Promessa e realidade dos recursos naturais para sustentar Timor-Leste a curto prazo

Exploração de minerais e gás em Timor-Leste tem mais de 150 anos/Foto: Arby Reed (Flickr)

Os gastos de Timor-Leste ao longo das últimas duas décadas atingiram a marca de impressionantes 18.2 mil milhões de dólares. Destes, 82% provêm de transferências do Fundo Petrolífero, totalizando 15 mil milhões, enquanto 2.5 mil milhões provieram de receitas domésticas, 300 milhões de empréstimos e 30 milhões de doações. O montante disponível no Fundo Petrolífero é o resultado da exploração das reservas de minerais e gás, principalmente a conduzida no campo de Bayu-Undan. Este campo foi encerrado em 2023, pois as suas reservas já estão esgotadas. Os campos de Elang-Kakatua e Kitan também contribuíram, ainda que em menor quantidade, para o Fundo e para a soberania de Timor-Leste, mas ambos cessaram operações em 2015.

Os políticos e defensores da indústria extrativa argumentam que Timor-Leste deve continuar a explorar as suas reservas de minerais e gás como forma de responder às necessidades da nação. No entanto, a dependência das receitas desses recursos e a priorização do desenvolvimento dessa indústria enfraquece a prioridade do Estado em construir gradualmente as infraestruturas transformadoras que podem tornar Timor-Leste economicamente forte e sustentável.

Relatórios de órgãos nacionais e internacionais destacam as fraquezas e vulnerabilidades do país, desde a pobreza multidimensional até à crise financeira, o desemprego, o capital humano limitado, a dependência de importações e outros problemas estruturais. Para enfrentar esses desafios significativos, Timor-Leste precisa de avaliar e rever cuidadosamente a direção que tem seguido para concretizar o objetivo de desenvolver a população, a fim de garantir uma abordagem apropriada e de acordo com a realidade e os factos presentes. Isso é essencial para aproveitar as oportunidades disponíveis e desenvolver Timor-Leste a curto prazo.

Pesquisa de minerais e gás em Timor-Leste: uma história de longa data

A pesquisa de exploração de minerais e gás na ilha de Timor, tanto na parte leste quanto na oeste, leva-nos para mais de 150 anos atrás. Os colonizadores portugueses iniciaram as buscas em 1856 e a primeira perfuração ocorreu em 1893, em Pualaca, Laclubar (Manatuto), onde foi estabelecida uma refinaria sob gestão de um dos irmãos do atual presidente e Nobel da Paz (1996), José Ramos-Horta. Atualmente, a exploração de minerais continua nas regiões próximas do local onde a antiga refinaria foi construída, ainda que em níveis limitados e com contínuas dúvidas se compensa continuar a explorar a região. Pualaca, por exemplo, está incluída na área de pesquisa adquirida pela Timor Gap, em 2021, no Production-Sharing Contract PSC) TL-OT-21-17. Este contrato resultou de um concurso sem licitação e abertura pública, cobrindo 1.575 km2 em três municípios – de Laclubar, Natarbora e Barique (Manatuto), até Fatuberliu (Manufahi) e Dilor (Viqueque). Uma socialização conduzida, em junho de 2022, pela Timor Gap levantou dúvidas sobre a sustentabilidade e segurança das atividades exploratórias.

Um segundo caso significativo é o do campo Aliambata, em Viqueque. Esta exploração começou em 1910 e chegou a registar produção de até 36 barris por dia, mas parou devido a evidências de atividade sísmica na região. Em 2003, o Banco de Desenvolvimento Asiático, o Banco Mundial e o Governo de Timor-Leste começaram a planear a construção de uma pequena usina elétrica (300 kW), que utilizaria o gás proveniente de Aliambata. No entanto, após sete anos, o projeto foi cancelado devido à avaliação que concluiu que os recursos de gás na área do projeto não eram suficientes.

Entre 1910 e 1975, os ocupantes portugueses e japoneses realizaram aproximadamente 30 perfurações em território timorense, especialmente nas áreas acima mencionadas. Alguns poços forneceram recursos utilizáveis, contudo geólogos não confirmaram a existência de grandes reservas viáveis para a utilização comercial em larga escala.

Durante a ocupação indonésia, 26 companhias perfuraram 47 poços na então Zona de Cooperação (ZOCA) no Mar de Timor. Após 2002, essa região tornou-se a Área Conjunta de Desenvolvimento Petrolífero (JPDA, sigla em inglês). Destes, 34 reservatórios foram escolhidos para aprofundar a exploração de novos campos potenciais, o que resultou na descoberta de Elang-Kakatua, Bayu-Undan e Jahal-Kuda Tasi. A relação quantitativa entre perfurações e reservas comerciais está alinhada com as tendências globais, das quais apenas uma pequena proporção de campos de pesquisa realmente possui depósitos com viabilidade comercial.

Entre as iniciativas de exploração de gás e petróleo em Timor-Leste que tiveram altos investimentos e não trouxeram retorno destacamos o Projeto Buffalo, por ser exemplo de um campo no qual, depois de pesquisas conduzidas pela empresa Carnarvon, não foram encontradas reservas comerciais – embora anteriormente houvesse confiança e expectativa de produção. Descoberto em 1995 e controlado pela Austrália, esse campo não recebeu confirmação de reservas comerciais, apesar dos esforços e investimento de 30 milhões de dólares em atividades de perfuração. Após a entrada em vigor do Tratado de Fronteiras Marítimas em 2019, o campo de Buffalo passou a estar exclusivamente no território de Timor-Leste.

Entre 2003 e 2017, diferentes empresas perfuraram 49 poços na área de desenvolvimento conjunto da Austrália e Timor-Leste e na área exclusiva de Timor-Leste. Do total, 23 deles tinham como objetivo iniciar as pesquisas, mas apenas o campo Kitan mostrou descobertas comerciais durante aproximadamente 14 anos de investimento. Atualmente, os defensores desta indústria continuam a fazer esforços e lobby para promover pesquisas, embora poucas empresas com experiência estejam interessadas nos concursos.

O campo que mais contribuiu financeiramente para Timor-Leste até hoje é o Bayu-Undan, descoberto no início de 1995. Bayu-Undan começou a produzir em 2004, inicialmente operado pela Phillips Petroleum, companhia norte-americana, que posteriormente se tornou ConocoPhillips. Em 2019, a operação foi transferida da ConocoPhillips para a Santos, empresa australiana que adquiriu a participação da ConocoPhillips. De 2004 a 2023, Timor-Leste recebeu cerca de 23 mil milhões de dólares do Bayu-Undan, enquanto que Elang-Kakatua forneceu 100 milhões e Kitan, 1.6 mil milhões. Todos esses campos estavam localizados na área de desenvolvimento conjunto entre Timor-Leste e a Austrália, mas o Tratado de Fronteiras Marítimas de 2019 reconheceu e definiu esses campos como pertencentes exclusivamente a Timor-Leste. O campo de Laminaria-Corallina, localizado perto de Timor-Leste, foi reivindicado e operado pela Austrália de 1999 a 2016, gerando receitas de aproximadamente 2.2 mil milhões, dos quais Timor-Leste não recebeu nada.

“Os 15.8 mil milhões de dólares já transferidos do Fundo para o OGE, e o não retorno, torna evidente que os discursos e a prática não estão alinhados e as políticas do Estado não estão a contribuir adequadamente para construir a capacidade doméstica de enfrentar desafios como pobreza, desnutrição, qualidade da educação e diversificação económica”

Greater Sunrise

O campo de minérios e gás Greater Sunrise é o único com reservas comprovadas comercialmente até ao momento, dos poços perfurados até 1974. Este campo tem sido objeto de intensas discussões, o que envolveu também o Tratado de Fronteira Marítima de 2019 e o acordo de que o campo seria partilhado por a Austrália e Timor-Leste. Partidos políticos, líderes e governos comprometeram o futuro da nação ao o condicionarem ao desenvolvimento do campo. Já foram utilizados cerca de 650 milhões de dólares do Fundo Soberano do Povo para adquirir participação no consórcio Greater Sunrise, em março de 2019, e possivelmente mais mil milhões serão investidos na construção da infraestrutura na costa sul, preparando-a para o processamento de gás, como prometido à população de Timor-Leste nos anos seguintes.

Durante as discussões da Fronteira Marítima entre Timor-Leste e a Austrália, também foi estabelecido um regime especial para o campo Greater Sunrise. Este regime oferece duas opções para o desenvolvimento do campo: se o gás for transportado por tubagens para processamento na costa sul de Timor-Leste, a Austrália receberá 30% e Timor-Leste 70%; se o gás for levado para processamento no Darwin LNG, na Austrália, a Austrália ficará com 20% e Timor-Leste com 80%. Timor-Leste, Austrália e as empresas consorciadas concordaram em realizar estudos para definição do plano de conceito de desenvolvimento para o Greater Sunrise.

Enquanto esta questão não se define, até agora não houve investidores interessados no projeto. A Timor Gap, como uma empresa estatal que representa Timor-Leste e lidera a participação no consórcio, terá de investir mais de 57% quando a decisão de desenvolvimento for tomada.

O Greater Sunrise continua a ser uma questão importante no programa do IX Governo, que prometeu negociar com as empresas para investir no campo e no Projeto Tasi Mane para processar gás em LNG, construir a refinaria e petroquímica, incluindo autoestradas e base de fornecimento no Suai para facilitar as atividades na costa. O Governo também deu prioridade ao projeto Tasi Mane para transportar cargas do Greater Sunrise para a costa sul. No entanto, a construção dessas infraestruturas terá custos significativos e impactos na sociobiodiversidade da região. Fica, assim, a questão sobre a real capacidade desse tipo de investimento em conduzir o país em direção a uma economia sustentável a médio e longo prazo, quando o impacto ambiental e social desse tipo de indústria é evidentemente nocivo.

Fundo Petrolífero pode acabar nos próximos 10 anos

O Fundo Petrolífero, como um fundo soberano, está atualmente a investir nos mercados financeiros internacionais e já emprestou cerca de 650 milhões para a Timor Gap investir no Greater Sunrise. Este Fundo investe em dois principais instrumentos financeiros internacionais: títulos e equidades. Cerca de 88% dos títulos são investidos em governos estrangeiros, principalmente nos Estados Unidos e em outras nações como a Austrália e o Japão. Embora esse instrumento não forneça retornos tão elevados quanto as ações – de facto, em 2022, apresentaram um retorno negativo significativo –, o seu risco é relativamente baixo.

Outro instrumento é conhecido como equidade, permitido pela Lei do Fundo Petrolífero de 2005, que inicialmente autorizava um investimento de até 10% em ações. Posteriormente, em 2011, a lei foi alterada para permitir um investimento de até 50%, mas atualmente está limitado a 35%. Durante esses investimentos, Timor-Leste chegou a obter um lucro líquido de cerca de 8 mil milhões, mas registou um saldo negativo em 2015 e novamente em 2022, fechando com mais de 2 mil milhões em défice.

Como mencionado no início deste artigo, a transferência anual do Fundo Petrolífero para o OGE atingiu 15.8 mil milhões, e, de acordo com relatórios trimestrais até setembro de 2023, a quantia total transferida foi de 17 mil milhões. Discursos e documentos públicos indicam que o Fundo Petrolífero estará esgotado em aproximadamente 10 anos ou menos, destacando a necessidade de aproveitar esse período para investir em setores estratégicos. Os 15.8 mil milhões já transferidos do Fundo para o OGE, e o não retorno, torna evidente que os discursos e a prática não estão alinhados e as políticas do Estado não estão a contribuir adequadamente para construir a capacidade doméstica de enfrentar desafios como pobreza, desnutrição, qualidade da educação e diversificação económica. No entanto, há uma oportunidade de fazer esforços apropriados para utilizar os recursos disponíveis na construção de um capital humano robusto e sustentável.

Apesar das discussões contínuas no Governo, Parlamento e na esfera pública sobre a situação fiscal do país, há preocupações de que Timor-Leste possa não ter recursos financeiros suficientes, em 10 anos, para cobrir as despesas do Estado e as necessidades da população acurto prazo. A questão torna-se ainda mais delicada à medida que o Fundo Petrolífero se aproxima do seu fim, momento em que as necessidades e esperanças cultivadas ao longo dos anos, assim como as infraestruturas que foram construídas, precisarão de manutenção. Empréstimos realizados no passado também exigirão pagamentos de capital e juros.

Projetos petrolíferos, como o Greater Sunrise, podem ajudar a preencher as lacunas financeiras em determinados períodos, mas é fundamental considerar aspetos financeiros, sociais e ambientais. A indústria extrativista de óleo e gás exige um alto custo financeiro e certo prazo até os recursos naturais se transformarem em petróleo, gás natural, diesel e outros derivados. A formação desses recursos leva milhões de anos e a história mostra que, pelos quase 200 anos de perfurações, pesquisa e abandono de projetos e campos, a expectativa de encontrar um “eldorado petrolífero” não é tão real quanto a necessidade de dar prioridade ao principal capital do país: as pessoas.

Se um projeto demonstrar viabilidade comercial e oferecer receitas substanciais para o Estado, Timor-Leste deve ponderar a perda de terras na costa sul, que poderiam ser uma oportunidade para a produção agrícola e indústrias não relacionadas com o petróleo e gás. Além disso, as atividades de exploração e produção geram poluição e contribuem para agravar os impactos globais das mudanças climáticas, afetando não apenas Timor-Leste, mas o planeta como um todo.

Autoria: Instituto La’o Hamutuk é uma Organização Não Governamental criada em 2000 com o principal objetivo de analisar, monitorizar e relatar os processos de desenvolvimento, incluindo as políticas e programas de instituições internacionais e do governo de Timor-Leste. Acreditamos que a divulgação de análise e a participação das comunidades na tomada de decisões sobre o desenvolvimento do país pode ajudar a garantir que o povo de Timor-Leste beneficie ao máximo dos seus recursos. Trabalhamos no sentido de fornecer informação e espaço que lhes permita compreender a sua própria participação e responsabilidade no desenvolvimento do país.

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