Leónia Lemos dá consultoria sobre alimentação saudável, emprega 10 pessoas (quatro permanentes e seis casuais) e acumula funções como vice-presidente da Associação Empresarial de Mulheres Timorenses.
Leónia Lemos, mãe solteira de 35 anos, começou cedo a carreira de empreendedora. Aos 12 anos, por necessidade, vendia na escola flores de papel feitas à mão e laços de cabelo para meninas. Em 2009, aos 19 anos, com a ajuda de um tio e uma tia, que Leónia considera pais adotivos, mudou-se para a Inglaterra, em Oxford – com a filha do casal.
Lá, teve de se adaptar à nova realidade, aprendendo a lidar com o frio e uma nova língua. Para se manter, encontrou trabalho no setor da limpeza e numa fábrica. Era uma rotina pesada, entre trabalho e estudos, dividindo um quarto com a prima, até que uma oportunidade surgiu em abril de 2011.
Na altura, candidatou-se a uma vaga de assistente de nutricionista num hospital da cidade. Foi selecionada e, após seis meses de trabalho, decidiu aprofundar os conhecimentos na área. Em janeiro de 2012, concorreu a uma bolsa de estudo para um curso de licenciatura em Nutrição pela Universidade Oxford Brookes, e ganhou.
Em 2015, concluiu o curso e, motivada por um amigo, resolveu começar o próprio negócio. Oito meses depois, regressou a Timor-Leste. Com a ideia de empreender e já tendo feito um estudo de mercado, bem como um plano de negócios, deu início à Mirtejes-F, empresa que dá consultoria de alimentação saudável e práticas de detox (eliminação de toxinas que se acumulam no corpo).
Na entrevista com o Diligente, a empreendedora, que vive atualmente em Díli, falou sobre os desafios de ser mulher, a gestão da sua empresa e o seu papel como vice-presidente da Associação Empresarial de Mulheres de Timor-Leste (AEMTL).
“Mostra ao mundo que consegues ser o que quiseres”, foi o conselho que ouviu do avô, antes de este falecer e que funciona como uma motivação para a jovem empresária enfrentar os obstáculos com coragem.
Como recorda a sua infância?
A minha infância não foi fácil, porque o meu pai sempre quis ter filhos homens. Quando a minha mãe deu à luz uma menina, a minha primeira irmã, ele não ficou contente. Depois vim eu, e ele, revoltado, chegou mesmo a proibir a minha mãe de me amamentar. Foi quando o meu avô paterno fez questão de me adotar. O meu pai, desgostoso, até desconfiou que eu tinha sido trocada no hospital.
Vivi sempre com o meu avô até ao seu falecimento, quando eu tinha 12 anos. No dia antes de morrer, contou-me sobre a rejeição do meu pai. Na altura, fiquei magoada com todos, exceto com o meu avô. Antes de partir, deixou-me uma mensagem: “Mostra ao mundo que consegues ser o que quiseres”.
Sempre quis ser empreendedora ou a ideia surgiu por necessidade financeira?
A ideia de ser empreendedora começou na minha infância, após a morte do meu avô. Quando isto aconteceu, fui forçada a mudar-me para casa dos meus pais, em Quintal Boot, mas sentia-me como uma estranha lá. Sabia que ninguém me ia dar dinheiro. Por isso, desde essa altura e até aos 19 anos, transformava papéis coloridos em flores e oferecia laços de cabelo para as meninas. Tentava vender tudo na escola e até que conseguia algum dinheiro.
Em 2009, decidi ir para Inglaterra, com a ajuda de meu tio e tia, que tenho como pai e mãe adotivos. Mudei de país com a filha deles. O meu avô sempre quis que eu estudasse fora, fosse uma mulher de sucesso e ajudasse outras mulheres que não tivessem oportunidade de trabalhar.
Na Inglaterra, trabalhei em vários lugares, fábricas, hotéis e universidades, antes de começar a trabalhar como assistente de nutricionista num hospital, onde conheci o dono, que acabou por se tornar meu amigo e ser a pessoa que me motivou a começar o meu negócio. Um dia, perguntou-me quanto tempo eu pretendia viver em Oxford. Naquela época, eu não fazia a mínima ideia. Apenas respondi que tinha ido para trabalhar e estudar.
Ele fez muitas perguntas desafiadoras, como por exemplo, se eu queria trabalhar para outras pessoas a vida toda, se não pensava em criar a minha própria empresa, se queria continuar a trabalhar lá e não mudar nada no meu país de origem. Ele reparou que eu fazia sempre horas extra, se fosse preciso, substituía os meus colegas, quando não podiam trabalhar e, por isso, disse-me que eu era diligente e tinha uma alma boa.
Este amigo comprou-me passagens de ida e volta para que eu fosse a Timor-Leste identificar os principais problemas na área da nutrição. Vim no final de 2013 e voltei à Inglaterra em janeiro de 2014. Durante o tempo que estive no meu país, percebi que havia muita gente com doenças cardíacas que faleciam subitamente. Dei conta também que os agricultores não tinham conhecimento sobre a importância do seu trabalho nem consciência dos benefícios dos alimentos que cultivavam, muito menos os consumidores. A minha pesquisa estendeu-se até Baucau, Viqueque e Lospalos, onde visitei as clínicas e vi que a taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes, colesterol tinha aumentado muito. Suspeitei, de imediato, que a causa era uma má alimentação e a um estilo de vida sedentário.
Qual a razão para escolher o curso de Nutrição?
Antes de continuar os estudos, trabalhei como assistente de nutricionista no JR Hospital (John Radcliffe Hospital), na área da maternidade, em Oxford, por seis meses. A minha função era preparar os menus para as mães antes e depois do parto. Esta perspetiva, centrada na saúde da criança e da mãe, levou-me a questionar a razão de não existir este tipo de tratamento para as mães timorenses. Na altura, trabalhava e, ao mesmo tempo, frequentava o curso de inglês no Soar Valley College. Em 2012, consegui uma bolsa de estudo na área da Nutrição, na Universidade Oxford Brookes e terminei o curso em 2015.
O que faz a sua empresa? Como atua?
A Mirtejes-F é uma empresa focada no bem-estar e na vida saudável da sociedade. Vemos que, quando as pessoas ficam doentes, muitas vezes, só recorrem a medicamentos, porque não sabem que os alimentos também as podem curar. Neste contexto, temos três atividades principais: dar consultoria sobre alimentação de qualidade, realizar terapias de acupressão, elaboração de um menu saudável e específico para doentes e produção de fruta seca detox.
Com quantos funcionários começou e quantos funcionários tem atualmente?
Comecei com duas funcionárias e atualmente tenho quatro permanentes e seis casuais. De três em três meses, recebo seis a sete estagiários da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, da Universidade da Paz, do Instituto de Tecnologia de Díli e da Universidade de Díli.
Que dinheiro foi preciso para o investimento inicial?
Comecei com cinco mil dólares, que me permitiram comprar matéria-prima, arrendar e renovar um espaço.
Hoje em dia, qual é o lucro aproximado da empresa?
Ganhamos mais de dois mil dólares por mês.
Quais foram as maiores dificuldades para implementar o seu negócio?
O meu produto é a fruta seca detox. As frutas que preciso regularmente são pepino, cenoura, ananás, laranja, maçã, uvas e frutos silvestres . A maior dificuldade que enfrentei teve a ver com a falta de conhecimento por parte dos agricultores, que prejudica o fornecimento da matéria-prima necessária para o meu negócio, porque, muitas vezes, os agricultores, por não estarem conscientes dos benefícios da fruta, plantam conforme o tempo e vontade.
Eu e a minha equipa passámos um ano a ir a todos os municípios para dar a conhecer o produto e as suas vantagens e dar uma pequena formação aos consumidores sobre a importância de uma alimentação saudável.
Acha que teve mais dificuldades em criar a sua própria empresa pelo facto de ser mulher?
Sim, a nossa sociedade ainda tem o preconceito de que só os homens têm capacidade para fazer negócios. Basta que sejam homens a falar para que reúnam a concordância coletiva. Em 2017, participei num concurso de negócios inovadores de produtos locais, organizado pelo Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Empresarial (IADE), e o vencedor foi um homem. Em 2019, concorri novamente e fiquei em segundo lugar. O primeiro continuou a ser ocupado por um homem. Na altura, ouvi vários comentários das pessoas do IADE a dizerem que as mulheres nunca podem ocupar o primeiro lugar.
Como avalia o empreendedorismo feminino em Timor-Leste?
Eu acho que as mulheres timorenses ainda são fechadas para o mundo do empreendedorismo. A maioria até tem espírito empreendedor, mas depende das decisões do marido e da família. Ouvem-se muitos homens a dizer: “Não precisas de trabalhar. O meu salário é suficiente para nós”. Temos (nós, mulheres) de aprender a dizer não a este tipo de comentários.
Qual a importância de as mulheres terem independência financeira num país patriarcal como Timor-Leste?
Num país como Timor-Leste, convém que uma mulher tenha a sua própria independência financeira. Digo isto porque, na nossa cultura, o homem é o chefe de família e o dono das decisões. Por isso, muitas mulheres têm perdido oportunidades à custa desta cultura que impõe que as mulheres obedeçam e os homens tomem as decisões. Quando é financeiramente independente, a mulher é dona do tempo e de si própria. Vou dar o meu exemplo. Quando a família do pai do meu filho quis que eu deixasse o meu negócio para viver num mundo de ilusões e na cultura deles, eu recusei, pelo bem-estar do meu filho e pelo meu.
Qual a importância de exemplos de mulheres empreendedoras como a Leónia para que outras mulheres comecem a criar os seus negócios e gerar a sua autonomia?
Com a minha presença no mundo do empreendedorismo, penso que consigo mostrar a outras mulheres que também podem e devem ser a sua própria fonte de rendimento, também podem tomar decisões, mas a maioria dos homens vê isso como uma competição ou uma ameaça.
Além de ser empresária, é atualmente vice-presidente do turismo da AEMTL. Como surgiu esta oportunidade e que funções desempenha?
Não esperava chegar até onde cheguei. Antes, tinha uma parceria com o Ministério do Turismo na área do turismo comunitário em Aileu, Maubisse, Lospalos e Jaco. Demos formação aos jovens que pretendiam trabalhar como guias turísticos locais. Como gostaram do meu trabalho, fui nomeada, em abril deste ano, vice-presidente do turismo da AEMTL. Dedico-me especificamente ao turismo comunitário, religioso e cultural. O meu trabalho é dar formação sobre estas três componentes de modo a que a comunidade saiba como atrair turistas para os seus municípios e ganhar dinheiro com isso. Nesse sentido, abordo temas sobre como manter os locais limpos e apreciar a natureza, a importância dos monumentos religiosos, bem como a gastronomia e seus modos de preparo.
Como avalia o setor do turismo em Timor-Leste?
O setor do turismo em Timor-Leste não está estimulado a 100%, porque o Governo ainda não dá prioridade a esta área. Não há muita oferta de formação para a comunidade poder criar os seus próprios negócios e ter rendimento. Como consequência, os turistas não se sentem atraídos e o desenvolvimento acaba por ser muito lento.
Qual é a sua mensagem para as mulheres timorenses que têm o sonho de ter o seu próprio negócio?
Mulheres, não tenham medo de tomar decisões sozinhas. Tenham confiança em vocês próprias, mesmo que arranquem com pequenos negócios. O mais importante é ter um plano, ação e vontade. Precisamos de dar os primeiros passos, depois a sociedade vai seguir-nos.
Projetos para o futuro?
Criar um centro de formação e consultoria sobre empreendedorismo para todos os jovens timorenses. Quero ajudá-los a aprimorarem pequenos negócios ligados aos seus propósitos de vida. Gostava também que a minha empresa servisse de exemplo e se expandisse a todos os municípios.
D. Leónia Lemos.
A sua entrevista revela uma extraordinária maturidade cívica e é um exemplo para as mulheres timorenses que, infelizmente, ainda estão dominadas física e culturalmente pela filosofia do “barlaque”.
Muitos Parabéns! Mantenha a coragem e determinação.