Autoridade Municipal de Díli não aplica sanções, mas alerta os cidadãos quanto aos perigos para a saúde.
Queimar o lixo é uma prática muito comum em Díli, sobretudo no período da manhã, quando o fumo toma conta da cidade. Segundo alguns moradores, atear os contentores do lixo é a “única solução” para evitar a acumulação de resíduos, uma vez que os funcionários de limpeza demoram dias ou semanas para fazer a recolha.
Filomena Hau, negociante de um quiosque em Audian, contou ao Diligente que quase todos os moradores do bairro deitam o lixo no terreno baldio à beira da estrada, mesmo ao lado do seu estabelecimento, “talvez por não haver ali um contentor do lixo”. Para evitar o lixo amontoado, os habitantes, clandestinamente, queimam-no durante a madrugada.
A empresária preocupa-se com as consequências que podem resultar desta situação. Teme pela segurança do quiosque e há dias em que nem volta para casa: nessas ocasiões, fica vigilante para tentar evitar que o fogo queime o seu “ganha pão”. Certo dia, ao voltar das compras, viu que as chamas estavam quase a incendiar o seu pequeno estabelecimento. Desesperada, pediu ajuda aos moradores daquela rua para apagar o fogo e a situação foi controlada.
Filomena mostrou-se descontente com a falta de atenção por parte da Autoridade Municipal e exige que esta espalhe mais contentores do lixo em todos os bairros em Díli e obrigue as empresas responsáveis a fazer a coleta dos resíduos diariamente.
A comerciante ainda criticou a atuação dos trabalhadores. “Os funcionários, responsáveis pela limpeza, não fazem o trabalho com cuidado. Tenho observado que eles não recolhem todos os resíduos. Deixam sempre lixo para trás”, lamentou.
Uma outra moradora de Audian, Jacinta Lobato, disse que tem conhecimento dos riscos, a respeito da queima do lixo, porém defendeu que a atitude é necessária. “Não podemos deixar o lixo a acumular-se durante dias ou até semanas”, argumentou.
Por outro lado, o dono da empresa Felifra Viham, responsável pela recolha de resíduos na zona de Caicoli, Octávio Soares garantiu que o trabalho é feito regularmente: de segunda a sábado, três vezes por dia. E duas vezes no domingo.
Octávio Soares sublinhou, contudo, que a retirada do lixo muitas vezes não é feita porque os materiais ainda estão a arder. “Avisamos as pessoas para não atearem fogo nos resíduos, mas cada um faz o que quer. Para não serem apanhados, resolvem queimá-los durante a madrugada, depois, durante o dia, não os podemos transportar, porque é perigoso”, afirmou.
Segundo o empresário, a equipa começa a fazer a limpeza às quatro horas da madrugada e termina às três da tarde. “O lixo acumula-se rapidamente a partir do momento em que paramos de trabalhar, porque os contentores são poucos e pequenos para a quantidade de material que é despejada a cada dia. Durante esse período, as pessoas devem esperar até retomarmos o serviço e não começar com as queimadas”, apelou.
Em entrevista ao Diligente, o chefe do saneamento da Autoridade Municipal de Díli (AMD), Domingos dos Santos Soriano, corroborou o argumento de Octávio. “O que dificulta a recolha é a queima dos resíduos que, na maioria das vezes, demora tempo a arrefecer para ser transportado”.
Questionado sobre a penalização para quem fizer queimadas no meio da cidade, Domingos Soriano afirmou que “não há pena nem multa”. Perante esta situação, a AMD alertou a população, para evitar deitar fogo às lixeiras, “para o bem-estar do ambiente e para a saúde de todos em geral”.
Contaminação do ar e legislação ineficiente
De acordo com o médico Bonifácio de Jesus, a queima do lixo compromete a qualidade do ar, podendo causar vários tipos de doenças. “O fumo por si só já é nocivo para a saúde. O fumo que sai de uma queimada de lixo está contaminado por substâncias químicas que podem provocar ou desenvolver células malignas ou cancerígenas. Nestas situações, o risco de desenvolver cancro do pulmão é maior. Além disso, o mais comum é agravar as doenças respiratórias que afetam grande parte da população”, conclui.
Melania Ribeiro, moradora de Caicoli e estudante da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL), vive perto de um contentor de lixo. A jovem reclama que o mau cheiro vindo da queima dos resíduos se torna, a cada dia, mais insuportável. “Às vezes, é tanto o lixo acumulado, que chega a ocupar parte da estrada e estraga a beleza da cidade”.
Apesar de criticar a atitude, a jovem, tal como Jacinta, afirma “não ver outra solução” para reduzir o lixo amontoado. A jovem aproveitou a oportunidade para pedir à AMD que reorganize a cidade através da regra dos três R: “reduzir, reutilizar e reciclar. É urgente fazer uma mudança de hábitos ambientais na sociedade”, justifica.
A Constituição da República Democrática de Timor-Leste reconhece a proteção ambiental numa dupla perspetiva– como um setor fundamental do Estado e, ao mesmo tempo, como um direito fundamental dos cidadãos.
Com a aprovação do Decreto-Lei Nº 26/2012, de 4 de julho, é criada a Lei de Bases do Ambiente. No Artigo 32º (Controlo da Poluição), parágrafo 1, lê-se: “O Estado deve assegurar que sejam tomadas medidas adequadas para evitar, minimizar e reduzir a produção de danos, a degradação do ambiente, os riscos para a saúde pública, para o sossego, para o bem-estar humano (…) causados pela poluição”.
Já no parágrafo 2 consta que “O lançamento, a descarga, a introdução ou a contaminação por qualquer forma, de substâncias poluentes na água, no mar, no ar, no solo no subsolo ou em qualquer outra componente ambiental está sujeita aos padrões de qualidade (…) com respeito pelo disposto na presente lei”.
Finalmente, o parágrafo 3 destaca: “As actividades humanas devem ser realizadas com recurso às melhores técnicas disponíveis e às melhores práticas ambientais que assegurem a prevenção da produção de emissões e resíduos e a minimização dos seus efeitos nefastos”.
Como se percebe, há ainda um abismo entre o que prevê o referido Decreto-Lei e a realidade que se impõe, todos os dias, em Timor-Leste.