Tem um domínio básico do português, mas consegue compreender o título deste artigo, “Português, uma língua em construção na comunicação social timorense”? Não entende tétum, mas compreende um título como “Formasaun rekursu umanu iha área profisionál no vokasionál importante”? É leitor frequente dos textos do Diligente e de outros órgãos timorenses que produzem informação em português? As suas respostas positivas ilustram a ligação entre as duas línguas oficiais de Timor-Leste, a importância de se saber português para melhor se escrever tétum e as mudanças que se estão a operar na comunicação social timorense.
A comunicação social não tem só um papel essencial no escrutínio político e social e não contribui apenas para uma sociedade mais informada, crítica e participativa. Desempenha também uma função importante na padronização linguística e, no caso de Timor-Leste, na promoção das línguas oficiais, que se ajudam mutuamente: o português alimenta o tétum e a língua de Camões torna-se cada vez mais familiar para os timorenses.
À semelhança de outras áreas, não existe escrita jornalística em tétum sem português. Para escreverem em tétum, os jornalistas têm de recorrer a inúmeros empréstimos do português de vários domínios: educação, saúde, justiça, política. Voltemos ao título anterior (“Formasaun rekursu umanu iha área profisionál no vokasionál importante”). Com exceção de “iha” e “no” (uma preposição e conjunção, respetivamente), as restantes palavras são empréstimos do português. Se lermos a notícia, cerca de 44% dos vocábulos têm origem no português. Mas a importância do português não fica por aqui. Os jornalistas têm também de consultar documentos ou entrevistar fontes nesta língua. Ao lermos, por exemplo, um excerto do Código Penal de Timor-Leste em tétum, verificamos que mais de 90% das palavras são empréstimos do português. Como pode, então, um jornalista timorense escrever notícias com rigor linguístico e informativo sem dominar o português? Não pode.
Os jornalistas timorenses sabem disso e a maioria aprendeu ou está a fazer um esforço para aprender português, embora a opinião do público seja outra. Cada vez que surge nas redes sociais um erro linguístico mais caricato ou de cariz informativo, sobretudo em tétum, chovem críticas injustas para estes profissionais: “não querem aprender”, “frequentam tantas formações” ou “vão aos cursos só pelos certificados”. Primeiro, as dificuldades reveladas pelos jornalistas são comuns a muitas outras classes em Timor-Leste e resultam de um percurso escolar débil. Segundo, alguns dos cursos frequentados têm uma duração muito curta, o que, perante o grau de lacunas, não permite o desenvolvimento das competências necessárias. Terceiro, muitas vezes, os certificados ficam esquecidos nas prateleiras dos projetos que oferecem a formação, isto porque os jornalistas percebem que, mais do que um certificado, o importante é o que se leva para a redação.
A prova do esforço destes profissionais é a mudança a ocorrer na comunicação social timorense. Em 2016, um diagnóstico do “Consultório da Língua para Jornalistas”, um projeto bilateral que nasceu da cooperação entre a Secretaria de Estado da Comunicação Social de Timor-Leste e o Camões, Instituto da Cooperação e da Língua de Portugal, dava conta de que a esmagadora maioria dos jornalistas timorenses estava situada numa proficiência de português de A2 (nível elementar). Em muitas redações, era difícil encontrar alguém que falasse português. A informação em língua portuguesa restringia-se a um noticiário na Rádio e Televisão de Timor-Leste (RTTL) e a duas notícias diárias do Timor Post, com bastantes problemas linguísticos. Não é essa a realidade em 2023. Temos mais jornalistas a dominar o português e mais e melhor informação em língua portuguesa.
Além da RTTL e do Timor Post, pode ser encontrada informação própria nesta língua na Tatoli, nos jornais (Diário e Semanário) e televisão do Grupo Media Nacional. Em janeiro deste ano, nasceu o Diligente, o primeiro órgão totalmente em português, que apresenta uma ferramenta inovadora de explicação e/ou tradução para tétum das palavras e conceitos mais difíceis através de um simples clique. A uma informação de qualidade e corajosa, junta-se, desta forma, a possibilidade de os leitores melhorarem os conhecimentos de língua portuguesa. Em todos estes órgãos, a informação num português correto não resulta de um milagre. Há toda uma equipa a trabalhar arduamente, todos os dias, para garantir o rigor linguístico: dos jornalistas aos editores, dos revisores linguísticos aos formadores.
Quem não trabalha na área das línguas não maternas não compreende a complexidade da aprendizagem de um idioma. Pensa-se geralmente que uma formação de 200 horas é suficiente para que um falante domine com fluência outra língua. Em geral, não é isso o que acontece com a maioria dos aprendentes. Segundo o linguista britânico Rod Ellis, um falante anglófono necessita, em média, de mais de 700 horas para dominar fluentemente o português. Num contexto como o de Timor-Leste, onde, apesar das semelhanças lexicais entre as duas línguas oficiais, o contacto com o português fora da sala de aula é reduzido e as competências de autoaprendizagem são baixas, esta tarefa é mais complexa. Além disso, só 5% dos aprendentes de uma língua não materna atingem o nível de proficiência de um nativo. E o que se exige aos jornalistas das secções de português e revisores linguísticos? Que escrevam ou corrijam irrepreensivelmente textos em português sobre as mais diversas temáticas, algumas difíceis até para falantes de língua materna.
É uma tarefa que exige tempo, trabalho e determinação dos jornalistas. É esse trabalho que tem vindo a ser feito desde 2016, apostando-se numa autonomia linguística progressiva e, nestes dois últimos anos, na melhoria das competências técnicas. São agora visíveis esses avanços no desempenho diário e há já revisores linguísticos, editores e jornalistas de português com menos de 5% de desvios linguísticos, mas foi um trabalho de anos. A meu ver, os resultados também se sentem no tétum. Caso o leitor abra um texto nesta língua, constata que ainda há muito por fazer ao nível da correção. No entanto, em relação a 2016, há menos erros, mas também mais e um melhor emprego de empréstimos do português.
Serão estes progressos suficientes? Não. O rigor linguístico em tétum ainda é um desafio e Timor-Leste precisa de mais informação e de muitos mais programas televisivos em português. Porém, já foram criados as fundações e o esqueleto da língua portuguesa na comunicação social timorense. O edifício está inacabado, mas já não é fácil derrubar esta construção com uma língua que não se fica só pelas fronteiras de Timor-Leste ou de outros países lusófonos. Uma língua global, que permite uma internacionalização da informação que se produz no país. Quem ganha também é a democracia timorense.
Cláudia Taveira é portuguesa e trabalhou mais de 17 anos em Timor-Leste na formação de Português, nove dois quais na área do jornalismo. Deu formação de Português no “Consultório da Língua para Jornalistas”, projeto do qual viria a ser coordenadora-adjunta. Mestre em Português Língua Não Materna, é neste momento doutoranda de Estudos Portugueses, estando a escrever a tese na área de Linguística Cognitiva sobre o desenvolvimento da competência metafórica em falantes timorenses de português.
O portugues ou lingua portuguesa e o “marido” e o tetun a “mulher”. Quando se acasalam tem muitos “rebentos” positivos que irao tapar as lacunas para edificarem a Nasaun.
E nem precisam de padre para o enlace matrimonial se oficializar…
É a minha professora Claudia. Eu nunca gostei a lingua portuguesa até encontrar a professora. Agora eu gosto muito esta lingua. A profesora compreende a realidade de Timor, esforça muito e motiva os formandos na aprendizagem do portugues. Se todos os professores são iguais a professora Claudia então a lingua portuguesa em Timor já está mais avançada. Concordo. O tetun precisa de portugues para avançar e os jornalistas têm que aprender a lingua portuguesa.