os ovos eclodidos são de fêmeas e, inferior, de machos.

De acordo com a Fundação Projeto Tamar, que desde a década de 80 promove a recuperação de tartarugas marinhas no litoral do Brasil, o ninho deve estar entre 24°C e 33°C, uma vez que, abaixo ou acima dessa faixa os embriões não se desenvolvem.

Pesca ilegal

José Monteiro ressaltou que as tartarugas em Loré só põem os seus ovos na referida praia. “Devemos ter orgulho, porque ainda temos tartarugas. Em alguns países, isso já não acontece”, disse, animado.

Monitorização evidenciou que as tartarugas em Loré se deslocam para a Austrália e regressam a cada duas semanas/Foto: José Monteiro

Entre 2009 e 2018, a Organização Não Governamental (ONG) Conservação Internacional, em colaboração com o então Governo, monitorizou a deslocação de cerca de 70 tartarugas em Timor-Leste, principalmente em Loré, Tutuala, Com e Ataúro, utilizando o GPS. O aparelho, montado na carapaça das tartarugas, gravou os seus movimentos durante 910 dias e mostrou que se deslocam de Timor-Leste para a Austrália e vice-versa.

“A cada duas semanas, as tartarugas voltam à praia de Loré para pôr ovos”, acrescentou José Monteiro.

Para além dos predadores naturais, das mudanças climáticas e das longas deslocações, as tartarugas  enfrentam ainda um perigo contínuo: a pesca ilegal. “Atualmente, não temos visto atividade, porque o mar está agitado. Mas, na época seca, conseguimos ver, a pelo menos 300 metros, navios de outros países no mar”, informou o técnico de conservação.

Nos inícios do século XXI, José Monteiro conseguia encontrar entre 5 a 8 tartarugas a uma profundidade de 20 a 40 metros. Porém, admitiu que agora é difícil encontrar sequer uma tartaruga a essa profundidade. O mergulhador atribui o problema aos pescadores estrangeiros – identificáveis pela sua fisionomia e detalhes das embarcações, como bandeiras e desenhos.

“Há muito tempo que testemunhamos pesca ilegal. Informámos a Polícia Militar, a Componente Naval das F-FDTL, mas disseram que os funcionários não suportam a longa distância”, partilhou José Monteiro. Acrescentou que a prática ilegal é realizada por nações como a Indonésia, a Tailândia, as Filipinas, a Malásia, o Vietname e o Myanmar.

“Temos uma fraca segurança, não temos capacidade para controlar o mar, noite e dia, e as pessoas capturam tartarugas e peixes”, lamentou.

Os problemas continuam a ser constantes, mesmo que Timor-Leste seja beneficiário do Fundo Global para o Meio Ambiente, uma iniciativa da cooperação internacional desde 1991 e que reúne 183 países para financiar projetos ambientais no mundo.

Este ano, o Fundo disponibilizou 20 milhões de dólares americanos para Timor-Leste, com o intuito de tornar os cidadãos mais resilientes às mudanças climáticas. O Fundo tem financiado, desde 2019, projetos para proteger as comunidades rurais e os seus bens físicos das catástrofes provocadas pelo clima.

Enquanto isso, a população em Loré, com as suas limitações, tenta manter preservadas as espécies de tartarugas que habitam a região, perante as muitas ameaças que as cercam.

A viagem a Loré, Lautém, de 29 de maio a 1 de junho, foi uma iniciativa da Associação dos Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), em parceria com a OXFAM de Timor-Leste. Outros três media tours (Ermera, Baucau e Oecusse) foram realizados pela AJTL, que contou com um financiamento da OXFAM de Hong Kong, no valor de 35 mil dólares americanos, para a concretização das atividades. A OXFAM é uma organização mundial de desenvolvimento e ajuda humanitária.

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