Qual é, de facto, o papel do chefe de suco?

Sede de suco de Bidau, em Díli/Foto: Diligente

Muitas pessoas continuam a pensar que as autoridades apenas têm a função de assinar documentos, mas a lei prevê atribuições muito mais importantes. Em alguns casos, contudo, verifica-se também atuações abusivas ou questionáveis .

Em Timor-Leste, realizam-se eleições de sete em sete anos para eleger 442 novos chefes de suco, figuras que exercem o papel de líder comunitário. Este ano, a 28 de outubro, cidadãos irão às urnas para escolher os seus representantes. Os atuais que pretendem continuar no cargo e os novos candidatos estão a delinear os seus programas com o intuito de ganhar a confiança do povo. Alguns já estão a fazer campanha de porta a porta.

O suco, no país, é uma unidade administrativa que pode ser composta por uma ou mais aldeias. De acordo com o artigo 3.º da Lei nº 9/2016 (Lei dos Sucos), “os sucos são pessoas coletivas de direito público, de natureza associativa, formados com base em circunstâncias históricas, culturais e tradicionais, cujos membros se encontram ligados por laços familiares ou por laços tradicionais, num espaço determinado”.

A escolha do chefe de suco é feita pelas pessoas que residem na referida área. O líder comunitário recebe, mensalmente, um subsídio compensatório de 250 dólares, porém, há quem diga que o maior atrativo em exercer a função encontra-se no poder que lhe é conferida. Mas, afinal, o que faz um chefe de suco?

“Os chefes de sucos, muitas vezes, trabalham 24 horas e aos fins de semana”

Olinda Pereira, 43 anos, casada e com 5 filhos, é a atual chefe de suco em Funar, que fica no posto administrativo de Laclubar, no município de Manatuto. A líder considera que a função mais importante do chefe de suco é tratar dos problemas da comunidade, como a falta de infraestruturas, e manter a harmonia e a paz.

Acrescentou que as autoridades trabalham muitas vezes 24 horas e aos fins de semana. “Não somos como os funcionários públicos. Quando a comunidade do meu suco enfrenta problemas, mesmo que seja à noite ou aos fins de semana, continuo a prestar serviços.”

Os líderes, sublinhou Olinda Pereira, desempenham também um papel importante na resolução de conflitos. “Intervimos também em casos de disputas de terra, violência doméstica e separação. Se as vítimas querem que a polícia trate do assunto, então a polícia assume o controlo”, explicou.

Contudo, muitas vezes, para receber a ajuda de um chefe de suco, os cidadãos precisam primeiro cumprir com alguns pré-requisitos. Segundo a tradição chamada Nahe Biti Boot (que significa abrir a porta do suco), é preciso pagar, inicialmente, 200 dólares americanos à unidade administrativa. Depois da assistência da liderança – ou seja, para “fechar a porta” – é necessário dar um porco ou vaca, consoante a gravidade do problema.

“Até ao momento, ninguém pagou nem entregou vacas, apenas porcos. Ainda assim, continuamos a resolver os problemas”, argumentou Olinda Pereira.

A Lei n.º 9/2016 não menciona nada sobre entregar alguma quantia em dinheiro ou animais à sede da localidade, mas descreve que “o chefe de suco é responsável por promover a resolução de conflitos que surjam entre membros da comunidade ou entre aldeias, de acordo com os usos e costumes da comunidade e no respeito pelo princípio da igualdade”.

Confrontada com a lei, Olinda Pereira explicou que a tradição se trata de uma sanção, “para que os envolvidos não voltem a repetir o ato no futuro.”

A quantia de dinheiro para custear a ajuda da liderança comunitária é diferente de um suco para outro. O chefe do suco de Kuluhun, Deus Dado Martins, 52 anos, disse que quando há problemas no seio da comunidade, as partes afetadas devem entregar 50 dólares e um porco. “O animal é morto e cozinhado para todos os envolvidos na resolução dos litígios comerem. Por fim, têm de assinar uma declaração em que se comprometem a não repetir o ato no futuro”, afirmou.

Questionado sobre a forma como os problemas são resolvidos no suco, Deus Dado disse que é muito simples: a vítima e o suspeito contam o que aconteceu e o conselho do suco – composto pelo chefe, representante da juventude do suco, líderes das aldeias e um lia nain (dono da palavra) –, depois de ouvir, toma uma decisão e comunica-a aos envolvidos.

Situações que envolvem a delimitação do terreno, animais abandonados, brigas entre jovens por estarem alcoolizados e violência doméstica (entre cônjuges) são os casos mais comuns no suco Kuluhun em que o chefe local interfere.

“Mas isso depende da comunidade. Se quiserem que o suco resolva esses desacordos, o suco está pronto para os resolver; se preferirem chamar a polícia, também o podemos fazer, têm esse direito”, destacou Deus Dado.

A autoridade informou que vai recandidatar-se. “Sei que vou ganhar, porque fiz muitas atividades em nome do povo, como colaborar com o Programa Nacional de Desenvolvimento de Suco para construir valetas, pois quando chove, algumas aldeias ficam inundadas. É uma forma de garantir a saúde pública”, ressaltou.

Além disso, se algum cidadão precisar que ele assine documentos nos feriados ou fins de semana, Deus Dados diz estar sempre pronto para ajudar.

Entre competências e atitudes controversas

Além da resolução de conflitos locais, a Lei nº 9/2016 prevê uma série de atribuições e competências aos Chefes de suco, como: “promover o desenvolvimento socioeconómico da comunidade, tendo em conta a igualdade de género; preservar a existência das uma lulik ou uma lisan da comunidade; divulgar as leis, regulamentos, deliberações e decisões produzidas pelos órgãos do Estado, bem como as regras de direito consuetudinário, que tenham interesse para a comunidade; informar a Administração Municipal acerca da existência de menores em risco na comunidade, bem como de indivíduos em situação de exclusão social ou de vulnerabilidade”, entre outros.

No entanto, a atuação dos chefes de suco também pode incorrer em situações abusivas ou que desrespeitam os direitos humanos, como destacou o estudo da jurista Maria Agnes Bere, que trabalha no Jurídico Social Consultoria (JU,S), entidade jurídica sediada em Timor-Leste.

Intitulado “Lei e prática na justiça formal em casos de violência sexual – Análise da perspetiva da estrutura patriarcal e normas sociais discriminatórias e que refletem a forma como a justiça timorense lida com casos de violência sexual”, o relatório descreve a seguinte situação: em 2018, um chefe de suco promoveu o casamento entre uma criança, vítima de abuso sexual e que acabou por engravidar, e o seu agressor. A família da menina foi à polícia, mas não para fazer queixa da violação sofrida pela filha, e sim porque não concordou com o valor do barlaque. O chefe de suco, na ocasião, não foi sujeito a nenhum processo legal.

Já num suco de Díli, o chefe da localidade, muito criticado por supostamente não cumprir as suas funções conforme a lei, foi descoberto pela comunidade que andava a trair a esposa. Um dos seus vizinhos, ao saber que a amante era a sua mulher, foi tirar satisfações com o líder comunitário, que acabou por ser agredido fisicamente. “Este com certeza não vai ser reeleito”, disse uma fonte da região, que preferiu não se identificar.

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  1. Ze de Pernambuco!

    Ze de Pernambuco
    Eunuco
    Faz um delicioso “ossu buco”
    Temperado com folhas de ruko
    Canta melhor do que o cuco
    E o manduko
    Relogio de pulso para ver o “tuko”
    Vai concorrer a chefe de suco
    Ze de Pernambuco!

    Ze Liurai
    Pueta de TL

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