Pensão vitalícia: legislatura vai terminar sem pôr fim a altos salários e a regalias para deputados e governantes

Sessão plenária no Parlamento Nacional: a maior parte dos deputados e membros do Governo evita falar sobre a pensão vitalícia/Foto: Parlamento Nacional

Em Timor-Leste, falar sobre a pensão vitalícia parece ser um tabu para aqueles que a recebem; este ano, a discussão sobre a continuidade (ou não) dos privilégios foi adiada

Aproximadamente 300 mil timorenses sofrem de insuficiência alimentar, o salário mínimo é de 115 dólares americanos, o desemprego leva os jovens a emigrar à procura de melhores condições de trabalho, os idosos (a partir de 60 anos) têm direito a um subsídio de 50 dólares americanos mensais e o país ocupa o 110.º lugar no ranking que avalia a situação da fome em todo o mundo, entre 121 nações.

Os números, portanto, revelam que a população timorense enfrenta sérios problemas socioeconómicos, que afetam a qualidade de vida da esmagadora maioria dos seus habitantes. No entanto, neste cenário de dificuldades, uma classe pouco numerosa de pessoas coleciona regalias.

Entre os privilegiados estão o Presidente da República, o Primeiro-Ministro, os deputados, os secretários de Estado e os ministros, que recebem um salário base de 2.500 dólares americanos, 2.250 dólares americanos, 1.625 mil dólares americanos, 1.750 dólares americanos e 1.875 dólares americanos, respetivamente. Além dos vencimentos, acrescem abonos, subsídios e vantagens que duplicam ou quadruplicam os valores.

Mesmo depois do fim do período à frente dos postos temporários que ocupam, as autoridades continuam, até ao fim da vida, a receber remunerações, no mínimo, oito vezes maiores do que o salário mínimo. Trata-se de um privilégio garantido pela lei (nº 7/2017): a pensão vitalícia.

No caso dos chefes de Estado e Governo, após um mandato completo, podem usufruir, para toda a vida de 100% e 90% do salário, nessa ordem. Já em relação aos deputados, ministros e secretários de Estado, a lei assegura que, após o cumprimento de cinco anos no exercício das respetivas funções, têm o direito a receber 60% do salário; 75% depois de 10 anos e 90% após o cumprimento de 15 anos nos cargos.

Os deputados ainda podem gozar de assistência médica gratuita no exterior e de um passaporte diplomático. Em caso de óbito, os seus cônjuges ou filhos menores têm direito a receber, em conjunto, uma pensão equivalente a 75% do salário base final.

A lei nº 7/2017 já chegou a ser contestada, mas o debate foi arquivado. No início deste ano, o Parlamento Nacional suspendeu – de forma pouco clara –, por tempo indeterminado, a discussão sobre um novo regime jurídico para regular as concessões de pensões vitalícias ou eliminá-las. A proposta para rever o benefício tinha sido encaminhada pelo Governo ao Parlamento ainda em 2020 e, nesse intervalo, o motivo apontado para ainda não ter sido analisada foi a pandemia de covid-19.

Questionado pelo Diligente sobre a razão de o tema não ter avançado e se há alguma previsão de quando a matéria pode voltar a ser examinada, o presidente do Parlamento Nacional, Aniceto Guterres, irritou-se. “Não irei falar sobre o que não está na agenda. Não insista, não seja teimoso”, limitou-se a dizer, nervoso.

Os 65 deputados da atual legislatura terminam o mandato em junho, assim como os ministros e secretários de Estado. No dia 21 de maio, acontecem as eleições parlamentares para a escolha dos próximos (ou mesmos) representantes do povo pelos partidos que receberem mais votos da população. Momento que abre também a possibilidade de haver uma nova composição entre os membros do Governo.

Opiniões desencontradas

Entre as pessoas que representam a classe contemplada pela pensão vitalícia, são poucas as que falam abertamente sobre o assunto. Na maior parte das vezes, quando inquirida, a figura de poder apresenta muitas reservas: ou desconversa ou se exalta ou simplesmente muda de assunto.

No dia 30 de março, após a tradicional reunião semanal do Conselho de Ministros, no Palácio do Governo, em Díli, a equipa do Diligente abordou o titular do Ministério das Finanças, Rui Gomes, porém, o membro do Governo evitou tecer grandes comentários a respeito do benefício.

“A pensão vitalícia é uma questão política, garantida por lei. O assunto deve estar agora [a tramitar] no Parlamento. Tudo vai depender do que os deputados decidirem”, argumentou.

No Parlamento Nacional, o tema também provoca inquietação entre os representantes do povo. Numa quinta-feira, dia em que acontecem as reuniões das comissões, a equipa do Diligente esteve na sede legislativa do país para tentar conversar com alguns deputados.

Indagado sobre o posicionamento do partido em relação ao assunto, o vice-presidente da bancada da FRETILIN, Antoninho Bianco, esquivou-se: condicionou a opinião à existência de um consenso.

“É preciso haver um consenso de todos os membros parlamentares, uma vez que a FRETILIN só tem 23 lugares no Parlamento. E a FRETILIN não pode obrigar os outros partidos a terem a mesma opinião”, disse. A FRETILIN é o partido com o maior número de assentos no Parlamento.

Já a presidente da bancada do KHUNTO, Olinda Guterres, quando questionada sobre a posição do grupo, ressaltou que o partido “é um dos únicos a ser contra a pensão vitalícia e, por isso, a lei não será eliminada”.

“Muitas pessoas ainda estão numa situação de vulnerabilidade social e os beneficiários, por outro lado, ficam sentados em casa a receber o dinheiro todos os meses. Nós queremos acabar com a pensão vitalícia. A FRETILIN e o CNRT é que não querem”, realçou.

Contudo, perante outros jornalistas que a questionaram sobre o mesmo assunto, Olinda Guterres assumiu uma postura diferente. “Se a FRETILIN, que quis criar essa lei, quiser eliminá-la, nós do KHUNTO também vamos querer”.

Por sua vez, o vice-presidente do PLP, Francisco de Vasconcelos, assegurou que o partido “tem uma conduta clara, que é a de eliminar a pensão vitalícia”. “No início deste ano, queríamos que a lei fosse debatida no Parlamento. Trata-se de uma lei injusta. Infelizmente, a maioria dos colegas votaram para não dar continuidade à discussão”, afirmou Francisco.

O Presidente da República, José Ramos-Horta, chegou a dar declarações em que demonstra ser contra a pensão vitalícia. Apesar disso, o debate sobre o assunto não avançou.

“Se o cargo é temporário, porque é que devem receber benefícios públicos para toda a vida?”

A lei nº 7/2017 foi promulgada por Taur Matan Ruak, que era o Presidente da República na altura. Taur, porém, aquando da promulgação, expressou discordância em relação à proposta.

“Este benefício excecional é um privilégio injustificado para a classe política, quando tantos dos nossos cidadãos estão ainda longe de viver segundo as mais elementares condições de vida, sofrendo de má nutrição, sem acesso a água potável ou a um limiar mínimo de subsistência”, enfatizou, em carta enviada ao Parlamento.

No documento, Taur – hoje no cargo de Primeiro-Ministro – destacou que “muitos países têm tomado decisões mais justas no sentido de eliminar estes privilégios, em nome da igualdade na repartição das riquezas que são de todos e dos encargos que oneram toda a sociedade”. A autoridade justificou, contudo, que a promulgação era necessária para “pelo menos diminuir os valores da pensão vitalícia atribuída aos políticos face à lei atualmente em vigor”.

A lei a que Taur se referia era a nº 1/2007, que garantia aos deputados uma pensão vitalícia igual a 100% do salário após exercerem o cargo durante 42 meses, consecutivos ou interpolados.

Além disso, os representantes do povo podiam usufruir de um carro para uso pessoal e importar todo o material necessário para a construção de uma residência privada – ambos os benefícios com isenção de taxas aduaneiras e de outras imposições fiscais sobre as importações.

No mesmo ano em que a lei nº 1/2007 passou a vigorar, os privilégios da pensão vitalícia foram estendidos a toda a classe política.

Somente uma década depois, devido à necessidade de reduzir o impacto financeiro para o Estado por causa dos custos associados ao pagamento da pensão vitalícia, é que a legislação foi alterada para a atual lei (nº 7/2017).

Em 2021, o valor reservado às pensões vitalícias correspondeu a 6 milhões do Orçamento Geral do Estado (OGE), conforme anunciado pelo presidente do Parlamento Nacional, Aniceto Guterres.

No Portal de Transparência do Orçamento não constam valores ou detalhes sobre as pensões vitalícias. Fontes ouvidas pelo Diligente, no entanto, dão conta de que, anualmente, o Governo gasta mais de 10 milhões de dólares com o benefício.

Para o coordenador da Organização Não-Governamental (ONG) Lao Hamutuk, Celestino Gusmão Pereira, a existência da pensão vitalícia contraria o princípio da justiça social, previsto na Constituição de Timor-Leste (artigo 6.º).

“Numa perspetiva social, há muito mais cidadãos que precisam de apoio por viverem numa situação de vulnerabilidade. Os ex-deputados não são vulneráveis, pois durante o exercício do mandato, recebem salários elevados, além de diversas regalias. Se o cargo é temporário, porque é que devem receber benefícios públicos para toda a vida?”, questiona Celestino.

O estudante finalista do curso de Direito, Constantino de Jesus, é outro crítico da lei que garante a pensão vitalícia. Na sua avaliação, juridicamente, a lei nº 7/2017, além de intensificar desigualdades, representa um conflito de interesses, “pelo facto de os deputados legislarem em causa própria”.

O jurista Septiano Patrício da Costa sublinhou que os funcionários públicos contribuem com 4% do salário para o regime contributivo da segurança social para poderem gozar da reforma a partir dos 60 anos. Na sua opinião, o facto de os deputados legislarem sobre a pensão vitalícia não se trata de um conflito de interesses. “A lei não os impede de decidir”, declarou. Em 2017, antes de Taur promulgar a lei, o Tribunal de Recurso considerou que a legislação não era inconstitucional.

Para eliminar a lei nº 7/2017, Constantino de Jesus acredita que é necessário haver uma mudança interna e externa. A interna, enfatiza o estudante, passa pela tomada de consciência por parte dos deputados e das autoridades de que a lei apenas os beneficia, enquanto a maior parte da população vive na pobreza.

“Eles [os políticos] têm de lutar contra as suas consciências, porque o benefício financeiro e privilégios que têm são contrários ao interesse comum”, observou.

A mudança externa, ressalta, significa consciencializar a sociedade para ter pensamento crítico e repudiar leis que possam aprofundar desigualdades.

“Assim, a população poderá influenciar os deputados para que haja transformação. Não temos poder prático para mudar decisões. Só podemos sugerir, recomendar e fazer propostas, mas os governantes vão ouvir-nos? Os beneficiários querem saber o que temos a dizer? Acredito no poder e na responsabilidade de se falar a verdade”, refletiu.

Ver os comentários para o artigo

  1. Seria importante que as forcas politicas concorrentes as proximas eleicoes em Maio definam publicamente a sua posicao sobre esta injustica. O POVO KIIK de TL assim o exige, assim os julgara.

  2. Da-se mais atencao ao eclipse do sol!

    Ao eclipse do sol se da mais atencao
    Porque os politicos da nossa NASSAUN
    Sao cobardes e nao tem CORASSAUN
    Nao ligam ao sofrimento do alin, bin, maun
    Eles (povu kiik), tem tanto valor como o CAO
    E necessario um ABANAO
    Esta a porta, na proxima ELEICAO
    MAIO, depois da Pascoa, redencao
    Ha-que mostrar a JUSTICA, sem emocao
    E dar a todos os partidos, UMA GRANDE LICAO
    Hau nian RAI DOBEN TL, tem a faca e o queijo na MAO!

    HADOMI IMI HOTU HOTU

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?