“Na ponta da minha baioneta, marcarei na História a forma da minha Libertação”, escrevia o poeta timorense Francisco Borja da Costa, num período em que Timor-Leste lutava por se libertar da colonização portuguesa. Mudam-se os tempos, mantêm-se os desafios, de tal forma que podemos dizer que, na ponta da sua caneta, a poetisa Sandra Tilman também luta por um país melhor.
“É espetacular!” ou “A voz dela causa-me arrepios!”. Foram algumas das reações dos privilegiados, que, no Palácio Presidencial, em Díli, assistiram à declamação de poesia de Alexandra de Araújo Tilman, no evento do lançamento dos seus livros “Herói” e “Conheça a expressão da literatura e cultura oral de evocar o mulo-aituturina”.
Sandra Tilman, como é conhecida, é, aos 47 anos, uma poetisa de renome em Timor-Leste. Já escreveu seis livros. É professora na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) e representa o país em conferências sobre literatura.
Nasceu em Maubisse, Ainaro, uma zona a que costumam chamar “município dos repolhos e de muito frio”. Sandra é a prova que do frio de Maubisse não se colhem só legumes. Colhem-se também palavras e ideais.
Criativa, generosa, serena e sorridente. São algumas das características apontadas pelos colegas, alunos e fãs, que confessam gostar dos seus poemas por “representarem os sentimentos e ideias das pessoas e despertarem emoções”.
Sandra é também defensora da cultura timorense. Gosta de se vestir com tais e usa morteens (colar tradicional timorense) no pescoço. Para ela, a identidade é a “riqueza de uma nação” que os cidadãos têm de promover. Foi assim vestida que a encontrámos.
De aparência amigável e doce, convida à conversa. Quisemos saber de onde vem esta paixão pela poesia e qual a fórmula para se ser poeta. “Para fazermos poesia, é muito simples. Basta estarmos sempre atentos e ativarmos a observação e os sentimentos, mas o mais importante é ler muito para termos vocabulário suficiente e brincarmos com as palavras”. Porém, a história ainda não está bem contada. Esta é só parte da fórmula.
A interação com a arte e literatura vem dos tempos da infância. Começou a declamar poesia em criança. Quando estava no 6.º ano, leu o primeiro poema, o “Cintaku jauh di pulau” (“O meu amor está longe da ilha”, em português) do poeta indonésio Hamir Hanja. Do ensino básico ao secundário, feito em Díli, participou em todos os concursos possíveis entre escolas para declamação de poesia e ficou sempre no primeiro ou segundo lugar.
Mas Sandra revela-nos outros segredos da sua fórmula: o incentivo dos professores e da cana da mãe. Sim, a famosa cana usada para bater. “A minha mãe era uma pessoa muito dedicada e guardava-me sempre com uma cana. Nunca me bateu. Só me ameaçava para que eu continuasse a ler. Mas eu notava na cara da minha mãe que ela queria que lhe oferecesse algo de bom”. Foi a cana da mãe que cultivou em Sandra Tilman os hábitos de leitura.
Era também uma aluna determinada a aprender. Frequentou todas as atividades extracurriculares que pôde para melhorar competências. Uma delas foi a formação de técnicas vocais. “Os meus professores ensinaram-nos a ler bem, a ler rápido, a ler por um determinado tempo ou minuto. A paixão pela leitura e escrita transformaram-se, então, num hábito”, conta.
Acredita que “o tempo é ouro”, um valor que aprendeu com o seu padrasto e que foi reforçado pelo “Pramuka”, um grupo de estudantes que se uniram para ganhar competências de liderança e ao qual ela se juntou. Sandra tem realmente respeito pelo tempo: “Tenho de respeitar cada minuto, cada hora para organizar bem o meu tempo e fazer coisas boas para mim e para os outros”.
Licenciou-se, em 2001, pelo Departamento de Língua e Literatura na Universitas Timur Timur, atualmente Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL). Também nessa altura, não deixava escapar oportunidades de representar a universidade em competições de arte e poesia. Resultado? Desde o 3.º ciclo do ensino básico, recebeu 31 taças, 21 medalhas e 30 certificados.
De Timor-Leste para o mundo
A poesia de Sandra é realista. Nela, estão presentes os assuntos sociais, de política, segurança, educação e, claro, o amor. Os seus poemas adaptam-se ao que acontece no país e são uma “arma”. Crítica e observadora, o que vê serve de material que quer rapidamente guardar no computador para que não se percam os momentos que captou.
Tudo começou em 1991, quando tinha 14 anos, com o poema “Pagi November” ou “Morning November”. Foi aí que começou o seu percurso como poetisa. Foi o Massacre de Santa Cruz, em Díli, onde centenas de jovens timorenses perderam a vida, que deu origem ao seu primeiro poema, carimbado com lágrimas, sangue, gritos, tristeza e violência.
Nesse dia, ela e os colegas foram para a escola, mas os professores mandaram-nos de volta para casa, de onde ela, por imposição dos pais, não pôde sair. Depois do massacre, uma vítima do massacre, ferida e ensanguentada, passou por sua casa. Depois de tomar conhecimento do que acontecera, Sandra indignou-se e começou a escrever. “Muitas pessoas acham que sou sobrevivente do massacre, mas não. Sou apenas uma pessoa que deu voz, através de palavras, àqueles que participaram e sofreram”, explica. E acrescenta: “Quando declamo esse poema, vejo as pessoas a emocionar-se e a chorar”.
Em 2008, participou no Festival de Poetas, na Austrália. Declamou também o poema“Pagi Nobember”, captando, mais uma vez, a atenção e sendo reconhecida internacionalmente como a “A melhor voz de declamação de poesia”. Em 2013, representou Timor-Leste no evento internacional “Declamar Poesia”, que decorreu em Jacarta, na Indonésia, onde recitou o poema “Borgol” (“Algemas”, em português). Neste, fala sobre os atos desumanos cometidos pelos militares indonésios durante a ocupação: destruição das casas da população, maus-tratos a crianças e violação sexual.
A independência chegou e com ela outros problemas. “Lahane lutu metan” (“Lahane em luto”, em português) e “Kakutak terrorismu” (“Mentalidade de terrorista”, em português) são dois poemas críticos, que abordam o caso dos polícias que, em Lahane, Díli, mataram, com uma arma, um homem e o filho. “Usa-se a arma para matar o povo em vez de se usar essa mesma arma para o defender”. Já o poema “Ro Ahi Liberdade” (“Navio da liberdade”, em português) é uma chamada de atenção para os governantes e líderes do país porem os interesses do povo acima dos seus.
“Como poetisa, é minha função continuar a gritar contra as injustiças do país. Sou crítica, mas represento sempre os sentimentos de todos, o coração dos outros no momento em que não conseguem falar”, diz.
Sandra passa muito do seu “tempo de ouro” a ler, a trabalhar e a pensar na forma de contribuir para o país, pois “a literatura e a poesia são uma ponte que facilita a comunicação entre as pessoas”.
Atualmente, é professora dos quadros no departamento da Língua Tétum da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da UNTL, onde ensina Poesia, Prosa e Teatro. Sandra insiste que os estudantes comecem a escrever poesia: “Peço aos meus alunos cujos pais já faleceram para escreverem sobre como se sentem com a partida dos seus familiares. Depois de escreverem e lerem, choram”.
Sandra já escreveu quatro livros, além dos apresentados no Palácio Presidencial: “Lian Rai Nain” (“Voz dos indígenas”, em português), uma antologia poética em língua tétum, português, indonésio e inglês; “Matadalan Musidade” (“Guião sobre a mocidade”, em português), sobre liderança; “Nyan Nyang para arwah” (“Almas de Nyan Nyang”, em português), também uma antologia poética; e “Ami lian laek” (“Somos os que não têm voz”, em português), uma peça de teatro.
“Neste momento, ainda estou com fome e sede de criar ou fazer nascer, não só no mundo da poesia, mas também do romance. Estou a escrever um romance intitulado “Heroi dalan ninin” (“Herói à beira da estrada”, em português). Já chegou às 75 páginas. Deverá ser publicado em fevereiro do próximo ano, depois de acabar os meus estudos”, conta. Está a atualmente a frequentar o mestrado de Gestão da Educação e Humanidades, na Indonésia.
Sandra tem um lema: “Os desafios não são para se recusar, mas sim para se enfrentar”. E revela, então, os últimos ingredientes da sua fórmula: “A paciência, espírito, diligência e amor fazem parte de um pacote necessário no mundo da arte e literatura”.
Muitos parabens Sandra.
Que Deus te ajude nessa tua caminhada.
Es a chama do nosso Povo sedento de justica e de um futuro mais risonho.
Es a esperanca das mulheres de Timor Leste.
Es a “ponta de lanca” num jogo com muitos entraves, muitas bolas que se perdem “no meio do capim”, onde existem muitos arbritos com falta de apito.
Lembrei-me de Florbela Espanca, Dr Natalia Correia, grandes poetisas e escritoras de Portugal. Tu possues todos os atributos para venceres, assim como elas venceram, no nosso Rai Doben Timor Leste.
Bem Hajas Sandra!
Parabéns à professora Sandra Tilman pelo seu livro Herói. Mais um livro de poesia que vem se juntar a outras. Aos poucos a literatura timorense se tornará grande.
Gostaria de adquir um livro, como faço?
Eduardo Galvão
Embaixada do Brasil