Projeto envolveu jornalistas e membros de Organizações Não Governamentais em formações de auditoria social a instituições do país.
No processo da construção do Estado, durante 21 anos de restauração da independência de Timor-Leste, o papel da sociedade civil e dos jornalistas é essencial para reavivar a democracia e para o funcionamento saudável da sociedade, ajudando a garantir a representação, a transparência na execução dos bens públicos e o bem-estar dos cidadãos.
Para fortalecer este papel, o projeto “Parceria para o melhoramento da prestação de serviços através do reforço da Gestão e da Supervisão das Finanças Públicas em Timor-Leste – PFMO “OSAN POVU NIAN JERE HO DIAK,” realizou formações de Auditoria Social para 153 jornalistas (de 2018 a 2022) e 256 membros da sociedade civil (de 2019 a 2021).
A auditoria social é um processo através do qual os cidadãos e organizações da sociedade civil examinam e avaliam a qualidade, eficiência e transparência dos serviços prestados pelo Governo ou instituições públicas. Esse processo envolve a recolha de dados, análise e monitorização das atividades do Executivo para garantir que respondem às necessidades e interesses da população.
De acordo com a coordenadora-geral do projeto, Cristina Paula Batista, a formação é dividida em diversas áreas, mas o curso de língua portuguesa é o ponto de partida para outras matérias técnicas. “Temos cursos de língua portuguesa dos níveis A2, B1 e B2. Quem compreende português, consegue compreender os conceitos e princípios da auditoria e pode interpretar as leis que são escritas em português. As outras matérias são a metodologia de auditoria, comunicação, advocacia e outras”, explicou.
Doroteia Martins Borges, 30 anos, funcionária da administração e finanças da Comunity Development Interest (CDI), organização que ajuda os pequenos negócios da comunidade, disse que a formação a ajudou muito a crescer profissionalmente. “Antes, pensava que a auditoria era competência do Tribunal de Contas e da Inspeção Geral do Estado (IGE). Agora sei que a inspeção e auditoria são um direito e dever dos cidadãos. Enquanto profissional, a formação ajudou-me a fazer auditoria aos orçamentos que alocamos à comunidade que tece o tais e aos vendedores de peixe. Comecei a frequentar o curso em 2019 e terminei em 2021”, disse.
Já para Nelson Godinho, oficial da administração do Social Survey Timor-Leste, a qualificação forneceu-lhe orientações no sentido de defender os interesses da população perante os órgãos competentes. “A formadora ensinou-nos como identificar problemas, cruzando os dados e formular a defesa. Naquele momento, eu e os meus colegas focámo-nos na falta de água e saneamento. Depois de identificar os dados, resumimos a defesa e fomos entregar ao Parlamento Nacional, no momento em que eles preparavam o debate do Orçamento Geral do Estado para 2021. Felizmente, tivemos resposta positiva por parte dos deputados”, afirmou o oficial da administração.
Os jornalistas, por sua vez, podem fazer auditoria através da investigação que realizam para escrever notícias, do cruzamento entre os relatos e análise de informações sobre o desempenho e a prestação de serviços públicos ou atividades governamentais.
Isaura Lemos de Deus, jornalista da Tatoli, contou que frequentou, em novembro de 2018, uma formação sobre literacia orçamental e destacou que o curso foi muito importante, pois ajudou-a a produzir melhores notícias sobre o Orçamento Geral de Estado. “Além disso, frequentei também outra formação em 2019 sobre jornalismo de dados e pude aprender a analisar e a interpretar as informações, bem como a elaborar infografias”, frisou.
A iniciativa, ressaltou a profissional, contribuiu para que realizasse um trabalho mais eficaz na fiscalização e prestação de contas.
Resultados
Na sexta-feira passada (16.02), o Fórum de Organizações Não Governamentais de Timor-Leste (FONGTIL) e o PFMO realizaram um seminário em que apresentaram os resultados da auditoria social nos setores da educação, saúde, infraestruturas e a inclusão social, abrangendo nove municípios: Ermera, Bobonaro, Lautém, Baucau, Viqueque, Covalima, Aileu, Ermera e Liquiçá.
Entre as Organizações Não Governamentais (ONG’s) que fizeram esta auditoria estão a Organização do Grupo das Mulheres Jovens de Timor-Leste (GFFTL lê-se em tétum), Fundação Amizade Tanba Amor (FUNDAMOR), Luta Hamutuk, Associação da Rede de Covalima (ARRC), Fundação Moris Foun (FMF), Mata Dalan Institute (MDI) e Timor-Leste Coalition for Education (TLCE). A atividade foi apoiada pelo serviço de Apoio à Sociedade Civil para Auditoria Social (SASCAS), que atualmente é o Gabinete de Apoio à Auditoria Social (GAS), sob ordem do primeiro-ministro.
A coordenadora-geral do PFMO, Cristina Paula Batista, sublinhou que os trabalhos recorreram às metodologias implementadas nas ações de formação. “É bom ver que aquilo que as pessoas aprenderam e que nós disponibilizámos está a ter resultados concretos”, destacou.
Por sua vez, o diretor-executivo do FONGTIL, Valentino Pinto, enfatizou que o apoio do PFMO foi fundamental na formação de alguns dos membros do grupo, em áreas como a língua portuguesa e técnicas da auditoria. “Os membros das ONG’s são beneficiários do apoio do PFMO. As dinâmicas contribuem para que as instituições públicas possam gerir bem os recursos do Estado, promovendo a cultura da transparência”, afirmou o diretor-executivo.
Valentino Pinto acrescentou ainda que o evento é essencial para despertar os órgãos competentes para os problemas que são da sua responsabilidade, e favorecer a cidadania. “A auditoria social não se foca apenas na prestação de serviços, mas também serve para estimular a participação ativa dos cidadãos”, observou.
O coordenador da Plataforma Nacional Bee, Saneamento e Higiene Timor-Leste (BESITL, lê-se em Tétum), Januário Amaral, foi um dos apresentadores da auditoria social focada nos equívocos que impedem a população de aceder a água potável e a saneamento básico em seis sucos: Uma Uain Leten, Uma Tolu, Lihu, Goulolo, Saburia e Asumau, nos municípios de Viqueque, Aileu e Ermera.
O pesquisador afirmou que o problema mais comum que a comunidade enfrenta nestas áreas é o não funcionamento das torneiras públicas. “Quase cinco sistemas estão avariados. A comunidade estragou as torneiras. Às vezes, as autoridades constroem um sistema de água e passados dois ou três anos, já está estragado, porque não há manutenção. No tempo da chuva, as pessoas consomem água suja e que cheira mal”, lamentou.
Perante esta situação, o presidente da BTL (Be Timor-Leste, em tétum), Carlos Peloi dos Reis, reconhece o trabalho da sociedade civil na melhoria do serviço de água e saneamento. “Através desta pesquisa, podemos elaborar um plano que corresponda à realidade, a fim de beneficiar a comunidade. No ano passado, por exemplo, recebi uma solicitação de uma entidade sobre a falta de água num suco em Ainaro. Fomos lá, reparámos os canos e disponibilizámos água para toda a comunidade”, informou.
Participou no evento o vice-primeiro-ministro, ministro coordenador dos Assuntos Sociais e ministro do Desenvolvimento Rural, Mariano Assanami Sabino. Na sua intervenção, a autoridade salientou que o papel da sociedade civil é muito importante para corrigir os erros dos governantes, sendo importante criticar com fundamentos. “Reconhecemos que durante 21 anos de restauração da independência ainda não resolvemos muitos problemas do povo, incluindo o acesso a água potável. Precisamos de ter coragem para aceitar as nossas falhas, que podem acontecer por falta de capacidade, por não estarmos atentos ou por deixarmos acontecer”, admitiu.
Mariano Sabino confidenciou que, às vezes, os governantes não têm respeito pelo património público. “Usam os carros do Estado sem cuidado e depois os carros avariam e o Governo é que se responsabiliza”, exemplificou.
Embora a formação de Auditoria já tenha terminado, Cristina Batista lembrou que os conteúdos podem ser sempre consultados nos manuais elaborados para as dinâmicas, muito voltados para situações do dia a dia. “Disponibilizámos os manuais de língua portuguesa para fins específicos e manuais de auditoria social em português e em tétum, que contêm uma série de documentos de trabalho que estão a ser implementados”, concluiu.
O PFMO é um projeto financiado pela União Europeia e cofinanciado e implementado com o modelo de cooperação delegada pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. Além de jornalistas e elementos da sociedade civil, as ações de formações da iniciativa beneficiaram 3.766 profissionais em Timor-Leste da Câmara de Contas (CdC), do Tribunal de Recurso, da Comissão Anticorrupção (CAC), da Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC) e Ministério Público (MP), Ao todo, foram lecionadas mais de 167 mil horas de formação.
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