Polícia dispersa manifestação de trabalhadores suspensos pelo hotel Esplanada

Os polícias da esquadra de Dom Aleixo dispersaram os manifestantes por suposta violação de direito de liberdade do outro. Foto: Sindicato Trabalian

Nove trabalhadores que alegam terem sido “temporariamente” suspensos pelos responsáveis do hotel Esplanada, em Díli, voltaram a manifestar-se na quinta e na sexta-feira, à porta do hotel, juntamente com o sindicato Trabalian, para reivindicar indemnizações. Os funcionários, cuja prestação de serviços foi interrompida em setembro de 2021, na consequência da pandemia da covid-19, afirmam ter contrato com a empresa por tempo indeterminado e que, uma vez que não foram readmitidos quando o espaço reabriu no passado mês de abril, nem notificados de uma eventual demissão, têm direito a ser ressarcidos nos termos da lei. A polícia foi chamada a intervir e dispersou o protesto desta sexta-feira.

A manifestação foi dispersada pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) por considerar a ação ilegal, depois de ter sido chamada a atuar pela gerente do espaço, Rosa Maria Gomes. O protesto “é ilícito, porque não mandaram nenhuma carta para o Comando-Geral”, explicou a comandante da PNTL, Natércia Martins. Avançou ainda que os manifestantes estavam a impedir o direito da liberdade de acesso às instalações do hotel.

Por sua vez, o porta-voz do sindicato Trabalian – Trabalhador para Libertação Nacional, Julito Benevides, garante que o sindicato não só enviou cartas de pré-notificação do protesto para os responsáveis do hotel Esplanada, como para a esquadra do posto administrativo de Dom Aleixo, para o Comando-Geral da PNTL, e ainda para o gabinete do Presidente da República.

Na quinta-feira, a polícia também foi chamada ao local e advertiu os manifestantes para que pedissem autorização ao Comando-Geral. No entanto, de acordo com o porta-voz do sindicato, essas orientações não foram acatadas, porque a lei não exige um pedido de autorização, mas sim um aviso prévio de manifestação.

“Todos os cidadãos podem exercer, nos termos da presente lei e sem necessidade de autorização prévia, o seu direito de reunião e de manifestação, de forma pacífica e sem armas”, pode ler-se no artigo 4. ° da Lei do Parlamento Nacional nº. 1/2006 relativa à “Liberdade de reunião e de manifestação”. No artigo 10, referente aos pressupostos do “Aviso prévio”, consta ainda que “os que pretendam realizar reuniões ou manifestações em lugares públicos ou abertos ao público devem avisar, por escrito, do seu propósito, com a antecedência mínima de quatro dias úteis, as autoridades civis e policiais da área”.

Julito Benevides sublinhou que esta sexta-feira já foi enviada mais uma carta de aviso prévio a cada entidade relevante para que trabalhadores e sindicato possam continuar a manifestar-se já na próxima quarta-feira, uma vez que as cartas enviadas anteriormente não foram reconhecidas. “Não vamos desistir da luta pelo direito dos trabalhadores”, destacou.

O início do protesto dos trabalhadores remonta ao dia 26 de junho e começou com o intuito de clarificar o estatuto destes nos quadros da empresa, mais precisamente, se ainda são trabalhadores ou já foram demitidos, uma vez que não receberam nenhuma carta de demissão ou proposta de indemnização por não terem sido readmitidos nas suas funções. Os trabalhadores alegam ter assinado um contrato sem termo com a empresa PAPILON Unipessoal Lda. (detentora do hotel Esplanada), mas que não lhes foi disponibilizada a cópia do documento.

De acordo com os trabalhadores, o ciclo de protestos foi interrompido no dia 27 de junho, no seguimento de uma alegada promessa do Presidente da República, José Ramos-Horta, que terá enviado um representante do gabinete da presidência ao local nesse mesmo dia, o segundo de manifestação. “Alguém do gabinete da Presidência da República veio cá dizer que foi enviado pelo Presidente da República com a promessa de que este iria resolver a disputa laboral, assim que regressasse de uma deslocação oficial, no dia 28 de junho”, tendo ficado prometido um contacto até dia 3 de julho, o que não aconteceu, revela a porta-voz dos trabalhadores, Natalícia Soares. Três dias após o regresso do Presidente e na ausência de um contacto oficial, os manifestantes sentiram que “estavam a ser silenciados” e decidiram regressar aos protestos, informou Natalícia Soares.

O Diligente tentou contactar a Presidência da República, mas foi direcionado para uma fonte que não quis prestar declarações públicas.

Por sua vez, em declarações ao Diligente, o advogado da empresa PAPILON, que solicitou anonimato, afirmou não ter conhecimento da presença de um enviado do Gabinete da Presidência da República, por não ter estado no local nesse dia.

Apesar disso, e uma vez que nesse mesmo dia os protestos pararam, o advogado sublinha que a empresa estava disposta a continuar a negociar com os trabalhadores com a ajuda da mediação da Direção Nacional de Trabalho da Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE) para procurar soluções.

No entanto, depois de ser informado que os trabalhadores iriam retomar os protestos, essa intenção ficou sem efeito.

A empresa terá pedido tempo para estudar o caso de cada trabalhador, mas os trabalhadores acabaram por decidir recorrer ao Sindicato Trabalian o que, de acordo com o advogado, “prejudicou as negociações”.

A luta pela indemnização

Os trabalhadores relatam ter tido um encontro em setembro de 2021 com o dono da empresa para serem informados de que seriam suspensos das suas funções durante seis meses, mais precisamente de setembro de 2021 a fevereiro de 2022, devido à covid-19.

De acordo com a mesma versão, a entidade patronal tê-los-á informado de que seriam readmitidos nas respetivas funções quando o hotel reabrisse. O Hotel Esplanada reabriu no dia 20 de abril, mas só chamou seis dos trabalhadores que tinham sido suspensos e deixou os restantes nove sem trabalho.

O advogado do hotel não desmente a existência deste acordo e explica que, neste momento, a empresa que reabriu há pouco mais de dois meses, só reintegrou seis trabalhadores, porque ainda está a começar a recuperação económica. “O acordo foi realizado em outubro de 2021 e era uma promessa de readmissão dos trabalhadores faseadamente por parte do empregador à medida das necessidades do hotel”, esclareceu.

Apesar disso, o advogado reconhece que o acordo “não foi corretamente celebrado nem muito claro, porque havia falhas”, nomeadamente nos termos jurídicos. “As lacunas no acordo geram este desentendimento, porque a entidade patronal não consultou nenhum advogado para verificar o conteúdo.”

No dia a seguir à reabertura do hotel, os trabalhadores suspensos contactaram a gestora do espaço, Rosa Maria Gomes, no sentido de regressarem ao trabalho, o que lhes terá sido recusado. “Então, se a dona nos quer demitir, nós também já não queremos voltar. Foi aí que decidimos manifestar-nos para pedir indemnização”, recorda Natalícia Soares, que já trabalhava há oito anos no balcão do hotel.

A porta-voz dos trabalhadores avançou que a dona da empresa não queria negociar com os funcionários suspensos relativamente à indemnização e, por isso, encaminhou-os para a Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE) para procurar soluções.

As negociações começaram a ser mediadas pela SEFOPE, em maio deste ano. Natalícia Soares conta que os trabalhadores reuniram com a direção nacional, no entanto, como não foi possível chegar a um consenso relativamente ao valor indemnizatório exigido pelos trabalhadores, estes decidiram avançar para os protestos.

Os trabalhadores suspensos acusam a empresa de desconsiderar o contrato de trabalho e de rejeitar compensação e indemnização/Foto: Diligente

Os trabalhadores baseiam os seus protestos nos termos do artigo 55 da lei do Trabalho e exigem ser indemnizados com o pagamento de cinco meses de salário por cada cinco anos de funções.

No número 3 do artigo 55.º da Lei n.º 4/2012 pode ler-se que “se o trabalhador declarar expressamente que não pretende a reintegração, ou se o tribunal considerar, a requerimento fundamento do empregador, que a reintegração é prejudicial para o funcionamento da empresa, o trabalhador tem direito a uma indemnização”.

A alínea g) do mesmo artigo especifica que “o trabalhador tem direito ao pagamento de 6 meses de salário no caso em que a duração do contrato tenha sido superior a 5 anos”.

Por outro lado, a companhia, recorrendo ao artigo 56 da mesma lei, defende só estar obrigada a pagar um mês de salário relativo a cada período de cinco anos de trabalho. No artigo, consta que “independentemente do motivo, em caso de cessação do contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a uma compensação por tempo de serviço no valor correspondente a um mês de salário, por cada período de cinco anos de trabalho ao serviço do empregador”.

Questionado sobre o enquadramento legal, Julito Benevides defende que os trabalhadores “têm direito às duas compensações. “Acontece que os dois artigos tratam de duas questões diferentes e os trabalhadores têm direito tanto a indemnização (artigo 55.º) como a compensação por tempo de serviço (artigo 56.º)”.

Relativamente ao direito de receber os dois pagamentos, o advogado da empresa informou que o caso vai avançar para Tribunal e caberá aos órgãos judiciais a decisão final. Acrescentou ainda que a entidade patronal vai interpor um processo penal e civil por prejuízos causados ao hotel no seguimento das atitudes dos manifestantes durante os protestos. “Em sede de processo penal, as pessoas irão responder por diversos delitos criminais que cometeram no dia 26 de junho, em que há indemnização civil a ser computada”, adiantou.

O advogado alega que os manifestantes causaram prejuízos económicos e sociais, já que dois turistas cancelaram a estadia devido ao “caos” à porta do hotel, o que obrigou a gerência a ressarcir financeiramente os hóspedes. Além do ruído, o advogado argumenta que os manifestantes “impediram a livre circulação das pessoas neste estabelecimento”.

“No Tribunal, os trabalhadores podem ter direito a indemnização, mas também têm o dever de pagar uma indemnização civil por violação dos direitos de personalidade”, avançou.

O advogado lamenta a “falta de paciência dos trabalhadores” e o facto de terem decidido envolver o sindicato de Trabalian, opção que considera ter dificultado a chegada a um acordo entre as partes e ter acabado por “agravar” a situação. “Vamos recorrer ao Ministério Público e esta situação vai demorar anos a resolver”.

Por sua vez, o porta-voz do sindicato Trabalian considera também que o Tribunal é a via mais rápida para conseguir a indemnização dos trabalhadores.

Relativamente à lei laboral, o porta-voz do sindicato Trabalian observa que ainda não protege devidamente os trabalhadores. “O Estado não conseguiu impedir as empresas de explorar os trabalhadores. A lei do Trabalho, basicamente, regula os trabalhadores e favorece os empregadores”, lamentou. Com esta realidade, o porta-voz chega mesmo a apelidar a lei de “instrumento de crime”.

Benevides lembra as recentes disputas laborais em que o Sindicato esteve envolvido e em que, muitas vezes os trabalhadores perdem os seus direitos, parcial ou totalmente. “Com as lacunas da lei laboral, optamos por fazer manifestações para ver os direitos dos trabalhadores assegurados”, conclui.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?