O Centro Audiovisual Max Stahl Timor-Leste (CAMSTL), no âmbito da celebração do seu vigésimo aniversário, organizou um seminário internacional, que destacou a importância da documentação da história do país, como forma de preservar a memória e a cultura do povo.
Para celebrar os 20 anos de existência do Centro Audiovisual Max Stahl Timor-Leste (CAMSTL) e os 10 anos do reconhecimento da entidade como um registo para a “Memória do Mundo”, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), teve início nesta terça-feira (7.11), na Fundação Oriente, um seminário internacional sobre a importância da documentação e o seu papel jornalístico na construção de um país. A atividade continua até a próxima quinta-feira (9.11).
Em paralelo, inaugurou-se a exposição, de entrada gratuita, no mesmo espaço, sobre a história timorense. Intitulada The Great Book of History (O Grande Livro da História, em português), a mostra será exibida durante um mês.
Considerado o revelador da realidade timorense ao mundo e, consequentemente, uma das figuras que mais contribuiu para a libertação do povo, Max Stahl, jornalista britânico, criou o CAMSTL em setembro de 2003, para preservar a memória da luta de Timor-Leste.
Foi através das imagens gravadas pelo profissional, que registou o episódio conhecido como Massacre de Santa Cruz, a 12 de novembro de 1991, que a comunidade internacional passou a pressionar o governo indonésio para aceitar a soberania de Timor-Leste enquanto nação. Na ocasião, mais de duas mil pessoas participavam de uma procissão em homenagem ao jovem Sebastião Gomes, ativista pró-independência, morto pelas forças indonésias. O ato acabou com mais de 271 pessoas assassinadas por militares indonésios, no cemitério de Santa Cruz, em Díli.
Quatro dias após a tragédia, o vídeo de Max Stahl foi exibido por uma televisão holandesa, graças ao esforço da ativista dos direitos humanos, Saskia Kouwenberg, que visitava Timor-Leste e levou o material escondido para a Europa, a pedido do jornalista britânico.
“Max Stahl é o portador de boas-novas para Timor-Leste”, disse o reitor da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), João Martins, no seu discurso. Depois de visitar o CAMSTL, o reitor reconheceu a relevância da fundação para a preservação da história timorense e o seu papel de informar a geração futura. Avançou que a imagem viva do 12 de novembro, que Max Stahl imortalizou, é muito importante, “porque mostra a luta do povo timorense”.
Presente no evento, o secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Dias Ximenes, realçou que o seminário internacional permite a partilha de experiências valiosas na área da cinematografia por especialistas, académicos, artistas e visionários. “Os temas do seminário abordam profundamente o poder do audiovisual nesta sociedade moderna e como isto pode não só contar a história, como educar e inspirar as gerações vindouras”, salientou.
No primeiro dia da atividade, na parte da manhã, o comité científico abordou o tópico “Assimilar e Reforçar o Papel e o Impacto da História Audiovisual na Construção do Estado”. Peter Job, membro australiano do comité, fez uma apresentação em inglês, com tradução direta pela equipa do CAMSTL, subordinada ao tema “Tabuleiro da Autoridade – A Voz para o Mundo”.
O profissional detalhou sobre o período em que Max Stahl acompanhou os guerrilheiros, aquando da invasão indonésia. “Naquela altura, foi restrito qualquer acesso a Timor-Leste, como, por exemplo do diplomata e jornalista australiano, Peter Rogers, para não permitir que o mundo soubesse o que se estava a passar no país e quisesse ajudar na luta contra a invasão”, contou.
Já Vanessa Hearmen, historiadora e pesquisadora, que se dedica ao efeito da Guerra Fria na Ásia, à violência anticomunista na Indonésia e à violência massiva em Timor-Leste desde 1975, falou sobre como o audiovisual gerou mudanças, sublinhando as imagens da fome, em 1979.
“As imagens contribuíram para a luta da libertação nacional de Timor-Leste, uma vez que os líderes timorenses usaram câmaras no período da descolonização, a que Christopher Lee chama de câmara da descolonização”, observou.
Exposição da história
À porta da exposição, os visitantes são recebidos pelo Timor-Leste antigo, o país antes de ser colonizado por Portugal. “É uma forma de dar a conhecer às pessoas, principalmente aos jovens, o passado do país”, explicou Eudicitio Pinto, diretor do CAMSTL.
Na primeira sala, pode ouvir-se as 19 línguas maternas a dar as boas-vindas aos visitantes, bem como observar a estrutura de uma casa sagrada com um forno e utensílios de cozinha no interior. Há ainda peças de Tais dispostas numa mesa no canto da sala.
A seguir, um corredor, cujas paredes estão preenchidas com frases de luta usadas pelos jovens que se opunham à invasão indonésia, a partir de 1975. Em seguida, os visitantes entram para o abrigo do comandante David Alex “Daitula” – importante combatente timorense no período –, que Max Stahl visitou e entrevistou. A entrevista é transmitida nesta sala, a partir de um computador colocado dentro de uma caverna artificial.
A quarta sala é a réplica do CAMSTL, onde, a partir de computadores, os visitantes poderão aceder às obras do jornalista britânico. Mesmo ao lado, estão colocadas televisões a reproduzirem entrevistas com jornalistas que trabalharam na época da invasão indonésia. Também neste espaço, é possível observar uma representação do local de trabalho de Max Stahl, com as câmaras e outros materiais usados pelo jornalista.
O outro edifício da Fundação Oriente é uma sala onde os visitantes se podem sentar e deitar, em silêncio, a refletir sobre os momentos históricos apresentados durante a exposição. Em cada secção da mostra, há uma equipa a explicar as instalações artísticas.
A iniciativa só foi possível graças à cooperação com a UNTL, a Universidade de Coimbra, a Fundação Oriente, a empresa Timor Pax, o grupo de arte coletivo – conjunto de artistas que construíram a exposição –, a Associação de Jornalistas, que entrevistou os jornalistas presentes durante a ocupação e os media online que publicaram alguns dos vídeos, no âmbito do projeto Jornalista Koa’lia (Jornalistas Falam, em português).
O CAMSTL contou também com o apoio do Governo, através do Serviço de Apoio à Sociedade Civil e Auditoria Social (SASCAS), que contribuiu com cerca de 19 mil dólares americanos para o trabalho da instituição e para a realização do seminário e da exposição. “É um trabalho conjunto de muitas instituições. Se não tivermos audiovisual, não temos história. Esperamos que o Governo invista mais neste centro e o torne num centro de criação de historiadores do país”, concluiu Eudicitio Pinto.