Polícia detém homem para interrogatório por alegadas publicações “ofensivas” no Facebook sobre o primeiro-ministro

Comando-Geral da PNTL em Díli/ Foto: Diligente

A Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), através do Departamento de Investigação Criminal (DIC), deteve para identificação e interrogatório, esta segunda-feira, um homem de 33 anos por publicar alegados “conteúdos difamatórios” sobre o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, nas redes sociais. A PNTL publicou, no mesmo dia, na sua página oficial do Facebook, fotos do homem, nome e data de nascimento e ainda o comentário de um outro internauta a questionar: “a PNTL vai apenas assistir passivamente às constantes difamações ao líder Xanana Gusmão ou tem coragem de processar os responsáveis”.

De acordo com a PNTL, o cidadão timorense foi detido na sua residência particular, em Hera, na manhã desta segunda-feira, “para prestar declarações sobre a publicação nas redes sociais de conteúdos difamatórios contra o líder nacional e atual primeiro-ministro”.

O internauta é suspeito de, entre outros conteúdos, ser o autor de uma publicação, numa página de Facebook sob o nome de perfil John Malic, em que pode ler-se “passados dois dias, o avô não fez nenhum milagre que resolvesse o sofrimento do povo depois das recentes inundações”, na mesma frase em que faz considerações de índole sexual, alegadamente sobre o líder histórico.

Em declarações ao Diligente, o superintendente João Belo dos Reis, chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL, esclareceu que a decisão de deter o homem para interrogatório aconteceu “com base em informações que têm sido partilhadas nas redes sociais, a que a PNTL teve acesso, de que alguém estaria a ofender determinados líderes nacionais”.

João Belo dos Reis explicou que a PNTL agiu “sem mandado de detenção”, porque se tratou “apenas de uma iniciativa da polícia para recolher declarações”. O superintendente destacou ainda “tratar-se apenas de um procedimento para verificação de identidade e solicitar declarações”.

Ainda de acordo com o chefe do DIC, estamos perante “uma ação preventiva para evitar que esta pessoa cometa os mesmos erros no futuro”.

Questionado sobre se a PNTL não estaria a incorrer numa eventual violação de privacidade ao publicar fotos do suspeito na página oficial de Facebook da polícia nacional, o superintendente desvalorizou, considerando que as publicações não identificam o homem em questão, porque “foram desfocadas”. No entanto, em algumas fotos publicadas é possível ver, com nitidez, o rosto do homem.

“Queremos deixar claro que a ação da polícia não significa que outras pessoas possam agir de forma violenta ou usar linguagem ofensiva contra a pessoa identificada”, fez questão de sublinhar. Apesar disso, nos comentários à publicação, podem ler-se mensagens de incitamento à violência, que não foram eliminadas, contra o homem.

O chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL realçou também que “se acontecerem outros casos iguais, a polícia vai continuar a atuar”, já que “o Código Penal não abrange o crime de difamação”. A PNTL “está preocupada com as ofensas aos líderes nacionais, porque é importante respeitar os líderes como nós respeitamos os nossos pais em casa”, defendeu.

O jurista Sérgio Quintas corrobora que em Timor-Leste “não existe moldura legal para o crime de difamação”. Previsto no Código Penal está, unicamente, o crime de “denúncia caluniosa”. No artigo 285, pode ler-se: “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de um crime, com a intenção de que contra ela se instaure procedimento criminal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa”.

Nos casos em que não se verificam os pressupostos do crime de denúncia caluniosa, o jurista explica que a PNTL opta por “recorrer com regularidade ao artigo 53 do Código do Processo Penal. O artigo “Identificação do suspeito” prevê que “os agentes da polícia podem proceder à identificação de qualquer pessoa sobre quem haja suspeita de que se prepara para cometer, ou tenha cometido, ou participado na prática de um crime”. No número 2, pode também ler-se que caso “a pessoa não seja capaz de se identificar ou se recusar a fazê-lo, será conduzida, com urbanidade, ao posto policial mais próximo, onde lhe serão facultados os meios necessários e disponíveis para se identificar”.

O jurista defende que “a polícia só atua desta forma pelo facto de as alegadas ofensas serem dirigidas ao primeiro-ministro” e acredita que “se o visado fosse qualquer outra pessoa, a polícia não atuaria”. Ao deter as pessoas sem evidências e sem enquadramento legal, a “PNTL está a violar os direitos humanos”. Sérgio Quintas exalta que, “no caso de se sentirem ofendidos, os eventuais visados poderiam eles próprios instaurar um processo em tribunal para repor o seu bom nome”.

Também o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça de Timor-Leste, Virgílio Guterres, partilha da mesma convicção e afirma que “deter uma pessoa sem base legal é violar os Direitos Humanos. A tarefa da PNTL é manter a lei e ordem, naõ é ser protetora dos valores morais ou religiosos”. Para o provedor, “a atuação da PNTL não tem base legal. A polícia tem de basear-se na lei em vigor e não pode fazer detenções baseadas no padrão moral de uma pessoa ou de um grupo”.

Por sua vez, o Presidente da República, José Ramos-Horta, questionado pelo Diligente sobre a atuação da PNTL, realçou que também já passou por situações idênticas, nomeadamente durante a campanha para as eleições presidenciais, em que também foi alvo de comentários ofensivos no Facebook, mas “não dei importância e não concordo que estas pessoas tenham de ir à polícia por causa de publicações nas redes sociais”.

Ver os comentários para o artigo

  1. Quo vadis transparencia, direitos humanos, quo vadis Timor Leste?
    Como dizem os brasileiros mais precisamente Jo Soares, cade os outros?

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