Quase 1.500 professores contratados trabalham sem salário desde abril e podem ser despedidos

Ministério da Educação informou que todos os contratos serão reavaliados: professores temem perder emprego e que os alunos sejam prejudicados/Foto: Ministério da Educação

Docentes são obrigados a assumir tarefas complementares para garantir algum rendimento. Ministério da Educação, sem dar detalhes, diz que irá pagar vencimentos atrasados e culpa Governo anterior por problemas que podem levar à rescisão dos contratos.

Mil quatrocentos e noventa e nove professores de 12 municípios, que assinaram, no dia 17 de abril deste ano, contrato com o Ministério da Educação do anterior Governo, continuam a trabalhar sem receber salário e poderão ser despedidos devido a alegados problemas contratuais. Entre os selecionados, 127 são do Pré-Escolar, 910 do Ensino Básico, 370 do Ensino Secundário-Geral e 126 do Técnico-Vocacional.

O Executivo anterior, na altura da contratação dos professores para escolas públicas, deu prioridade a quem trabalhou nelas entre 2007 e 2017.

O porta-voz dos docentes, Agostinho Belo, casado e pai de três filhos, professor do Ensino Básico de Hera, informou que, de acordo com o contrato, os profissionais deveriam receber 272 dólares por mês, de janeiro a dezembro deste ano.

“Antes, quando trabalhava sob o regime de voluntariado, recebia da escola e graças ao contributo dos pais, 40 ou 50 dólares por mês. Depois de assinar o contrato, ainda não recebi qualquer salário. Isto faz com que não possa sustentar a família”, lamentou Agostinho.

Amália Rodrigues Ximenes, 43 anos e mãe de seis filhos, professora na Escola Secundária Heróis da Pátria e contratada no passado mês de abril, disse que, depois de trabalhar na parte da manhã, tem de vender arroz embrulhado à tarde para conseguir algum dinheiro para dar resposta às necessidades familiares.

“Nestes três meses, temos enfrentado dificuldades financeiras, porque não há dinheiro para pagar as propinas dos filhos e as obrigações do dia a dia. Muitas vezes, pedi dinheiro emprestado com o compromisso de devolver quando recebesse os salários em atraso. Porém, ainda não recebemos nenhuma remuneração, então os juros da dívida também aumentam. Não sou só eu que enfrento esta dificuldade, mas todos os professores que assinaram o contrato em abril”, afirmou.

Situação semelhante vive Natércia Isabel de Sousa, professora do Ensino Básico Filial de Vila Verde, uma das contratadas em abril. “Muitas vezes, os professores permanentes pediam licença para tratar de assuntos privados e pagavam-me 5 dólares por dia para eu os substituir. Esse dinheiro ajudou-me a sustentar. Agora não recebo nada. Está muito difícil”.

Estes docentes, que têm trabalhado sem vencimento, irão ver os seus contratos reavaliados e podem ser dispensados a qualquer momento. No discurso que a Ministra da Educação, Dulce de Jesus Soares, proferiu numa visita às escolas no posto Administrativo de Baguia, no passado dia 22 de julho, foi dito que o Governo anterior recrutara os professores, mas que o despacho ministerial que permitiu esse procedimento não havia previsto o enquadramento legal dos profissionais, dada a ausência de um quadro de pessoal. Ou seja, detalhes sobre o número de professores necessários para atuar.

“O quadro de pessoal serve para definir a necessidade de cada escola. É um instrumento que revela o que cada instituição precisa: quantos professores e para ensinar qual ou quais disciplina(s). Porém, o despacho ministerial nº 04/GM-MEJD/II/2023 não está baseado em nenhum quadro de pessoal para que a comissão da Função Pública possa reconhecer o estatuto destes professores para procedimento dos vencimentos”, argumentou Dulce de Jesus.

A Ministra alega ainda no discurso que, por não haver quadro de pessoal, cada escola escolhe um grupo ou uma pessoa e faz contratação direta. “Relativamente aos contratos, assinados em abril, o Ministério da Educação vai pagar retroativamente os salários, mas irá dispensar os docentes cuja contratação não tenha resultado da elaboração de um quadro de pessoal”, afirmou, sem, no entanto, dizer quando os pagamentos serão realizados e a reavaliação dos contratos finalizada.

“Vítimas dos políticos”

O porta-voz dos professores contratados, Agostinho Belo, lamenta que os docentes sejam “vítimas dos políticos”, embora ensinem todos os estudantes, sejam eles filhos dos líderes ou militantes do partido A ou B. “O Governo anterior, por estar perto das eleições, quis ganhar votos e recrutou muitos professores sem preparar o estatuto e garantir o respetivo pagamento. O Governo atual, por seu turno, e por desconfiar das intenções do Governo anterior, quer reavaliar toda a situação”, resumiu.

O presidente do Sindicato dos Professores de Timor-Leste, Francisco da Costa Fernandes, considera que há uma “inclinação política” nos contratos firmados em abril.

“Há evidências de que há alguns professores em Baucau, em Ainaro e em Díli não trabalharam como voluntários nas escolas, mas, mesmo assim, os seus nomes apareceram no Jornal da República. Por serem do mesmo partido ou terem relações familiares, conseguiram a oportunidade de serem contratados. Há muitos professores contratados que não sabem a escola em que devem trabalhar. Isto significa que há problemas nos quadros de pessoal”, observou Francisco.

Os alegados problemas contratuais deixam os professores confusos. Muitos, na verdade, não sabem ao certo a razão pela qual podem ficar desempregados.

O professor Agostinho Pinto, que preferiu não identificar a escola em que está a trabalhar, conta que, no ano passado, a Direção de Recursos Humanos e os inspetores, juntamente com direção da Educação Municipal, vieram às escolas para recolher os dados de cada professor. “Por que razão agora consideram que não preenchemos os critérios?”, questiona.

Corroborando o docente, Saturnina da Silva, professora do ensino Básico Filial de Hera, sublinhou que os profissionais já passam muito tempo a ensinar os alunos voluntariamente e isto significa trabalho que deve ser reconhecido, contratualmente, pelo Governo. “Nós já passámos por um longo processo. No que me diz respeito, ensinei durante nove anos voluntariamente e já me licenciei na área da Educação. Agora, a ministra diz que não preencho critérios. Porquê? Como é possível, se os nossos nomes já foram publicados no Jornal da República?”, indagou.

O Diligente entrou no contacto com o Diretor-Geral da Administração, Gestão e Finanças do Ministério da Educação, Antoninho Pires, para recolher o seu parecer sobre a situação dos 1.499 professores contratados. Antoninho disse que há quadros de pessoal, mas que faltam ser atualizados, não estando o ponto de situação sobre o estado atual ainda concluído.

“Sobre os professores contratados este ano, o Governo vai avaliar de acordo com o quadro de pessoal com vista à sua atualização. O despacho estipulou a contratação em regime geral e não em regime especial. Os professores contratados em abril foram enquadrados no regime geral, mas o regime específico, que prevê aquele tipo de contratação, tem de passar pela criação de uma bolsa de candidaturas”, justificou.

Lê-se no artigo 29.º do decreto-lei n.º 30/2023 que a contratação de docentes “dá-se através de concurso público, com base no mérito, tendo em conta uma avaliação dos conhecimentos teóricos e práticos dos candidatos”. “Pode o membro do Governo responsável pelas áreas do ensino, com exclusão do nível superior, decidir pela contratação de docentes através de criação de um grupo de recrutamento específico na bolsa de candidatos, tal como previsto no presente diploma, com as devidas adaptações”, consta na legislação.

Questionado sobre os docentes que trabalham sem vencimento, o Diretor assegurou que o problema será resolvido em breve.

“Temos de esperar pela confirmação da Comissão da Função Pública. Só depois da confirmação, poderemos fazer o pagamento a que têm direito. O processo de pagamento está demorado porque estamos na fase de transição de Governo. Entretanto, a Comissão da Função Pública apresentou o pedido informativo ao novo governante para conhecer o contrato. Por fim, quando conseguirmos ter um acordo, pagaremos aos professores no mais curto espaço de tempo”.

O Diligente tentou entrar em contacto com a Ministra da Educação, mas, até à publicação deste artigo, não obteve respostas. De acordo com os dados do Ministério da Educação, estão no ativo 10523 professores efetivos e 5.203 contratados.

Array

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?