Projeto que prevê subsídio mensal de transporte de 1.600 dólares para cada deputado gera questionamentos

Conforme a proposta, o impacto para os cofres públicos no fim da VI legislatura seria de aproximadamente 5,6 milhões de dólares.

O Fórum das Organizações Não Governamentais de Timor-Leste (FONGTIL) e estudantes universitários questionam o projeto de lei que altera o Estatuto dos Deputados (lei nº 5/2004) e prevê um subsídio mensal de transporte de 1.600 dólares para cada um dos 65 representantes do povo. Num comunicado de imprensa emitido na última terça-feira (28.11), a FONGTIL enfatiza que os parlamentares, ao invés de trabalharem para resolver os problemas que afetam a vida dos cidadãos, preocupam-se apenas com os próprios interesses.

“É essencial que nossos representantes priorizem as necessidades do povo em vez das suas, pois já estão em condições privilegiadas para exercerem as suas funções. Portanto, é hora de dar prioridade aos setores que são importantes e podem ajudar nossa sociedade a levar uma vida mais digna”, sublinhou o diretor executivo do Fórum, Valentim da Costa Pinto.

No documento, a FONGTIL cita um acúmulo de problemas na saúde, educação, agricultura e infraestruturas básicas – áreas consideradas essenciais para a garantia de uma vida mais digna.

“Na saúde, há falta de medicamentos, instalações inadequadas e ambulâncias insuficientes. Na educação, as escolas continuam em más condições, com salas de aula precárias, poucos livros didáticos e merendas escolares não nutritivas. Na agricultura, os sistemas de irrigação estão danificados, impedindo que as comunidades cultivem e colham, a fertilidade do solo está a diminuir, a produção de alimentos não é adequada e tratores para a comunidade usar são escassos, resultando no abandono de muitas terras produtivas. Quanto às infraestruturas básicas, muitas estradas nas áreas rurais estão em condições precárias, prejudicando, sobretudo, as comunidades que vivem em áreas remotas”, consta no comunicado.

A FONGTIL conclui com um apelo ao presidente da República, José Ramos-Horta, para que vete a proposta, caso venha a ser aprovada no Parlamento Nacional (PN). Em declarações recentes aos jornalistas, Ramos-Horta adiantou que pretende vetar o projeto de lei – que é de autoria dos deputados Gabriel Ximenes (CNRT), Sancha Tilman (PD), Irene Sarmento (KHUNTO), Abel dos Santos (PLP) e Antoninho Bianco (FRETILIN).

Na passada quarta-feira, o projeto de lei foi aprovado na generalidade, com 50 votos a favor, um contra e seis abstenções. Conforme a proposta, o impacto para os cofres públicos no fim da VI legislatura seria de aproximadamente 5,6 milhões de dólares.

Esses subsídios, vindo a ser aprovados, seriam incorporados nos vencimentos mensais (salários, abonos e subsídios) dos deputados, que variam entre, aproximadamente, 4,7 mil dólares e 6,5 mil dólares.

Após o término dos mandatos, os representantes do povo ainda são beneficiados com uma pensão vitalícia, que pode corresponder a até 90% do salário – nesse caso, após 15 anos de cumprimento das funções.

“Podemos gritar a dizer ‘abaixo o imperialismo e colonialismo’, mas na verdade os próprios líderes é que estão a ser imperialistas e colonialistas contra os cidadãos vulneráveis”

Estudantes também se manifestam

Também os estudantes da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) criticaram o projeto de lei, por considerarem que a proposta apenas incentiva a injustiça social. Caso os deputados avancem com o projeto, os jovens prometem responder com protestos.

“Vamos lutar a partir de agora de qualquer forma para chamar a atenção dos representantes do povo. Podemos gritar a dizer ‘abaixo o imperialismo e colonialismo’, mas, na verdade, os próprios líderes é que estão a ser imperialistas e colonialistas contra os cidadãos vulneráveis”, afirmou Cardino Pereira, 25 anos, estudante de Políticas Públicas da UNTL.

Num comunicado de imprensa emitido na quarta-feira (29.11), os universitários queixaram-se da postura dos deputados e pediram aos políticos que pensassem em soluções para os problemas que afetam os jovens. “Têm de trabalhar para reduzir a taxa de desemprego no país. Os deputados não podem viver felizes à custa do sofrimento do povo”, destacou o documento.

“Com essa quantia dá para adquirir um mercedes”

Na quarta-feira (29.11), depois de um encontro de líderes das bancadas no PN, a equipa do Diligente conversou com a presidente do órgão legislativo, Maria Fernanda Lay, a respeito do referido projeto de lei. A deputada do CNRT, a responsável pelo único voto contrário à proposta, reconheceu que os valores são elevados. “Com essa quantia dá para adquirir um mercedes”, afirmou.

Contudo, reiterou que o subsídio é importante para assegurar a manutenção dos veículos existentes, ou a compra de outros. Os automóveis, explicou Maria Fernanda, são necessários para a fiscalização nas áreas remotas.

Em relação às queixas dos cidadãos, a líder avalia que o Orçamento Geral do Estado (OGE) já reserva recursos públicos para atender as diversas áreas da sociedade. “Os estudantes devem estudar política antes de manifestarem as suas opiniões”, expressou. A presidente mostrou-se insatisfeita com as críticas direcionadas ao Parlamento Nacional, “porque o Governo também adquire veículos todos os anos”.

A deputada do Partido da Libertação Popular (PLP), Maria Angelina Sarmento, na votação em generalidade, não concordou com o subsídio de transporte, porque o considera “exagerado”.

Por sua vez, Aniceto Guterres, deputado da FRETILIN, argumentou que há um benefício  parecido dentro do vencimento dos deputados. Sugeriu, então, mudar a terminologia para se diferenciar da categoria que já existe.

A discussão do projeto de lei vai ser retomada no próximo mês, depois do debate sobre o OGE de 2024, que começa esta quinta-feira (30.11) e continua até 4 de dezembro de 2023.