Roberto Soares: “Não abdicaremos de gasoduto em Timor-Leste”

Roberto Soares, Coordenador de Política Externa e porta-voz de campanha do CNRT. Foto/Diligente

A poucos dias das eleições parlamentares, o Diligente entrevistou Roberto Soares, Coordenador de Política Externa e porta-voz de campanha do Congresso Nacional da Reconstrução Nacional de Timor-Leste (CNRT). O partido encabeçado pelo líder histórico Xanana Gusmão acusa o Executivo de não ter conseguido em cinco anos de governação resolver os principais problemas do país e está confiante na obtenção da maioria absoluta. O CNRT aposta em 12 medidas presentes no Plano Estratégico do Desenvolvimento Nacional (PEDN), criado durante a governação desta força política, em 2011.

Quais são as principais metas do programa de Governo do CNRT?

O CNRT aposta em 12 medidas baseadas no PEDN, criado pelo partido em 2011. A primeira medida tem a ver com a educação e a saúde inclusivas e de qualidade. O partido pretende criar um sistema educativo de qualidade, aumentar o salário dos professores, do ensino básico ao ensino superior, para que se sintam valorizados pelo Estado e, assim, façam um bom trabalho no acompanhamento das gerações vindouras. Também queremos apostar na saúde, porque sabemos das fragilidades deste setor: falta de medicamentos, mortalidade materno-infantil, muitas vezes, devido ao mau atendimento.

A segunda medida é dignificar os veteranos e promover a inclusão social. No nosso país, o processo da luta é diferente de outros. Há pessoas que sacrificaram e arriscaram a vida e perderam bens materiais para ganhar a independência. Por isso, o partido quer criar condições para os dignificar e para que possam usufruir da independência.

Em terceiro lugar, pretendemos criar postos de trabalho, principalmente para os jovens, porque, de acordo com os dados dos Censos, cerca de 30% da população timorense é constituída por jovens com idades entre os 20 e 25 anos.

A quarta medida consiste em promover a produtividade e a diversificação económica. Timor-Leste é um país abençoado. Mesmo sendo uma ilha pequena, temos muitas riquezas, tanto no mar como na terra, por exemplo o petróleo, o ouro, a prata, o mármore. No âmbito da diversificação económica, apostamos na economia verde e na economia azul. A primeira consiste na agricultura, setor que queremos promover, mas mantendo a originalidade e genuinidade dos produtos. Queremos produtos tradicionais, únicos, especiais e de qualidade. Relativamente à economia azul, temos de aproveitar ao máximo a riqueza do mar, a biodiversidade no sentido de promovermos o setor turístico.

Em quinto lugar, promover o investimento no setor privado, que é um pilar importante que tem parceria com o Governo. O setor privado pode criar emprego.

A sexta medida passa por estabelecer a indústria petrolífera em Timor-Leste. Isto é fundamental. O CNRT, através da luta de Xanana Gusmão, ganhou as fronteiras marítimas e a luta seguinte é trazer o gasoduto para Timor-Leste, o que nos permitirá aumentar os postos de trabalho. Não queremos cometer o mesmo erro que o primeiro Governo, liderado pela Fretilin (no período de 2002 a 2007), em que o Bayu Undang transportava o petróleo para Darwin, na Austrália.

Em sétimo lugar, pretendemos desenvolver as infraestruturas, as estradas e portos no Suai. Tudo isto são requisitos para mais tarde ser mais fácil exportar. A oitava medida tem a ver com a descentralização. A governação do CNRT quer implementar assembleias municipais para que as aspirações do povo sejam ouvidas. O Governo central alocará dinheiro segundo o orçamento que os presidentes das autoridades apresentarem de forma a facilitar a execução e a eficiência da administração. A assembleia municipal será eleita pelo próprio povo. Esta medida está diretamente ligada à aposta no desenvolvimento rural, nona medida.

A décima é a reforma do setor da justiça. A justiça é um setor que nos preocupa, não só a nós, políticos, mas também ao povo. Muitas vezes, as pessoas dizem que a justiça só funciona para o povo e não para os governantes, porque, na sua implementação, algumas leis não correspondem à realidade. Hoje em dia, os quatro órgãos são problemáticos e fracos. Não conseguem responder às necessidades públicas. O CNRT, com a eleição presidencial de Ramos-Horta, conseguiu melhorar o funcionamento da presidência, porque o então presidente não defendia o interesse comum. Se o CNRT vencer com maioria absoluta, vai reparar os órgãos do Estado. A justiça tem de ser descentralizada. Temos a procuradoria e os Tribunais municipais, mas ainda não cobrem todo o território.

Em décimo primeiro lugar, queremos consolidar a paz e a estabilidade, através das F-FDTL e da PNTL. O CNRT vai criar condições para capacitar as forças militares e policiais e estas poderem atuar e manter a paz no país.
Por último, pretendemos consolidar a política externa. Durante estes cinco anos, a imagem de Timor-Leste no mundo deteriorou-se. O CNRT compromete-se a restaurar as relações externas para que os outros países nos conheçam. Só Xanana e Ramos Horta têm capacidade para o fazer.

Os outros partidos “fazem propaganda, mas, na realidade, não têm nenhum programa com uma visão clara para Timor-Leste a curto, médio e longo prazo”

Porque é que os eleitores devem votar no CNRT?

É fundamental votar no CNRT, porque o partido tem uma visão verdadeira e justa para o povo. Os outros partidos políticos não têm um plano estratégico como o de CNRT. Fazem propaganda, mas, na realidade, não têm nenhum programa com uma visão clara para Timor-Leste a curto, médio e longo prazo.

Confiamos que os eleitores vão votar em nós, pois temos visão e um plano de prioridades que beneficiam todos, colocando o interesse nacional acima do interesse do partido. O CNRT apela à população que esteja consciente da sua responsabilidade no momento de votar e vote no partido com visão e planos benéficos para o país.

O que diferencia o CNRT dos outros partidos?

A diferença entre o CNRT e outros partidos é o facto de apostarmos sempre no interesse nacional e não no particular. Ficou provado como o CNRT lutou para ganharmos a questão das fronteiras marítimas com a Austrália, enquanto os outros partidos, como a Fretilin, votaram contra o tratado, em 2019.

A firmeza na luta para o bem comum, a aproximação ao povo e a defesa da soberania e da independência diferenciam o CNRT dos outros partidos.

Como olha para a evolução do partido desde que foi formado em 2007?

O CNRT evoluiu ao longo dos anos, o que fez com que as pessoas começassem a compreender que é muito diferente das outras forças políticas. Quando começou, em 2007, o partido ainda não tinha planos e só conseguimos 18 assentos parlamentares. Em 2012, fizemos algumas mudanças e conquistámos 30 cadeiras, porque, em 2011, o CNRT começou a definir um plano estratégico a longo prazo, até 2030.

Em 2017, de 30 passámos para oito assentos parlamentares. No entanto, em termos de números de votantes, não houve mudanças, o que significa que novos eleitores contribuíram para o aumento deste número. Desde  2017, o partido procedeu a uma  avaliação interna e houve uma grande mudança. O CNRT acredita que, nestas eleições, o partido vai ganhar com maioria absoluta e, assim, contribuir para  o desenvolvimento e o bem-estar do país.

Quais são os problemas mais urgentes para resolver em Timor-Leste?

Temos muitos problemas, mas aqueles que o CNRT pretende resolver estão referidos nas 12 medidas já mencionadas. Porém, surgiram outros problemas com o atual Governo. Estabeleceu uma política, talvez a primeira no mundo, que permitiu que passaportes caducados de pacientes fossem carimbados para estes poderem viajar para o estrangeiro e fazerem os seus tratamentos médicos.

No entanto, cerca de 300 pacientes não puderam ser transferidos, porque o país de chegada não aceitou os passaportes caducados, o que foi uma grande vergonha para Timor-Leste. Esta situação revelou que o atual Governo, sobretudo o ministério relevante, não tem o mínimo conhecimento sobre as leis ou mecanismos internacionais de circulação de pessoas.

Segundo a lei internacional, para qualquer pessoa poder viajar tem de ter um passaporte com prazo de validade superior a seis meses, exceto os estudantes que estão a estudar no estrangeiro e que querem voltar para Timor. Nesse caso, as embaixadas de Timor-Leste, no país onde os estudantes se encontram, podem fazer um título de viagem única. Portanto, o partido compromete-se a resolver imediatamente este problema, porque afeta a imagem de Timor-Leste no mundo.

“Após cinco anos de governação, o povo continua a enfrentar problemas básicos como a falta de eletricidade, as más condições das estradas e a falta de água potável”

Estas serão as quintas eleições legislativas a que o CNRT se apresenta e só obteve mais votos que a Fretilin em 2012. O que o leva a crer que este ano será diferente e que o partido vai conquistar maioria absoluta?

O CNRT já fez saber que, caso seja Governo, vai analisar a governação de ambos os partidos com base nos resultados. O povo sente que, durante cinco anos de mandato do XVIII Governo, não há desenvolvimento nem resposta às suas aspirações. Já durante a governação do CNRT, o Governo conseguiu disponibilizar  eletricidade para 80% da população nas áreas rurais. Naquela altura, a situação política fez com que o CNRT saísse da coligação e a Fretilin entrasse. Porém, durante cinco anos de governação, não conseguiu disponibilizar eletricidade para os 20% da população que restavam. Até agora, o povo continua a enfrentar problemas básicos como a falta de eletricidade, as más condições das estradas e a falta de água potável.

Outro problema foi a politização da pandemia da COVID-19. Sabemos que todo o mundo sofreu com esta pandemia, mas, em Timor-Leste, a atuação do Governo para a prevenção não esteve de acordo com as indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e quem sofreu foi o povo. Por exemplo, aconteceu em situações de acidentes rodoviários ou de afogamento, os mortos serem transportados para o hospital e os médicos declararem que tinham morrido devido à COVID-19. Por desconhecimento do protocolo da OMS, os mortos eram imediatamente levados para o cemitério em Metinaro. Como assistimos, Xanana barricou-se em Vera Cruz para impedir esta manipulação.

Tendo em consideração todas estas políticas do atual Governo, estou muito confiante de que o povo vai depositar confiança no CNRT.

Admitimos que falhámos, porque fizemos uma plataforma de entendimento, em que, na realidade, não existia entendimento entre os partidos. Agora, o CNRT tem uma orientação diferente e comprometemo-nos a competir sozinhos”

O CNRT já fez saber que, caso seja Governo, vai analisar a legalidade dos estatutos do Khunto. Mas em 2018 concorreram em coligação, precisamente com o Khunto e o PLP. O que mudou daí para agora?

Admitimos que falhámos, porque fizemos uma plataforma de entendimento, em que, na realidade, não existia entendimento entre os partidos. Agora, o CNRT tem uma orientação diferente e comprometemo-nos a competir sozinhos. Acreditamos que o povo vai dar-nos maioria absoluta e poderemos formar o IX Governo.

A questão de rever o estatuto dos partidos com ligação às artes marciais está integrada na reforma da justiça que pretendemos executar. As instituições relevantes da justiça é que terão a competência para, no futuro, fiscalizarem esses partidos. Por enquanto, o CNRT aposta na reforma da justiça como uma medida fundamental para garantir  a qualidade dos partidos.

Em relação ao Governo da Aliança Maioria Parlamentar que era composta por CNRT, PLP e KHUNTO, porque é que o CNRT saiu da coligação?

Essa coligação não conseguiu chegar a um entendimento sobre os princípios fundamentais para garantir a boa governação. Durante a governação do CNRT, de 2007 a 2017, conseguimos estabelecer mecanismos respeitados pela comunidade internacional. Por exemplo, havia transparência, responsabilidade na execução do orçamento de acordo com a lei do Orçamento Geral do Estado (OGE). Esta governação foi elogiada pela comunidade internacional e foi um bom exemplo para outros países pós-conflito no seu processo de consolidação da construção do país.

Neste contexto, o CNRT pensava que a nova coligação ia dar continuidade à governação anterior, mas infelizmente aconteceram mudanças que não seguiram os princípios que o CNRT defende. Por isso, o último recurso foi a abstenção no OGE, de 2019 para que a coligação pudesse avaliar os obstáculos que contribuíram para esse desentendimento.

Nos outros países, quando acontece uma situação semelhante, os partidos que fazem parte desta coligação têm de reunir para procurar solução, mas isto não aconteceu. Infelizmente, estes dois partidos não valorizaram o que aconteceu. Então, o CNRT saiu da coligação. O partido nunca declarou que matou ou paralisou esta aliança. Quem o fez foi o Primeiro-Ministro atual. Aprendemos com essa experiência e estamos confiantes de que não se repetirá no futuro.

“O CNRT não vai erradicar estes grupos (de artes marciais), como algumas pessoas disseram, vamos sim criar leis para regular a sua atividade”

Caso o CNRT ganhe, vai criar uma lei para regular os grupos de artes marciais?

O CNRT está orientado para desenvolver os grupos de artes marciais de modo a que contribuam para o desenvolvimento do nosso país. O CNRT não vai erradicar estes grupos, como algumas pessoas disseram, vamos sim criar leis para regular a sua atividade.

Qual é a posição do CNRT relativamente aos direitos dos grupos mais vulneráveis, nomeadamente LGBTQIA+, cidadãos portadores de deficiência, mulheres, crianças?

O CNRT deu muito apoio aos grupos minoritários. Por isso, a comunidade LGBTQI e os cidadãos portadores de deficiência associam-se a nós e dão-nos os seus votos. Durante a nossa governação sempre lhes demos atenção, proteção e prioridade e vamos continuar a fazê-lo. O partido também deu oportunidade a alguns destes membros para assumirem cargos como assessores na Presidência da República.

O CNRT insiste que quer o gasoduto em Timor-Leste. Que impacto terá no desenvolvimento económico e de que forma garante a independência económica do país?

Como já tinha dito, não abdicaremos do gasoduto em Timor-Leste. A nossa posição é firme e indiscutível, porque vai trazer vários benefícios sociais, através da criação de mercado de trabalho. Claro que, se o CNRT governar, também vai gerir com cuidado a indústria petrolífera para evitar consequências negativas para o ambiente. O partido tem um plano, que já consta do PEDN, para proteger o ambiente e combater as mudanças climáticas.

Como é que o partido pretende implementar melhorias no sistema financeiro que permitam facilitar o investimento privado e a criação de emprego?

Estamos conscientes de que a capacidade do setor privado não é igual. Há diferenças de capital e de recursos humanos. Por isso, o CNRT pretende estabelecer um banco para dar apoio ao setor privado de modo a que possa contribuir para o desenvolvimento do país. O Governo do CNRT vai coordenar-se com as instituições relevantes para criar um esboço de lei mais concreta que facilite o desenvolvimento deste setor.

“Estamos preparados para mostrar ao povo timorense que a nossa participação na ASEAN será mais dinâmica, o que vai mudar a nossa imagem no mundo”

O Governo eleito vai ter responsabilidades e desafios acrescidos, caso se efetive a entrada de Timor-Leste na ASEAN durante o mandato? 

O CNRT iniciou e continuou os compromissos políticos relativos à adesão. Temos de reconhecer que o plano de adesão à Associação de Nações do Sudoeste Asiático (ASEAN, sigla em inglês) não é de agora. O nosso líder de 1975, Nicolau Lobato, já tinha pensado nisto e José Ramos-Horta também fez parte deste projeto. Durante a governação do CNRT, entre 2007 e 2017 e sobretudo entre 2012 e 2017, foi criada uma secretaria de Estado específica para tratar do processo de adesão de Timor-Leste à ASEAN.

Naquela altura, eu próprio assumi esta pasta e preparámos todas as condições para a adesão. Estabelecemos o programa “ASEAN Tour”, que levou o nosso primeiro-ministro a realizar visitas oficiais aos países membros para afirmar a nossa prontidão em ser membro. Apresentámos-lhes o plano de preparação de condições, por exemplo, através do estabelecimento de infraestruturas, iniciativa que foi bem recebida e apoiada pelos outros países.

Faz parte da consolidação de políticas externas, o CNRT aprofundar esta área para podermos aderir à associação com dignidade e qualidade. Estamos preparados para mostrar ao povo timorense que a nossa participação na ASEAN será mais dinâmica, o que vai mudar a nossa imagem no mundo.

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