PST defende descentralização do poder e quer agricultura como base da economia

Avelino Coelho, presidente do PST/ Foto: Facebook PST

O Diligente entrevistou Avelino Coelho, presidente do Partido Socialista de Timor (PST), que está na corrida para as eleições parlamentares, que se realizam já próximo dia 21 de maio. O presidente falou sobre as metas, a visão e a missão do partido, que quer investir na produção agrícola e no novo modelo socialista humanista popular baseado na tradição e na cultura, promovendo a descentralização dos poderes. Para o partido, a agricultura é o setor base para a economia nacional e a chave para o desenvolvimento de setores como a educação e a saúde.

Quais são as principais metas do programa de Governo do PST ?
O PST luta para implementar o socialismo no nosso país, por acreditarmos que é o sistema certo para resolver todos os problemas. A nossa ideologia é o sistema socialista humanista popular baseado na tradição e na cultura timorenses.

“É necessário estabelecer a lei da liderança comunitária para que o chefe de suco seja o administrador, o poder local. Em termos práticos, isto significa que a comunidade tem de resolver os seus próprios problemas”

Em que consiste esta ideologia?
Muito antes do colonialismo, Timor já era independente como nação, porque já havia pessoas que viviam no mesmo lugar com a mesma cultura e com a mesma língua. A estrutura do suco e aldeia foi criada pelo colonialismo para transmitir o seu poder ao povo. Foram estabelecidas províncias, governadores, conselhos e distritos, administradores, postos e chefe de postos, sucos e chefes dos sucos, aldeias e chefes de aldeias e chefe das povoações. Esta era a estrutura colonial, que ainda agora prevalece no nosso país.
O PST, como defensor do socialismo segundo a tradição e a cultura timorense, tem o papel de reorganizar todas as knuas em Timor-Leste. Para isto, o partido já criou uma equipa chamada Comité revolucionário popular, que tem como principal objetivo consolidar as estruturas das Knuas.
O PST quer definir novas regras de governação, que estão diretamente ligadas à descentralização. Pretende-se que esta não chegue apenas aos municípios, mas também às comunidades, aliás, aos sucos. Como já temos a estrutura de suco, então o chefe de suco é quem representa os respetivos grupos étnicos . É necessário estabelecer a lei da liderança comunitária para que o chefe de suco seja o administrador, o poder local. Em termos práticos, isto significa que a comunidade tem de resolver os seus próprios problemas, de modo a desenvolver o seu suco, tal como consta no artigo 79.º da Constituição. O chefe de suco tem de exercer a sua função como um deputado, que representa a comunidade do suco, na assembleia municipal. O presidente de câmara pode ser eleito pelo partido político ou pode ser nomeado pelo Governo central. O funcionalismo tem de estar no suco e não no município. Por exemplo, se um estudante do suco Ducurai, que estuda em Díli, volta ao seu suco, trabalha lá, está a ajudar o chefe de suco a desenvolver a sua terra natal. Se o Governo quer transformar o Município de Ermera e de Liquiçá em locais de industrialização de café, então, o chefe de suco de Ducurai deve fazer um plano para poder trazer o dinheiro para o Governo central. O chefe de suco é que decide quanto café quer plantar anualmente, as vias rodoviárias, a canalização da água, etc.

Quer dizer que os quatro poderes nacionais seriam eliminados?
Não. Os quatro poderes centrais, nomeadamente, o Presidente da República, os Tribunais, o Parlamento e o Governo mantêm-se, apenas se descentraliza o poder. O Tribunal também tem de ser descentralizado, ou seja, quando os problemas não são graves, devem ser resolvidos no suco. Caso não seja possível, então poderão recorrer aos tribunais municipais e nacionais. Por exemplo, quando se trata de um caso de violência doméstica, pode ser resolvido pela família. Se houver feridos ou mortos, já é crime e o caso tem de ir a tribunal. Portanto, estes quatro órgãos têm de funcionar a nível do suco.

A violência doméstica é um crime público. Como pode ser resolvido a nível familiar?
O marido e a mulher baterem um no outro não é crime público. Nós é que adotamos os valores que vêm do exterior , mas podemos ponderar fazer alterações, mesmo que seja crime público, podemos resolver no tribunal, mas ao nível dos sucos, para que não seja necessário esperar muito tempo e seja mais barato. Por exemplo, um caso de duas pessoas que se agrediram não é necessário vir a Díli, gastar dinheiro no transporte, na estadia e na alimentação, os sucos já têm competência para resolver este tipo de problema. Assim, podemos garantir uma justiça mais célere.

O PST quer promover a lei costumeira e dar mais poder aos lian-nains. Como e porquê?
O lia nain funciona como um juiz. Os avôs eram lia nain e têm poder para julgar. É necessário reorganizar e reconstruir a estrutura das knuas. Antigamente, cada knua tinha o seu lia nain. Por exemplo, para falar sobre o casamento tradicional, o lia nain é que deve falar, porque ele tem o conhecimento da tradição jurídica, política e económica desta knua. Então, temos de reorganizar as knuas para reforçar a estrutura administrativa dos sucos.

“Na corrida às eleições, há desigualdades políticas. Alguns partidos competem sem condições, e outros têm condições oferecidas pelo próprio Estado”

Porque é que os eleitores devem votar no PST?
Se votarem no PST, os eleitores estão a votar no projeto do socialismo humanista popular baseado na tradição e na cultura. O projeto do PST pretende transformar os municípios de Ermera, Liquiçá, Same e Ainaro em municípios da indústria do café. Em Aileu, queremos abrir a indústria de bebidas. Viqueque será o município promotor do petróleo. Em Lospalos, queremos apostar na criação de gado para vender carne. Em Bacau, queremos criar indústrias de tomate e, em Maliana, a indústria de produção de arroz. Estes projetos terão o apoio do Estado.

O PST propõe uma revisão da Constituição. Pode especificar em que aspetos e porque motivos entendem ser necessária essa revisão?
A revisão da Constituição não é bem urgente, embora seja um documento muito genérico. Para o PST, o que é muito urgente é criar um plano jurídico que consiga estabelecer regras de funcionamento da produção agrícola. No artigo 118.º da Constituição, definem-se os setores público, cooperativo e privado, mas o PST prefere o cooperativo das knuas, por isso, é necessário fazer outras leis que reforcem as já existentes. A agricultura tem de ser desenvolvida pelo setor cooperativo, não pelos setores público e privado. Ao passo que o estabelecimento de indústrias cabe aos três setores. Por exemplo, em Ermera, a transformação do café com casca vermelha em casca branca faz-se na Knua de Ducurai. Quando o café é transportado para Gleno, o trabalho já é feito numa fábrica. Aqui, os três setores podem trabalhar em conjunto, porque se algumas pessoas de Gleno não plantam café, mas são membros da cooperativa, podem arrendar os seus terrenos a uma empresa privada ou pública para construírem as fábricas. Ao passo que os agricultores das knuas continuam a cultivar o café e o Estado subsidia as máquinas, fiscaliza o preço do café e transforma-o num produto industrial, não apenas de consumo nacional, mas também para ser exportado.

Como olha para a evolução do partido desde que foi formado em 2002?
Segundo a lei que entrou em vigor em 2002, precisávamos de 1500 apoiantes para formar um partido. O PST nasceu e legalizou-se naquela altura. Nas eleições de 2002, o partido registou-se para disputar as eleições, segundo o regulamento da United Nation Transitional Administration in East Timor (UNTAET). Em 2005, estabeleceu-se a lei dos partidos. Os novos partidos registaram-se e o PST continuou. Nesta fase, os partidos precisavam de 20 mil apoiantes. A lei define que se os novos partidos não competem nas eleições durante cinco anos, o partido acaba. Isso foi o fim para muitos partidos que não cumpriram esta lei. O PST sobreviveu sempre, com assentos parlamentares ou não, não nos importamos, faz parte do jogo eleitoral.
O Estado fala sobre o seu papel na sociedade civil, mas esquece-se que os partidos políticos também são parte da sociedade civil. Os partidos políticos competem nas eleições, se não ganham, a Constituição permite que continuem a denunciar os problemas sociais, políticos e económicos. O problema é que o Estado não investe no fortalecimento das instituições partidárias, provocando a desigualdade social e económica entre os partidos. Alguns têm condições financeiras, porque têm poder no Governo e no Parlamento, recebem a subvenção eleitoral e outros benefícios. Na corrida às eleições, há desigualdades políticas. Alguns partidos competem sem condições, e outros têm condições oferecidas pelo próprio Estado. Se o PST ganhar, vai combater esta desigualdade. Se a democracia funciona, o Estado tem de investir no fortalecimento dos partidos políticos e na formação sobre o processo e o funcionamento do Estado. Os membros dos partidos que se candidatam a ser deputados têm de conhecer o processo legislativo, assim como os candidatos a ministro têm de conhecer o processo executivo.

“Os políticos usam o povo que vende na beira da estrada para ganharem votos e depois de ganharem, fazem leis e políticas contra esse mesmo povo”

Como funciona, no seu entender, a democracia?
O sistema democrático de hoje é mais eleitoral. Depois de votar, os que ganham, não conseguem transportar as aspirações do povo para o órgão legislativo. Muitas vezes, o parlamento elabora leis que contradizem as pretensões dos eleitorados e os políticos usam o povo que vende na beira da estrada para ganharem votos e depois de ganharem, fazem leis e políticas contra esse mesmo povo. Ora, isto gera injustiça social, económica e cultural. Depois das eleições, os cidadãos que votam não podem controlar o poder. Então, temos derever o funcionamento do sistema democrático. O PST, se ganhar, vai cumprir o que prometeu ao seu eleitorado.

Quais são os problemas mais urgentes para resolver em Timor-Leste?
Há muitos problemas, mas o problema fundamental é o desenvolvimento do setor agrícola. O PST quer que a agricultura se torne na base da economia nacional. Se resolvermos este problema, todos os outros serão resolvidos. A economia tem de basear-se na agricultura. Não podemos resolver problemas pequenos, temos de resolver o problema de base. Os governos destes 20 anos de Restauração da Independência só têm resolvido os problemas pequenos.

Qual a posição do PST relativamente aos direitos dos grupos mais vulneráveis, nomeadamente LGBTQIA+, cidadãos portadores de deficiência, mulheres, crianças?
Não podemos tratar este setor de modo caritativo. O PST quer dignificar estas pessoas, não através de caridade. Temos de criar condições. No processo de produção económica, eles são componentes participativas. As pessoas com deficiência, numa fábrica, por exemplo, são sócias ativas desse investimento. Por isso, defendemos a ação dos trabalhadores. As pessoas LGBTQIA+ também são humanos e cidadãos, então como é que o Estado os trata para erradicar a desigualdade? Não pode ser com caridade, mas sim através da criação de condições que lhes permitam participar ativamente em qualquer processo de desenvolvimento da produção económica, dignificando todos os setores da nossa sociedade.

Recentemente, em entrevista a um programa de televisão, opôs-se à junção da bandeira LGBTQIA+ à bandeira nacional. Porquê?

Primeiro, a bandeira é sagrada. As cores são universais, todos podem usar, mas usarem para representar o símbolo de uma organização é ilícito. A lei diz que os partidos políticos não podem usar os símbolos nacionais na sua bandeira. Como por exemplo, o PST usa diversas cores, mas o formato da bandeira é diferente, tem de se diferenciar dos símbolos nacionais. É preciso esclarecer os cidadãos sobre este assunto. Parece que a comunidade LGBTQIA+ não tem conhecimento sobre isto e não podemos penalizá-la. O Estado tem de lhes explicar o valor da bandeira nacional para que todos os cidadãos saibam e cumpram.

“Este Governo não é Governo. O povo votou na Aliança Maioria Parlamentar. Quando a coligação caiu, o Presidente devia ter convocado eleições antecipadas”

O partido está disponível para fazer coligação com outros partidos? Se sim, quais?
Ainda é muito cedo. A coligação é um instrumento. A nossa Constituição refere que só pode governar o partido que tem a maioria parlamentar ou por coligação com outro partido. Em Timor, um país multipartidário, é impossível um partido ganhar 33 cadeiras. Se ganhássemos cadeiras no Parlamento, podemos pensar com quem nos vamos coligar para formar um novo Governo, mas temos de discutir primeiro o programa, antes de discutirmos a divisão das cadeiras no Governo. O PST, como partido que defende os agricultores, trabalhadores e os marginalizados, tem de assumir o Ministério da Agricultura, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Justiça.

Que balanço faz do trabalho desenvolvido pelo VII Governo?
Este Governo não é Governo. A coligação que se apresentou ao povo chama-se Aliança Maioria Parlamentar (AMP), constituída pelo CNRT, PLP e Khunto. O povo votou na AMP e não nos três partidos que estão atualmente no Governo, ou seja, Fretilin, PLP e Khunto. Quando a coligação caiu, o então Presidente da República, Francisco Lú Olo, devia ter convocado eleições antecipadas para o povo ir votar e eleger o novo Governo. Deveria ter reconstituído a maioria parlamentar para depois eleger a mesa para substituir o presidente do Parlamento, Arão Noé, de uma forma ordeira e democrática, através de eleições a nível parlamentar. Isto é o que chamamos de Governo Constitucional. Este Governo sobrevive, não por circunstâncias jurídicas, mas sim políticas, o que é normal no jogo político.
Durante estes anos de governação, o Governo fez alguma coisa, mas não resolveu muitos problemas, sendo que os problemas económicos aumentaram. Milhares de jovens foram trabalhar para o estrangeiro, porque não há emprego cá.

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